Katherine
Assim que piso no último degrau, percebo a mudança no ar. A atmosfera aqui embaixo é densa, saturada de sexo e libertinagem. Uma TV de tela plana exibe pornografia sem som, enquanto setas de néon piscam, indicando o caminho à esquerda. Do outro lado da sala, uma janela cortada na parede revela uma vampira entediada sentada atrás de um balcão. Ela me lança um olhar rápido, depois desvia os olhos, desinteressada. Não está impressionada — o que, de certo modo, é bom. Ela sabe por que estou aqui. E o fato de o disfarce estar funcionando me dá uma ponta de confiança.
Já que ela parece satisfeita em me ignorar, faço o mesmo. Me aventuro mais fundo no clube subterrâneo, examinando os arredores com discrição. Viro à esquerda e atravesso outra cortina, entrando num corredor estreito, m*l iluminado e sujo que, ao virar a esquina, se torna ainda mais sombrio e apertado.
Meu estômago revira.
Puta merda.
Eu não esperava arco-íris nem cachorrinhos, mas também não estava pronta pra isso. O lugar é sinistro — parece que cada andar que desço retira uma camada do verniz de humanidade que os vampiros fingem ter.
Aqui embaixo, eles claramente não se preocupam em manter nenhuma aparência.
Mas cerro os dentes e sigo em frente mesmo assim.
Não vou recuar. Não vou deixar Tyson entregue à própria sorte. Além disso, correr agora só atrairia atenção — ou pior, daria a eles uma desculpa para me caçarem.
Nunca vire as costas para um predador.
Aprendi isso da maneira mais difícil.
No fim do túnel, um homem enorme está de pé ao lado do que só pode ser descrito como a maior porta de cofre que já vi.
Os braços cruzados sobre o peito, uma arma presa a cada lado do quadril. Eu não sei por que um vampiro de 130 quilos e músculos de fisiculturista precisa de armas, mas ele tem duas. E parece pronto para usá-las.
Ele descruza os braços quando me aproximo, os olhos escaneando meu corpo lentamente. Seu olhar se prende nos brincos em forma de gota de sangue que roçam sedutoramente meu pescoço a cada passo.
— Perdida? — pergunta com rispidez.
Preciso parecer tola. Inocente. Fraca.
Sussurro, ofegante, olhos arregalados:
— Acho que não...
Dou mais um passo à frente e abaixo a voz para um sussurro teatral.
Começa o drama.
— Estou aqui para me oferecer... como tributo. Aos vampiros.
Ele franze a testa, pensativo, e começa a me circular como um tubarão. Sinto seus olhos me apalpando sem piedade. Sinto o cheiro da fome em sua respiração... e vejo isso claramente na protuberância de suas calças.
Mordo a ponta da língua com força controlada, só o suficiente para manter a expressão neutra.
Mas eu odeio o jeito como ele me olha.
Esse vestido caríssimo não vai valer de nada se ele decidir me tomar pra si.
Endireito a postura no instante em que a mão dele roça minha b***a. Meu coração dispara.
Não posso deixar que ele me toque mais do que isso — ou vai sentir o que estou escondendo.
— Essa... essa é a casa de leilões, certo? — pergunto, forçando minha voz a soar incerta, talvez um pouco apavorada.
Ele baixa a mão.
— Eu... um amigo me contou sobre isso. Eu ouvi falar... mas talvez eu tenha me confundido...
— Não. É aqui mesmo — diz ele. Me olha uma última vez e dá de ombros, como se decidisse que eu não valho a pena.
— Acho que você serve.
Ele abre a porta — e mesmo depois disso, ainda sinto o olhar dele colado no meu pescoço.
Reprimo um tremor. É isso que você quer, Katherine. É por isso que está aqui.
Quero essa atenção. Preciso parecer desejável.
Pelo menos por enquanto.
Mais tarde, quando estiver no palácio, eu vou me apagar. Me tornar parte da parede, do papel de parede, se for o caso.
Será que vampiros usam papel de parede?
— Pergunta i****a — murmuro pra mim mesma. — Não é relevante, Katherine.
A casa de leilões contrasta brutalmente com o corredor grotesco que acabei de atravessar.
O teto é tão alto que se perde nas sombras, com lustres pendendo sobre a multidão como joias envenenadas. Pilares de mármore e cadeiras luxuosas preenchem o salão. As paredes são uma tapeçaria viva de molduras entalhadas e tecidos antigos. Portas de carvalho pesado quebram o padrão aqui e ali.
