Juliana narrando
O desespero tomou conta de mim de um jeito que eu nunca tinha sentido antes. Senti meu coração acelerado, o peito apertado, como se o mundo estivesse desabando só em cima de mim.
Sem pensar duas vezes, comecei a juntar minhas coisas. Não tinha como pagar o aluguel. E eu sabia, com todas as letras, o que acontecia com quem devia por aqui. Já vi gente sumir da noite pro dia, gente baleada na viela, gente que simplesmente... deixou de existir.
Peguei uma mochila velha e joguei dentro dela algumas roupas. Só o essencial. Encontrei uma foto da minha mãe no fundo da gaveta e aí as lágrimas começaram a cair sem controle.
— Seria tudo tão mais fácil se a senhora estivesse aqui — murmurei, com a voz embargada.
Chorei. Chorei como uma criança abandonada no meio do mundo. Minha mãe sempre foi minha força. E agora, sozinha, cercada de ameaças, parecia que tudo que me restava estava se desfazendo diante dos meus olhos.
Fael era como o pai dele — eu sabia disso. Não hesitava. Quem devia, pagava. Se não fosse com dinheiro, era com sangue. Já vi esse filme antes e não queria ser a próxima vítima do roteiro.
Guardei a foto da minha mãe com cuidado, junto com o colar dela, o único objeto que ainda me ligava a ela de verdade. Guardei no fundo da mochila como se fosse meu amuleto. Olhei no relógio. Já passava das 22h. Yuri ainda não tinha aparecido para me cobrar. Talvez ele nem viesse hoje.
Fui até a janela do quarto e olhei pra rua. O morro estava mais calmo do que o normal. Pouca movimentação, só uns poucos andando de um lado pro outro. Era o momento perfeito pra tentar sair. Os vapores mais atentos deviam estar na boca ou chapados em algum canto.
Tomei um banho rápido, como se a água pudesse limpar todo o peso que eu carregava. Mas, mesmo debaixo do chuveiro, o medo continuava ali, grudado na pele.
Eu não sabia pra onde iria. Só sabia que precisava sair dali. Sobreviver.
Enrolada na toalha, fui até o quarto pegar a roupa. E aí...
A porta se escancara.
Levei um susto tão grande que meu corpo travou.
— Não tá ouvindo a gente bater, não, p***a? — Yuri entra, armado, com a arma na mão e mais dois vapores atrás dele. O susto me cortou o ar.
— Eu... eu tava no banho — falei entre soluços, ainda parada, tentando me cobrir mais com a toalha.
Ele me olhou de cima a baixo e deu um sorriso torto, debochado.
— Mais dois caras vieram cobrar teu pai hoje. Tavam prontos pra invadir o morro atrás dele. Fael ficou puto. E com razão. O velho deixou uma dívida grande espalhada aqui dentro.
— Dívida no morro? Eu pensei que era só os aluguéis... e aqueles homens da rua.
Eles riram. Todos.
— Juliana... teu pai é um dos maiores viciados daqui. Deve em cada beco. Em cada canto. Tu acha que ele vivia daquele jeito só na base da cachaça? O buraco é muito mais embaixo. O total da dívida dele é de oito mil reais.
Oito mil. O número ficou girando na minha cabeça como uma sentença de morte.
— Eu... eu não tenho esse dinheiro — minha voz saiu quase num sussurro.
— A ordem é clara. Ou tu paga e desaparece daqui... ou tu vai pagar com a vida. Simples assim.
— Eu não tenho como assumir isso... ele me deixou. Levou até o dinheiro do aluguel. Eu tô sozinha.
Yuri avançou com raiva, os olhos faiscando.
— Tá me tirando? — ele andou pelo quarto, nervoso, até tropeçar na mochila no chão. — Que p***a é essa? Uma mala?
Olhou pro vapor ao lado.
— Abre essa merda aí.
O rapaz se abaixou, abriu a mochila e encontrou as roupas dobradas ali dentro.
— Ela tava fugindo — disse ele, com a voz seca. — Ia meter o pé.
— É isso mesmo, Juliana? — Yuri se virou pra mim. — Tu ia dar linha sem pagar a p***a da dívida?
Fiquei muda. Encostei o corpo na parede, tentando afastar a sensação de que era meu fim. Ele veio até perto, o olhar cravado em mim como faca.
— Vamos ver o que o chef vai dizer disso.
Engoli seco. Eu estava completamente à mercê deles. Sem saída. Sem ninguém.
Só com a lembrança da minha mãe no fundo da mochila... e o gosto amargo da traição do meu próprio pai queimando no peito.