7 - Intenso

2299 Words
Katherine Ergo minhas costas e acelero o passo para me juntar aos outros, já que fiquei para trás do grupo. A garota chorona também está atrás, seguindo em silêncio. As marcas de lágrimas no rosto dela já secaram, mas ela ainda parece destruída por dentro. Não demonstra interesse por nada — nem pela biblioteca, nem pela cozinha, nem por qualquer outra coisa. Ela se encolhe sempre que passamos por um retrato a óleo de vampiros, e continua tentando cobrir o decote e os quadris, puxando a saia de um lado pro outro, como se isso fosse esconder algo. Ela claramente não quer estar aqui. Nunca quis. Isso já dava pra perceber desde o começo, mas agora… Nunca fui de alianças. Sempre preferi trabalhar sozinha. Formar dupla ou depender de alguém sempre me pareceu mais problema do que solução. Mas, numa situação como essa… ter uma aliada com a mesma mentalidade pode ser útil. — Ei — murmuro em voz baixa, me aproximando dela. — Você tá bem? Ela me olha, os olhos tristes demais pra idade que tem, e dá de ombros. — Tão bem quanto alguém pode estar, considerando o que é isso aqui — responde com um sussurro quase sem vida. — É… difícil discutir com isso — falo, seca. Ela parece surpresa com minha honestidade, depois franze os olhos, desconfiada. — Sério? Você me parece uma das que quer estar aqui. — E você parece que não — devolvo, me esquivando da provocação. — Então por que veio? Ela hesita, os olhos marejando de novo. Ah, não. Por favor, não chora. Ela inspira fundo, prendendo as lágrimas, e eu solto o ar em silêncio. Obrigada. — Foi por causa da minha mãe — ela diz, num tom um pouco acima de um sussurro. — Ela está doente. Sempre esteve. E vai continuar doente pelo resto da vida. No ano passado, o Parkinson dela piorou. Muito. Ela quase não enxerga, e as crises são constantes. Ela m*l consegue se mover. Os remédios custam uma fortuna. Eu estava com três empregos e mesmo assim não dava pra pagar um cuidador pra ela. No mês passado… ela caiu. — p**a merda… Ela assente e morde o lábio, que treme levemente. — Eu não estava lá. Ela ficou caída no chão por dez horas. Dez horas. Sozinha. Não quebrou nada, mas os hematomas, o choque… tudo isso piorou os sintomas. Ela ficou dias sem sair da cama. Tive que contratar uma enfermeira, nem sei como. Caralho. Que tipo de sistema deixa uma filha chegar nesse ponto? Abro a boca para dizer algo, mas ela ergue a mão, me cortando. — Eu sei. Eu sei que tem programas, benefícios, essas coisas. Já pesquisei tudo, me inscrevi em tudo. Ela está em listas de espera, em vários cadastros. Liguei pro meu irmão… — ela solta uma risada amarga. — Mas ele ama o dinheiro mais do que ama a própria mãe. Disse que não ia “jogar fora” com ela. Babaca. Mas ainda piora. — Não consigo imaginar como, mas manda ver. Ela quase sorri com isso. Os olhos castanhos brilham com as lágrimas contidas, mas há um lampejo de humor ali. — O preço dos remédios aumentou. O aluguel também. Tudo de uma vez. Eu já estava afundando com três empregos. Vendi tudo que tinha algum valor — menos as coisas que minha mãe precisa. A gente estava prestes a ser despejada. Implorei pro meu senhorio por mais tempo. Me ofereci pra… — ela engole seco — …ficar com ele em troca de um desconto. Ele aceitou. Depois negou que tivesse feito qualquer acordo. No fim, eu ia ser despejada do mesmo jeito. Meus olhos se estreitam e minha mandíbula trava. Vampiros não são os únicos monstros nessa cidade esquecida por Deus. — Que desgraçado. — Né? Mas o fim do mês estava chegando e eu precisava de dez mil em mãos. Só conseguia pensar em três jeitos de conseguir isso em tão pouco tempo. Não sei como fisgar um ricaço apostador e sou péssima em vender drogas — convencia os clientes a desistirem, acredita? — então só me restou uma opção: os vampiros. — Você não se vendeu por dez mil, né? — pergunto, tentando manter o tom num sussurro rouco enquanto abaixo a cabeça pra encontrar o olhar dela. Dez mil não dá nem pra começar. No mês que vem, a mãe dela vai estar na mesma situação. E essa garota ainda vai estar aqui, presa. Ela balança a cabeça. — Não. Eu me vendi pela saúde, segurança e bem-estar da minha mãe até o dia em que ela morrer. E pelo funeral dela também. Eu não tinha como calcular isso. Nem os vampiros. Então o contrato é... fluido. Ela vai ter quatro enfermeiras se revezando. Nunca mais vai estar sozinha. Vai ter