No palco, há doze pedestais. Oito deles estão ocupados.
Pessoas.
Humanos.
Esperando por seus lances.
Uma mulher faz uma pose sensual, exibindo o pescoço. Outra fica completamente rígida, encarando fixamente um ponto escuro no teto, sem piscar. Imagino que a primeira assista filmes demais e que a segunda tenha muitas dívidas de jogo.
As duas me parecem idiotas. Mesmo assim, faço o melhor possível para imitar a energia da mulher sensual.
Uma vampira está parada aos pés do palco. Caminho direto até ela, e quando ela me vê se aproximando, estende a mão com um sorriso que parece uma ameaça embrulhada em veludo.
— Bem-vinda — ela ronrona. — Que homenagem adorável. Escolha seu pedestal, querida, e dê um show. É uma grande honra ser escolhida.
— Eu sei — respondo, com a voz propositalmente mais doce e suave do que o normal. — Muito, muito obrigada.
Porra.
Não trema, Katherine.
Mantenho o olhar maravilhado estampado no rosto enquanto caminho até meu pedestal. Viro a cabeça sutilmente de um lado para o outro, observando os outros candidatos com atenção. Fico surpresa com a quantidade de lágrimas que vejo nos rostos ao meu redor. Não deve ser tão difícil evitar esse lugar, né? Então como tantas pessoas — homens e mulheres — vieram parar aqui contra a vontade?
Afasto essa pergunta antes que as respostas me façam ferver o sangue. Esse caminho leva à exposição. Preciso encarnar a fã deslumbrada, exalar doçura. Ser só mais uma.
Enquanto subo no pedestal e aliso a saia pesada do vestido, um vampiro particularmente feio chama minha atenção. O rosto dele é uma paisagem de cicatrizes e marcas de varíola. Mas eu me forço a piscar para ele e deslizo os dedos pelo meu pescoço, enterrando o nojo bem fundo.
Talvez até fundo demais. Porque, quando desvio o olhar do cicatrizado, meus olhos encontram o próximo homem — e esse realmente parece atraente.
Não. Esquece isso.
Ele é lindo pra c*****o.
Está encostado perto da porta, no fundo da multidão, observando tudo de longe. Ombros largos, pele bronzeada, cabelo castanho espesso... e olhos escuros como pecado. Ele parece saído diretamente das fantasias mais molhadas de qualquer fã emocionada — o tipo de vampiro cuja beleza beira o sobrenatural. Não tem como ser humano. Nenhum humano é assim.
O piercing no nariz brilha sob a luz. Os braços grossos estão cruzados sobre o peito. Sua expressão é séria, quase entediada, mas poderosa.
Devo estar olhando por tempo demais, surpresa com o impacto que ele causa, porque ele vira a cabeça de repente e me pega no flagra.
Nossos olhos se encontram.
As sobrancelhas dele se contraem um pouco, e a carranca dá lugar a algo mais suave.
Meu coração dá uma batida estranha.
Que p***a é essa?
A adrenalina dispara. O pânico ameaça subir pela garganta, e preciso de todo o autocontrole do mundo pra não reagir com um espasmo físico.
Foco, Katherine. Mantém o olhar. Expressão sonhadora. Analisa.
Há muitas razões possíveis pra minha reação absurda.
Pra começo de conversa, estou num lugar repleto de predadores, cercada por vampiros e sem uma rota de fuga clara. Isso é estressante pra c*****o. Faz semanas — talvez meses — que minha vida se resume a lutar e caçar.
Quando foi a última vez que transei mesmo?
Não lembro. Isso é péssimo. Já aprendi que o melhor jeito de manter a cabeça limpa e aguentar o estresse desse tipo de missão é t*****r pelo menos duas vezes por mês. Idealmente, mais. Mas ultimamente tenho estado ocupada demais matando sanguessugas pra querer me deitar com alguém.
E aquele homem — bem, ele é objetivamente atraente. Provavelmente foi humano, há muito tempo. E, se ainda fosse, seria exatamente o tipo de cara que me faria olhar duas vezes.
Então é isso.
Simples atração física.
Nada demais.
Agora que tenho certeza de que não estou sendo hipnotizada por feromônios vampíricos ou alguma droga no ar, relaxo um pouco mais no papel. Flerto com o vampiro mais próximo, exibindo o pescoço, deixando os brincos tocarem a pele conforme inclino a cabeça de modo ensaiado.
Os movimentos são familiares. Fáceis. Não é a primeira vez que provoco um vampiro. Só é a primeira vez que faço isso sem intenção de matar o desgraçado logo depois.
