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846 Words
Fael narrando Hoje era dia de baile no morro — daqueles que mexem com todo mundo. Quem organizava a festa era o Filipe, que sempre cuidava de tudo com uma mão firme. Quando eu ia para esses bailes, não era para ficar me exibindo ou bancar o bonzão. Minha presença ali era simples: encontrar os parças, trocar ideia, mas me envolver demais? Nunca foi comigo. Enquanto caminhava pelo fluxo, avistei um dos vapores segurando uma pasta cheia de anotações das dívidas. Me aproximei devagar, curioso e meio irritado. Não gosto de ver essa bagunça se arrastando. — E aí, o que tá rolando? — perguntei, olhando direto para ele. — Tô cobrando a galera, Fael. Tem muita gente safada devendo e se fazendo de sonsa — respondeu ele, meio desconfortável. — Deixa eu dar uma olhada — falei, pegando a pasta com firmeza. Comecei a folhear aquelas páginas uma a uma, vendo os nomes, os endereços e os valores das dívidas. Senti um misto de raiva e incredulidade tomando conta de mim. — Como é que vocês fazem empréstimo para a mesma gente que já tá toda endividada? — perguntei, com o olhar fixo e cheio de desdém. — Tá me achando banco, que empresta dinheiro pra qualquer um e ainda fica passando a mão na cabeça? Que palhaçada é essa? — Joguei a pasta longe, sem paciência. O vapor ficou mudo, visivelmente tremendo, sem saber o que dizer. — Calma, Fael — tentou intervir o Filipe, entrando na boca junto comigo. — Tá uma grana solta por aí, nas mãos desses dependentes, desses viciados do morro — ele me explicou, me olhando sério. — E isso é só a ponta do iceberg, nem mexemos no caderno das dívidas de droga e dos aluguéis ainda. — Então vamos resolver isso agora — falei firme, sentindo a responsabilidade pesar no peito. — Quero que vocês cobrem todo mundo, sem exceção. Não quero dinheiro meu perdido por aí. Quero cada centavo, com os juros que forem. — Disse com convicção, encarando Filipe. — E pega também o caderno dos aluguéis, não quero que ninguém passe pano pra ninguém. — Pode deixar — ele respondeu, assentindo. Eu sou o dono desse morro, o cara que segura essa quebrada, e mesmo assim tem gente que ainda tenta me passar pra trás. Isso aqui não é herança de sorte, foi sangue, suor e ensinamento do meu pai. Ele me passou a manha de como comandar esse lugar, e eu não vou deixar ninguém pisar na minha autoridade. — Relaxa, Fael. Hoje é dia de baile, bora descer e aproveitar — disse Filipe, tentando me acalmar. Eu até concordei com ele. Não sou muito de ficar desfilando pelo morro à toa, mas de vez em quando, um baile desses era até bom pra espairecer. — E aí, que que tá pegando aqui, seus comédia? — perguntei, chegando com Filipe na entrada do morro. — Vamos jogar truco, Fael? — Yuri chamou, cheio de animação. — Horário de serviço, mano — respondeu Filipe, já botando ordem. Filipe é o subchefe do morro, crescemos juntos nesse lugar. Meu pai criou ele quase como irmão, e eu confio nele mais do que em qualquer um. Sempre foi meu parceiro fiel, e sei que posso contar com ele em qualquer parada. — A Juliana tá ficando gostosa, hein? — Yuri comentou para o Mateus. Virei o olhar para trás e vi uma menina morena subindo as escadarias do morro, de costas. — Vocês são pagos pra cuidar das mina ou pra cobrar a dívida? — brinquei, meio sério. — Quero que vão atrás dos comédia que tão me devendo. — Eles riram, e eu revirei os olhos. — Sou quem manda aqui, não é? — Vai colar no baile, Fael? — Filipe perguntou. — Não, vou ficar de fora dessa — respondi. — E você, se segura, porque segunda-feira vamos cobrar cada um no braço. — Já é — ele concordou, e fizemos um toque de mãos antes dele entrar de volta na boca. Acendi um baseado e comecei a puxar a fumaça devagar. Não demorou até que as cartas de truco aparecessem na mesa e o jogo começasse. De repente, Ariane e Tais se aproximaram. — Posso falar com você, Fael? — Ariane perguntou, com um jeito meio tímido. — Manda — respondi, sem tirar os olhos do jogo. — Quero conversar só com você, a sós — disse ela, com uma voz manhosa. — Tô de boa aqui, jogando truco — falei, olhando para ela. Ela chegou perto do meu ouvido e, com um sorriso misterioso, sussurrou: — Acho que você vai curtir o que eu tenho pra te mostrar. — Então cola lá na boca mais tarde — respondi. — Daqui a uma hora tô lá. — Te espero — ela sorriu. Eu não era de sair por aí exibindo as mina que ficava, mas também não era de ficar na seca. Colar num baile era difícil porque todo mundo queria um pedaço, mas no fim das contas, uma diversão nunca fazia m*l.
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