comida, remédios, transporte. Não vai pagar aluguel, nem contas. E se precisar ou quiser qualquer coisa, ela vai ter. Eu fico em silêncio. Engulo seco. De repente, essa garota chorona parece muito mais forte do que todo mundo aqui. — Parece uma oferta generosa — digo devagar. — Como você sabe que eles vão cumprir a parte deles? Ela sorri com tristeza. — Não sei. Por isso, quando negociei tudo antes do leilão, insisti em atualizações mensais. Posso falar com ela por telefone sempre que quiser… desde que eu não conte o que estou realmente fazendo. — Seus olhos brilham, cheios de uma esperança cautelosa. — E se eu me comportar bem… e me ligar a um vampiro que permita isso, talvez eu até possa visitá-la um dia. Aperto a mão dela de forma desajeitada, tentando passar algum conforto, mesmo com a fúria fervendo dentro de mim. Ela não fez nada de errado. Foi forçada a estar aqui. Assim como Tyson. Mas ela… ela é ainda mais inocente. Fez tudo certo. Lutou para ajudar a mãe, manter um teto sobre as duas. E, ainda assim, veio parar neste inferno. O sistema todo é uma piada c***l e distorcida. — Eu não fazia ideia — murmuro. — Sinto muito. Ela inspira fundo, claramente tentando se recompor, assumir uma pose corajosa. — Tá tudo bem. A minha mãe está sendo cuidada, e isso é o que importa. Eu fiz o que tinha que fazer — e fiz isso sem recorrer ao crime. O que eu teria feito se soubesse como lucrar com isso, mas… eu simplesmente não sou boa em quebrar regras. Não. Isso não tá nem perto de estar “tudo bem”. Nada disso está bem, p***a. Desvio o olhar antes que minhas emoções transbordem. Se Agatha notar, já era. Preciso de uma distração, de qualquer coisa, porque meu coração está batendo rápido demais, meus dedos tremem. Como se respondesse à minha prece silenciosa, a matrona vampira bate palmas com força, chamando nossa atenção. — Certo, meninas! Endireitem a postura, sorriam e esvaziem a mente. É hora do jantar. Ela empurra um conjunto imenso de portas que se abre com um rangido suave, revelando o salão de banquetes. Lustres pendem do teto como pingentes de cristal, espalhando luz dourada por todo o salão. Rosas vermelho-sangue se acumulam nos centros das mesas e em guirlandas espalhadas pelo ambiente, com pétalas jogadas de maneira artificial, como se fosse o cenário de um ensaio fotográfico. As cadeiras, todas em cetim rosa e vermelho, refletem seus tons sobre o piso de mármore polido com veios dourados. As mesas são todas luxuosamente decoradas com panos pretos rendados. O centro do salão abriga uma pista de dança em espiral, que leva até um palco elevado onde músicos afinam instrumentos clássicos. Não consigo distinguir se são humanos ou vampiros. E, pra ser sincera, nem sei se importa. À minha esquerda, há uma mesa comprida e imponente sobre uma plataforma elevada. Todas as cadeiras ficam de um único lado, voltadas para o salão — como se os ocupantes fossem jurados observando um espetáculo. A cadeira central é um verdadeiro trono. As outras, forradas em veludo vermelho. Há ouro por toda parte. Brilhando, agarrado a cada superfície. Uma ostentação absurda. Um teatro de opulência e controle. É repugnante. Uma encenação nojenta de civilização. Mais que isso — é uma tentativa cínica de parecer elite. Jesus Cristo. Fica cada vez mais difícil conter minha raiva. Eu odeio cada centímetro deste palácio. Mas tenho quase certeza de que este salão de jantar acabou de se tornar o meu lugar menos favorito no mundo inteiro. Sinceramente? Eu preferiria um porão frio, com o chão sujo e manchas de sangue nas paredes. Pelo menos isso seria um reflexo honesto do que este lugar realmente é. Agatha nos conduz até uma mesa no centro do salão — o lugar mais exposto possível, praticamente um convite para sermos caçadas — e nos manda sentar. Ela se posiciona na cabeceira, o olhar passando por cada uma de nós com uma expressão neutra, quase entediada. — Muito bem, meninas. Antes que os vampiros cheguem, alguns lembretes. Primeiro: qualquer vampiro tem permissão para beber de vocês, por enquanto. A cerimônia de união acontece em três semanas, e aí as regras mudam. Se ninguém escolher se unir a vocês, permanecem como tributos gerais até que seus contratos expirem… ou vocês morram. O que acontecer primeiro. Quero perguntar quantas pessoas realmente conseguem sair daqui com o contrato cumprido. Mas sei que não vou gostar da resposta. Estou morrendo