PRÓLOGO
A vida nunca foi fácil para mim. Nunca foi doce, leve ou acolhedora. Eu não lembro de um único momento em que tenha me sentido amada dentro da casa onde cresci. Para os meus pais, eu e minha irmã mais nova éramos apenas um fardo, algo que eles carregavam porque não havia outra saída. Eles nunca deixaram de lembrar o quanto pesávamos nos ombros deles.
Na nossa casa não havia abraços, não havia palavras gentis, não havia sequer paz. Qualquer gesto nosso era motivo de crítica. Se arrumávamos a mesa, estava errado. Se limpávamos o quarto, estava errado. Se tirávamos uma nota alta na escola, ainda assim não era suficiente. E se errássemos, mesmo que em algo pequeno, a consequência era sempre a mesma: gritos, humilhações e, muitas vezes, violência.
Eu cresci ouvindo que não seria ninguém na vida. Que a minha irmã, Lila, também não chegaria a lugar algum. Eles diziam que nós teríamos sorte se um dia conseguíssemos um namorado que nos tolerasse. Essa era a medida de valor que os dois conheciam: a mulher só tinha alguma serventia se fosse desejada por um homem. Tudo o resto era irrelevante.
Com o tempo, eu percebi que acreditar naquelas palavras era como deixar a nossa alma morrer um pouco a cada dia. Eu não queria aceitar o destino que eles nos empurravam. E a minha irmã também não. Nós duas crescemos em meio a insultos e desprezo, mas aprendemos uma lição: se quiséssemos algo de verdade, teríamos que lutar por nós mesmas, porque ninguém faria isso por nós.
Aos quinze anos, eu comecei a planejar a fuga. Lila tinha treze anos na época, e eu sabia que ainda era cedo demais, que ela ainda era nova, mas já estava tão cansada quanto eu. Passávamos noites em claro sussurrando planos no escuro, com medo que nossos pais ouvissem. Juntávamos moedas, economizávamos qualquer centavo que aparecesse, e guardávamos em uma caixa velha que escondíamos embaixo da cama.
Poucos anos depois, quando eu tinha vinte e Lila dezoito, percebemos que não dava mais para esperar. Estávamos sufocando. Pegamos o pouco que tínhamos, enfiamos algumas roupas em mochilas e saímos de casa em silêncio. Não olhamos para trás.
O destino? Nova York. Não sabíamos como seria, mas sabíamos que precisava ser longe do Texas, longe deles, longe daquelas paredes que só nos lembravam dor.
Chegando lá, o choque foi imediato. O dinheiro que havíamos guardado parecia evaporar diante do custo de vida da cidade. Encontramos um quarto minúsculo, com paredes descascadas e uma janela que m*l abria, mas que nos dava a sensação de liberdade. Pela primeira vez, não tínhamos que pedir permissão para existir. E isso já valia tudo.
Arranjamos empregos em um restaurante. Duas garçonetes inexperientes, correndo de um lado para o outro, tentando equilibrar bandejas e sorrisos. Era cansativo, era mäl pago, mas era nosso começo. Eu e Lila nos apoiávamos mutuamente. Quando uma caía de exaustão, a outra levantava. Quando uma chorava, a outra secava as lágrimas.
Com o tempo, as coisas começaram a melhorar. Pagamos as nossas contas, aprendemos a administrar cada dólar e conseguimos, pouco a pouco, guardar algum dinheiro. Não era muito, mas já nos dava segurança. Alguns anos depois, saímos do quarto minúsculo e alugamos um pequeno apartamento. Ainda modesto, mas era o nosso lar. Fui estudando, sempre me atualizando e eu nunca parava.
Eu consegui um emprego como recepcionista em um escritório de advocacia. Era um trabalho mais estável, com salário decente, e me dava a sensação de que finalmente estávamos construindo algo sólido. Lila, por sua vez, conseguiu uma posição como governanta em uma casa de luxo. Era exaustivo, mas bem pago, e ela se orgulhava de poder contribuir de verdade.
Entre uma conta paga e outra, entre jornadas de trabalho longas e madrugadas de estudo, fomos criando a vida que sonhávamos quando fugimos. Tivemos dificuldades, claro. Tivemos noites em que jantamos apenas macarrão instantâneo. Mas também tivemos vitórias. Conquistamos planos de saúde, estabilidade, e até algumas pequenas alegrias: um café aos domingos, um vestido novo comprado em liquidação, um sorriso de alívio ao ver que o aluguel estava garantido.
O mais importante é que nunca mais ouvimos a voz dos nossos pais. Nunca mais sentimos o peso do desprezo deles. Eles não nos procuraram, e nós também não olhamos para trás. Foi um corte limpo, e talvez por isso tenhamos conseguido florescer. Foi bom! Muito bom e necessário.
Por alguns anos, tudo parecia estar no lugar. Éramos apenas duas jovens mulheres reconstruindo a vida, acreditando que o futuro finalmente poderia ser diferente.
Até que Lila apareceu grávida. Foi um choque.
Lembro-me como se fosse ontem. Ela entrou em casa com os olhos marejados, as mãos tremendo e a voz embargada. Ela estava apavorada, perdida, com medo. Tentava explicar, mas só conseguia repetir que não tinha sido planejado, que não sabia o que fazer, que não conseguia imaginar como aquilo tinha acontecido justamente agora, quando as coisas pareciam tão estáveis.
Eu não perguntei quem era o pai. Não naquele momento e ela não quis falar, e eu respeitei. Talvez fosse cedo demais. Talvez doesse demais. Mas, ela estava decidida a não contar e sempre fugia. Todas as vezes!
Mas, naquele instante, entendi uma coisa: a nossa vida, mais uma vez, estava prestes a mudar completamente.
E mäl sabia eu que aquela mudança traria muito mais do que noites sem dormir ou novas responsabilidades. Traria também segredos, verdades escondidas e um encontro que eu jamais poderia prever. Tudo saiu da minha linha de pensamento e revirou sem eu entender como. Nada foi previsto, não dava.
E mäl sabia eu que um encontro mudaria não só o meu futuro, mas o futuro de todos nós.