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1038 Words
Juliana narrando A manhã chegou e meu pai ainda não tinha dado sinal de vida. A preocupação corroía por dentro, mas não era mais só medo... era angústia. Será que ele tinha mesmo ido embora de vez? Peguei minha bolsa, contei o dinheiro do aluguel e escondi bem no fundo do meu guarda-roupa. Enrolei num pano velho, enfiei dentro de uma caixa de sapato antiga, e coloquei embaixo de uma pilha de roupas. Não podia correr o risco de perder o único dinheiro que tinha. Aquilo era minha salvação. Saí de casa e fui até a Rafaela, queria conversar, clarear a mente. Mas ela não estava. Virei a esquina e dei de cara com Yuri, Filipe e o Fael trocando ideia na frente da boca. Olhei reto, cabeça erguida, como quem não viu. Mas senti os olhos deles me acompanhando enquanto passava. Cresci aqui no morro. A vida toda evitei esse pedaço — a boca, os chefes, os vapores, tudo. E mesmo assim, naquela manhã, o destino me jogava bem ali. Posso contar nos dedos quantas vezes vi Fael na minha vida. Ele e o pai dele sempre foram uma presença distante, perigosa, e agora estavam a poucos passos de mim. — Juliana — escuto Yuri me chamar. Virei devagar. — Tudo certo? — perguntei, tentando manter o controle, sentindo Fael me observar em silêncio. — O aluguel. Teu prazo termina hoje. — Eu tô com o dinheiro em casa — disse, firme. — Passo lá mais tarde pra receber — ele falou e voltou pra junto dos outros. Continuei meu caminho em silêncio, com o coração apertado. Quando cheguei em casa, levei um susto. A porta estava encostada. A sala, completamente revirada. Chamei por meu pai. — Pai! — gritei, andando pela casa. Nenhuma resposta. Fui até o quarto dele. Gavetas abertas, armário esvaziado. Quase não sobrou uma peça de roupa. Um vazio estranho tomou conta de mim. Ele tinha ido embora. E dessa vez... talvez fosse definitivo. Comecei a arrumar a bagunça devagar, tentando não entrar em pânico. Mas estava tudo virado. Quando terminei, já era noite. Fui até a cozinha procurar algo para comer. Abri o armário. Nada. Nem arroz, nem miojo, nem um pacote de bolacha. Até isso ele tinha levado. Meu estômago embrulhou. Voltei pro meu quarto correndo. Abri o guarda-roupa com o coração acelerado. As minhas roupas estavam jogadas, tudo mexido. Fui direto na caixa onde escondi o dinheiro. Vazia. Comecei a vasculhar tudo, desesperada. Revirei a cama, procurei na bolsa, abri carteira por carteira, cada canto... nada. Nem uma nota. Nem uma moeda. — Não... não, não, não — murmurei, sentando na cama, os olhos marejando. — Meu Deus... — levei as mãos à cabeça. — Meu próprio pai me roubou... Não era só o dinheiro. Era a confiança. A última esperança que eu ainda tinha nele. Fiquei ali, sentada na beira da cama, tentando entender como tudo desmoronou assim. O aluguel. A comida. O emprego. A dívida dele. Tudo sobre minhas costas agora. E pra piorar, Yuri ia bater aqui em breve pra cobrar o aluguel. O que eu ia fazer? O que eu ia dizer? Fael narrando — Fael — a voz de Yuri soou no rádio. — Tô com um problema aqui na entrada. Tentei falar com o Filipe, mas ele sumiu. — Tô descendo — respondi, desligando. Enfiei a pistola na cintura, peguei o rádio e saí da boca com o passo firme. Quando virei a esquina, vi a Juliana subindo as escadas correndo, a cara dela era puro desespero. Lá embaixo, a entrada do morro estava movimentada. Uma cena que me incomodava. — Que p***a é essa aqui? — gritei, chegando. — Que bagunça é essa? — Esses caras aí tão querendo subir pra cobrar uma dívida de um morador — explicou Yuri, tenso. — Que morador? — perguntei, já desconfiando. — Thiago, da rua 7... o pai da Juliana — ele respondeu, me encarando. Fiquei em silêncio por um segundo. O nome do velho não era estranho. — Ele deve pra gente também — Filipe falou, aparecendo finalmente. — Ah, agora tu dá as caras, né? — soltei, olhando feio pra ele. — Mas tô dizendo, Fael. O cara sumiu. Não tá no morro, já rodamos tudo. O cara que cobrava se intrometeu. — Ele tem uma filha. Se ele não pagar, ela que vai pagar o preço. Fitei o sujeito. Alto, barbudo, com cara de quem não pensa duas vezes. — Qual teu nome? — perguntei. — Teco. — Tua dívida é com o pai dela. Vai achar ele fora do meu morro. Aqui, tu não resolve nada. Agora dá o fora. — Isso não vai ficar assim — ele ameaçou. — Vou voltar com meus homens. Vou subir esse morro nem que seja na bala. — Tenta, o****o — respondi, rindo com desdém. — Eu vou estar na laje, fumando e vendo tua derrota. Ele foi embora, ainda rosnando. — Quanto esse verme deve pra gente? — perguntei pro Filipe. — Uns oito mil. — Oito mil e isso nem tava no caderno que me mostraram? Vocês tão de s*******m. Quero essa p***a desse dinheiro hoje. — Mas era dívida de droga, Fael. Caderno diferente — Filipe explicou. — Então ele vazou. Hoje à noite vamos bater na casa desse desgraçado. Quero o dinheiro na minha mão. — Mas só vai estar a filha — Filipe disse. — Ela ainda tá devendo o aluguel — Yuri completou. — Ela disse que deu o dinheiro pro pai quando cobrei. — O aluguel tá vencido, né? — perguntei, seco. — Sim. — Então ela assume a dívida toda. Não quero saber. Tá morando aqui sem pagar? Vai me pagar com juros. Se não tiver o dinheiro, rua. Se insistir... morre. Filipe me olhou, meio desconcertado. — Vai colocar a menina pra fora mesmo? — Ela paga o mês atrasado e vaza. Se não pagar... já sabe. Aqui é assim. Eu não tô atrás de dó, tô atrás de respeito. Quero meu dinheiro, e quero que essa p***a de morro me respeite. Ele apenas assentiu, calado. Ficou fumando o baseado dele, pensativo. — Vai, manda cobrar a filha da p**a agora — falei, virando de costas.
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