Depois de alguns minutos, um vampiro vestindo um smoking vermelho escuro sobe ao palco com a leveza de um dançarino. Ele segura um microfone como se fosse um troféu.
— Boa noite a todos — ele ronrona. — Temos uma seleção encantadora pra vocês esta noite. Um cardápio delicioso pra escolherem à vontade.
A plateia explode em risos. Que nojo.
Com o microfone ainda frouxo na mão, ele se vira lentamente, observando o palco atrás de si. E, pra meu horror, os olhos dele se cravam direto em mim.
Um sorriso predador se espalha no rosto dele. Ele vem caminhando até mim, elegante como uma cobra.
— Olá, minha amiguinha suculenta. Vamos contar ao nosso público sobre você, tudo bem? Qual é o seu nome?
— Dayse — respondo, colocando um tom flertador na voz.
Como se eu fosse dar meu nome verdadeiro aqui.
Conheci uma garota no ensino médio chamada Dayse e nunca gostei dela. Acho que acabou virando stripper em uma boate nos arredores de Blackmoor, na verdade.
— Dayse. — Ele saboreia meu nome com a língua como se fosse um vinho raro, e um arrepio percorre minha pele. — Que nome lindo. Me diga, Dayse, qual é a sua comida favorita?
Recuso-me a pensar muito sobre como a maioria dos presentes nessa sala responderia a essa pergunta. Em vez disso, finjo considerar, fazendo charme com um sorriso calculado.
— Bem... eu amo frutas — digo com um leve ronronar. — E vinho tinto.
— Frutas e vinho... Temos uma sobremesa deliciosa aqui, senhores. — Ele se vira para a plateia com um sorriso de piada interna, depois volta a atenção para mim. — Você tem um corpo adorável, se não se importar com o elogio. Como se mantém tão... em forma, Dayse?
— Ginástica. — Ofereço o que espero ser um sorriso enigmático e sensual, respirando fundo o suficiente para realçar meus s***s sob o tecido semitransparente da blusa. — E eu danço. Bastante.
— Uma dançarina e ginasta. — As sobrancelhas dele se erguem levemente, e agora há um brilho genuíno de interesse nos olhos — não só aquele entusiasmo falso pra animar a multidão. Isso é bom, mas ainda assim me dá arrepios. — Uau.. você é duas sobremesas em uma só — ele ronrona. — Conte pra gente uma coisa, querida... por que está aqui? Por que quer se tornar um tributo de sangue?
Mesmo esperando a pergunta e tendo preparado uma mentira convincente, minha mandíbula trava por um segundo, recusando-se a colaborar. Mordo o lábio, arrastando-o lentamente pelos dentes, esperando que isso seja o bastante para disfarçar meu conflito interno.
Então, arqueio levemente as costas, lanço um olhar provocante de cima a baixo no vampiro e deixo minha raiva pulsar sob a pele como se fosse puro desejo.
— Eu sonho em ser consorte de um vampiro há anos — suspiro, com voz ofegante. — Vocês são tão fortes... tão poderosos. Meu maior desejo...
Pausa dramática. Um leve tremer dos lábios. O toque da atriz perfeita.
— ...é ser penetrada por suas presas magníficas e me entregar por completo. A qualquer um de vocês... ou todos vocês. Eu sou forte. Posso aguentar.
Assobios e murmúrios excitados se espalham pela multidão, e meu estômago se revira. Eles estão comprando a encenação — o que era exatamente o objetivo.
Então por que sinto como se estivesse me despedaçando por dentro?
Me sinto suja. Humilhada. As expressões de aprovação de outras garotas no palco só tornam tudo pior. O fato de alguém realmente desejar esse destino me inquieta mais do que quero admitir.
O vampiro de smoking vermelho me lança um último olhar lento e faminto, como se cogitasse me reivindicar ali mesmo. Em seguida, veste de novo o sorriso encantador e teatral, girando para o público.
— Aí está, senhoras e senhores. Dayse. O petisco mais generoso com que vocês terão o prazer de brincar esta noite. — Ele se move suavemente até a mulher à minha direita, estendendo o braço em um gesto amplo. — E agora, uma loira belíssima e curvilínea. Qual o seu nome, querida?
Ela começa a responder, mas as palavras dela desaparecem, afogadas pelo zumbido do sangue nos meus ouvidos.
Eu consegui.
Mantive a farsa. Não desabei. Não deixei escapar nada do que não devia.
Agora, tudo o que posso fazer… é torcer para ser escolhida.