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1078 Words
Juliana narrando O final de semana passou tão rápido que quase nem percebi. Levei um susto quando o despertador tocou, me tirando do sono pesado. Meu pai não tinha vindo para casa durante o final de semana, e eu estava na esperança de encontrá-lo ali naquela manhã, sentado na cozinha, tomando café. Eu amava meu pai profundamente — ele era meu mundo, tudo o que eu tinha de verdade. A ideia de desistir dele parecia impossível, mesmo quando tudo ao redor mostrava o contrário. — Oi, pai — falei assim que o vi, tentando disfarçar o alívio que me tomou por dentro. — Bom dia — ele respondeu, com a voz seca, e o cheiro forte de cachaça impregnando o ar ao seu redor. Um nó apertou minha garganta. Aquela cena já começava a se repetir demais. — Já tomou café? — perguntei, preocupada, tentando manter a calma. — Ainda não — ele respondeu, olhando fixamente para o nada, como se estivesse perdido. — Quer que eu arrume alguma coisa pra você comer? — insisti, ficando na frente dele. — Não precisa — disse ele, levantando-se sem olhar para mim e saindo da cozinha, atravessando a sala com passos arrastados. Fiquei parada, sentindo o peso do silêncio na casa, até que resolvi abrir a porta da frente — e dei um pulo de susto ao encontrar um vapor parado ali, bem na minha frente. — Tem um aviso pra você aqui — disse Yuri, me entregando um papel amassado. — O que é isso? — perguntei, franzindo a testa. — Aviso de aluguel atrasado. O próximo já tá quase vencendo também, e você precisa resolver isso logo. Se não, quem vai cobrar é o chef. Meu coração apertou. — Mas eu paguei, Yuri. Eu entreguei o dinheiro pro meu pai pagar — falei, lembrando do dia em que dei o dinheiro pra ele. — Não pagou não. Eu sou quem recebe — respondeu ele, com um olhar sério, quase acusador. — Eu dei o dinheiro pro meu pai, não sei o que ele fez com isso — falei, tentando esconder a frustração. — Então quem recebeu foi o dono do bar. Seu prazo tá acabando, é melhor você desenrolar essa grana logo — ele avisou, saindo em seguida. Fiquei ali parada, olhando para o papel nas mãos, o pensamento martelando: ele deve ter gasto com bebida. De novo. Por um instante, pensei em voltar pra dentro e confrontar meu pai, perguntar por que tinha esse aviso, mas o relógio não perdoava. Eu não podia me atrasar no trabalho. Esse mês, eu precisava me organizar para pagar não só um, mas dois aluguéis. Meu salário m*l dava para tudo, e mesmo assim, eu continuava acreditando que meu pai iria se reerguer, que ia controlar essa vida que ele levava, mesmo que a cada dia que passava ele estivesse mais fundo no caminho da autodestruição. Quando entrei na loja, dei bom dia, mas logo notei que a dona Ana estava com uma expressão fechada — e Rafaela também. — Juliana, será que podemos conversar? — Ana perguntou, chamando-me para o escritório. — Claro — respondi, acompanhando-a, com o coração batendo mais rápido. — Fiz algo errado, Ana? Ela suspirou, e sua voz veio pesada. — Minha querida, as vendas estão muito baixas, e vou ter que te demitir. Foi como se o chão sumisse sob meus pés. Fiquei parada, olhando para ela sem saber o que dizer. — Sinto muito — continuou, estendendo o pagamento. — Estamos reduzindo a equipe, só vamos manter os dois mais antigos. Fiquei muda, só consegui balançar a cabeça. — Tudo bem — falei, com a voz fraca. — Obrigada. Quando saí, encontrei Rafaela do lado de fora, e pelo jeito, ela também tinha sido dispensada. — Corte de gastos? — perguntou. — Sim — confirmei, sentindo um aperto no peito. — E agora? — Podemos tentar algo em shopping — sugeriu ela. — Eles não dão chance pra quem mora no morro — falei, olhando para ela com um misto de tristeza e resignação. — Você esqueceu onde a gente mora? Na Rocinha, Rafaela. — Preconceito absurdo — rebateu ela. — Mas é assim — suspirei. — Pelo menos o que eu ganho aqui me ajuda a pagar os dois aluguéis. — Dois aluguéis? Como assim? — ela me olhou surpresa. — Você paga tudo certinho. — No mês passado, dei o dinheiro pro meu pai. Acredita que ele gastou? — forcei um sorriso, tentando parecer leve. — Hoje o Yuri veio me cobrar. — Você deveria usar esse dinheiro pra sair do morro — disse ela, com sinceridade. — Deixar ele afundar sozinho. — Não posso fazer isso, ele é meu pai, Rafaela — respondi, e ela suspirou, sem falar mais nada. Rafaela decidiu tentar a sorte no shopping, e eu voltei para o morro, perdida em pensamentos, tentando encontrar uma solução. Será que tentar algo aqui dentro do morro poderia funcionar? Quando cheguei na entrada, ouvi vozes tensas. Vi alguns caras armados conversando com os vapores. — Ei! — senti alguém me chamar. Me virei e vi que era Yuri. — Oi — respondi, encarando-o. — Essa é a filha do Thiago — ele falou, apontando para mim. — Eles querem resolver a parada com seu pai, mas ninguém consegue achar o velho. — Quem são vocês? — perguntei, desconfiada. — Seu pai tem uma dívida comigo — disse um homem barbudo, alto, com cara fechada. — Quero meu dinheiro. Você vai mandar seu pai descer e me pagar agora. — Não sei se ele está em casa — tentei ganhar tempo, querendo entender — Que dívida é essa? — Sobe lá em cima e manda seu pai descer. Quero meu dinheiro, se não... — ele pegou a arma com firmeza — Já deveria ter resolvido isso, mas não deixam eu subir. — Quando ele deve? — perguntei, tentando me manter firme. — Eu só negócio com seu pai — respondeu ele, me olhando nos olhos. — A gente já disse que ele não está em casa — disse Yuri, ficando ao meu lado. — Sobe, Juliana. Se achar ele, manda ele descer. — Sei onde você trabalha, mocinha. Se não achar seu pai, vou cobrar de você — ele gritou, enquanto eu começava a subir as escadarias com o coração acelerado. Subi aquelas escadas quase correndo, cheguei em casa sem fôlego, mas quando entrei, meu pai não estava em lugar algum.
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