Memorias de infancia

1008 Words
Com seus vinte e sete anos recém-completados, Eduardo Coimbra finalmente tinha estabelecido residência fixa no Rio de Janeiro, determinado a cumprir a promessa que fizera a doze anos atrás. Enquanto a brisa fresca do mar acariciava seu rosto, Eduardo caminhou até a geladeira em sua luxuosa cobertura e pegou uma lata de cerveja gelada. Com passos calmos, ele retornou à sacada de frente para o mar, onde se sentou em uma das cadeiras de vime, observando as ondas quebrando suavemente na praia abaixo. Enquanto tomava um gole da cerveja gelada, Eduardo aguardava o telefonema de seu braço direito no morro, Márcio, mais conhecido como "Perigo". Era um apelido que refletia sua reputação no submundo do crime carioca, onde sua crueldade era temida por todos que cruzavam seu caminho. Eduardo confiava em Perigo para manter as operações na Rocinha sob controle enquanto ele estava ausente, e agora esperava receber notícias sobre os últimos acontecimentos. Enquanto aguardava, Eduardo permitiu que sua mente voltasse para dezessete anos atrás, quando ele era apenas uma criança triste e introvertida. Seu pai, o respeitado juiz Leonidas Coimbra, acreditava firmemente na educação rígida e disciplinada, enviando Eduardo para internatos no exterior desde tenra idade. Para o juiz, essa era a maneira de criar um homem com "h" maiúsculo, como ele gostava de dizer. Longe de casa e da família, Eduardo cresceu em um ambiente solitário e austero. As paredes frias dos internatos não ofereciam conforto nem calor humano, e Eduardo aprendeu desde cedo a se fechar em seu próprio mundo. Ele encontrava consolo nos livros,aprendia a falar e ler línguas diferentes, mergulhando em histórias que o transportavam para longe de sua realidade sombria. Durante as férias de verão, Eduardo voltava para casa, uma casa marcada por contrastes e tragédias. Sua mãe, Telma, era uma mulher carinhosa que sofria em silêncio com a ausência do filho. Seu pai, por outro lado, era um verdadeiro monstro em pele de cordeiro. Publicamente, ele vestia a máscara do pai perfeito e do marido exemplar, mas nos bastidores de sua vida familiar, ele revelava sua verdadeira face sombria. Eduardo testemunhara inúmeras vezes seu pai espancar sua mãe até que ela perdesse os sentidos. Os gritos angustiados e os sons de violência ecoavam pelas paredes da casa, criando uma atmosfera de medo e opressão. Além disso, Eduardo era frequentemente submetido a castigos cruéis e injustos. Se cometesse um erro, era obrigado a passar horas ajoelhado sobre grãos de feijão, uma punição que lhe deixava marcas físicas e emocionais profundas. Naquela sexta-feira fatídica, seu pai retornara de Brasília, do Supremo Tribunal, com o rosto carregado de nervosismo. Mais uma vez, as manchetes dos jornais estampavam a violência desenfreada que assolava o Rio de Janeiro. Seu pai defendia veementemente que a solução para o problema era o fim das favelas, uma posição radical que refletia sua visão míope e desumana da realidade. Quando sua mãe ousou pontuar que as favelas eram o lar de muitas pessoas honestas e trabalhadoras, seu pai explodiu em uma explosão de raiva incontrolável. O rosto contorcido pela fúria, ele avançou sobre Telma com punhos cerrados, desferindo golpes brutais enquanto ela tentava se proteger em vão. Eduardo, com apenas dez anos de idade, sentiu uma mistura avassaladora de medo e impotência. Ele sabia que nada podia fazer para deter a violência de seu pai. Pela primeira vez em sua vida, ele sentiu um impulso irrefreável de fugir, de escapar daquele inferno doméstico que se tornara sua realidade. Com lágrimas nos olhos e o coração aos saltos, Eduardo se viu correndo pelas ruas de Copacabana, afastando-se de casa e dos gritos de sua mãe. Ele não sabia para onde estava indo, mas sabia que não podia mais suportar a brutalidade de seu pai. Naquela noite, ele deixou para trás não apenas sua casa, mas também uma parte de sua inocência e da infância que nunca mais voltaria. Naquela tarde, com o sol prestes a se pôr no horizonte dourado, Eduardo sentou-se na praia que dividia Copacabana e Ipanema, seus olhos marejados de lágrimas que teimavam em rolar por suas bochechas. Era como se todo o peso do mundo repousasse sobre seus ombros, e ele sentia-se incapaz de suportar o fardo esmagador de sua própria vida. Ali, naquela praia que testemunhara tantos momentos felizes de sua infância, Eduardo se viu à beira do abismo, à beira de uma mudança irreversível que alteraria o curso de sua existência para sempre. Por ironia do destino, naquele momento crucial, um garoto um ano mais velho que Eduardo cruzava a praia, vestindo apenas uma bermuda e acompanhado por um grupo de amigos. Eles vinham de Copacabana, e o brilho de malícia em seus olhos denunciava sua intenção de causar problemas. Assaltantes em potencial, eles haviam acabado de roubar carteiras e celulares de turistas e desavisados que relaxavam à beira-mar. Eduardo observou-os de longe, sentindo um misto de repulsa e fascínio pela audácia daqueles garotos. Enquanto o grupo se sentia seguro em seu feito criminoso, um deles lançou um olhar casual na direção de Eduardo, antes de voltar sua atenção para o garoto que parecia ser o líder do bando. "Qual é, cara, que p***a é essa? O riquinho é a sua cara", disse o rapaz, apontando na direção de Eduardo. Os olhares de Eduardo e do garoto se encontraram em um instante de reconhecimento mútuo. Eles não podiam negar a semelhança surpreendente entre eles, como se compartilhassem um elo invisível que transcendia os limites do tempo e do espaço. Embora nunca tivessem se visto antes e não tivessem nenhum vínculo sanguíneo conhecido, era como se fossem reflexos um do outro, espelhando-se em um dos mistérios inexplicáveis da vida. Eduardo sentiu um arrepio percorrer sua espinha enquanto os olhos do garoto o encaravam com uma intensidade que o deixou momentaneamente atordoado. Era como se, naquele breve momento de encontro, o destino tivesse lançado uma nova trama em suas vidas entrelaçadas, uma trama que os levaria por caminhos inesperados e perigosos, onde o bem e o m*l se entrelaçavam em uma dança perigosa de escolhas e consequências.
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