de vontade de me levantar, gritar que está tudo errado, expor esse circo sádico, agarrar cada garota por um braço e sair correndo. Mas eu sei... Sei que não posso. Não ainda. Mais da metade dessas garotas está ouvindo atentamente, os olhos brilhando, os corações acelerados. Algumas estão… empolgadas. Como se isso fosse uma chance. Como se tudo aqui não fosse uma prisão dourada com um fim anunciado. — O melhor conselho que posso dar é: relaxem — continua Agatha, com um sorriso irônico no canto dos lábios. — Vai doer na primeira vez. Assim como tudo na vida, certo? Ela fala como se fôssemos um grupo de amigas se preparando para uma festa, e não... um cardápio. — Mas vocês vão se acostumar. Estarei naquela mesa perto da parede, se precisarem de mim. Mas tentem não precisar. Sinceramente, é melhor para vocês a longo prazo se aprenderem a se virar sozinhas. Alguns deles adoram colocar tributos uns contra os outros. Não caiam nessa. Só vai causar problemas. Eu… Ela para. Seu olhar vai para a mesa elevada, os olhos levemente arregalados. — Ah! Hora de ir. Boa sorte, meninas. E se afasta com graça, indo se juntar a outras duas mulheres em uma mesa discreta perto da parede. Provavelmente outras matronas, encarregadas de vigiar o... estoque feminino. As mesas ao redor começam a se encher de mulheres — tributos mais antigas. Todas com os cabelos presos para trás, expondo o pescoço. Procuro cicatrizes, marcas, furos. Mas não vejo nada. Nenhum sinal visível. Se existem marcas, são pequenas, quase imperceptíveis. E, de algum jeito, isso é ainda pior. A sala inteira está se enchendo rapidamente agora, com humanos e vampiros, mas ainda não vi nenhum tributo masculino. Estou quase aliviada. Não sei bem, mas como vou mandar uma mensagem para Tyson sem disparar todos os tipos de alarmes? Eu realmente gostaria de uma noite para resolver esse problema. Minha atenção está em todos os cantos enquanto sons e atividades preenchem o grande salão. Me forço a olhar ao redor lentamente, sem padrão fixo, tentando não parecer que estou vasculhando cada detalhe em busca de pontos fracos. É mais difícil do que eu imaginava. Respiro fundo e devagar, deixando a tensão se acumular só onde não será perceptível, enquanto mantenho meu rosto relaxado. Consigo sentir os vampiros na sala — seus olhares em mim, a fome, a libertinagem. Estou agachada atrás das linhas inimigas e preciso parecer que estou gostando da experiência. Enquanto continuo a examinar sutilmente a sala, meu olhar se volta para a mesa principal — e meu coração quase para. Ele está lá. O vampiro de cabelos escuros, sentado no trono, está agarrado a uma mulher seminua em um abraço faminto, a boca enterrada no pescoço dela. Meu estômago se revira. Cada fibra do meu ser quer derrubá-lo aqui e agora, salvar aquela pobre garota. Mas então ela geme. Fixo minha atenção no rosto dela. A boca está aberta, vermelha e cheia, a testa franzida, os braços se contorcendo para agarrar a cadeira. Ela está se mexendo, sim... mas não para escapar. Porra, ela está gostando disso. Meu estômago torcido se transforma em algo estranho, um fogo derretendo por dentro, me consumindo até o âmago. Nem reconheço a sensação no começo. Não fico excitada assim, a menos que esteja superbêbada e ajoelhada em frente a um abdômen definido. Mesmo assim, não é tão intenso assim. Sexo é uma ferramenta. Como salto agulha, uísque ou uma lâmina muito boa. Meu trabalho exige uma liberação regular e eficiente. Sexo com um estranho é a melhor forma de consegui-la. Mas sexo com um estranho nunca, jamais, me fez sentir assim. Não consigo desviar o olhar. Estou enojada, horrorizada, mas isso não parece importar para o meu corpo. Ela está em êxtase. Como pode ser possível? Já vi vampiros se alimentarem mais vezes do que consigo contar. É sempre brutal. Suas vítimas imploram quando podem, gritam de agonia quando não, e são sempre deixadas mortas ou traumatizadas. Essa garota não parece nem um pouco traumatizada. Ela parece feliz, como se não houvesse outro lugar no mundo onde preferisse estar. Devo estar olhando por tempo demais, ou talvez tenha feito algum ruído sem perceber. Como se tivesse notado minha atenção, o vampiro de cabelos escuros abre os olhos. Seu olhar se fixa no meu, prendendo-me no lugar com íris do tom exato de cinza-escuro, como nuvens de tempestade.
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