1 - Dúvidas
Ailyn
Vou me casar em duas horas.
Tento inspirar e expirar, exatamente como o guia de meditação em áudio me orienta, mas isso faz pouco para acalmar a ansiedade que borbulha sob minha pele. Frustrada, tiro meus fone de ouvido e os jogo no sofá.
— Fique parada! — minha estilista, prima e dama de honra, Susanne — ou Susy, como todo mundo a chama — resmunga enquanto ajeita o meu vestido branco.
Nós o ajustamos com um dos melhores designers da cidade e, agora, duas semanas depois, ele ainda escorrega pelo meu corpo como se quisesse fugir. Ou talvez seja eu quem queira.
Susy passa a mão pela testa, enxugando o suor acumulado. Sei que ela está preocupada que, por um acidente infeliz, eu acabe mostrando mais do que deveria aos duzentos convidados que me esperam na igreja. Todos aguardam ansiosamente para me ver caminhar pelo longo corredor até meu marido.
Só de pensar nisso, meus joelhos ficam bambos — e não de um jeito fofo.
Ontem, ensaiei a caminhada e cronometrei mentalmente. Três minutos. Esse é o tempo que vou levar para atravessar aquele corredor. Parece pouco, mas com todos os olhos em mim, sentirei cada segundo se arrastar. Quão estranho seria se eu simplesmente corresse até o altar?
Preciso manter a imagem da noiva serena, radiante... mas não me sinto particularmente nada disso. Na verdade, sou apenas um amontoado de nervos.
Desde que acordei, há pouco mais de duas horas, já tomei cinco xícaras de café. Mas não é a cafeína que me mantém nesse estado febril.
Como qualquer garotinha, sempre sonhei com meu casamento. Eu até escolhi o estilista que queria para o vestido (Ralph Lauren, é claro). Mas meu noivo tinha outras ideias.
Assim como minha família, ele pertence a uma das mais antigas linhagens russas. Tecnicamente, nós dois temos sangue real, embora isso nunca tenha significado muito para os meus pais depois que imigraram para Nova York, antes mesmo de eu nascer. Isto é, até o ano passado. Quando meu pai morreu, a questão da sucessão colocou nossa família em um verdadeiro frenesi.
Foi aí que os Petrovs — e Andrei — entraram na equação.
— Deixei uma sacola com seus pertences lá em cima, pronta para você levar — informa Susy. — Vou pedir para alguém carregá-la para você mais tarde.
— Hmmm — murmuro distraída, mexendo no tecido do vestido.
— Você está bem, Ailyn? — ela pergunta, o tom preocupado.
Eu não respondo.
— É só nervosismo pré-casamento. Você vai ficar bem — Susy me assegura, como se pudesse ler minha mente.
Mas nem mesmo eu sei dizer se isso é verdade.
— Não sei, Suzy… — murmuro.
Susy franze a testa.
— Não me diga que você está tendo dúvidas sobre o casamento.
Algo no jeito que ela diz isso me faz encará-la, mas não vejo nada de errado. Só Susy, minha prima, minha confidente.
Antes que eu possa responder, a porta se abre. Meu noivo entra.
Ele está impecável, como sempre. O terno perfeitamente ajustado, o sorriso encantador no rosto. Vejo seu reflexo no espelho antes mesmo de me virar. Ele é bonito, agradável aos olhos. O mais importante: minha família o adora. Ele é o homem perfeito, tudo embrulhado no pacote ideal para selar uma aliança vantajosa entre nossas famílias.
Então por que o medo cresce dentro de mim como um veneno?
Por que meu coração não acelera quando vejo o homem que será meu marido em poucas horas?
— Ailyn — ele murmura, caminhando até mim.
— Ei, Andrei — Susy diz.
Ele olha brevemente para ela, mas seu foco permanece em mim, como se eu fosse o centro do universo.
Não me viro. Apenas mantenho meu olhar preso ao espelho.
— Ver a noiva antes do casamento dá azar — digo, tentando manter minha voz leve.
Ele ri, mas há algo na risada dele que soa vazio. Como se a ideia de superstição fosse infantil demais para ser considerada.
— Eu não acredito nessas bobagens. — Seu olhar desliza por mim, avaliando cada detalhe. — Você está linda.
— Obrigada — murmuro. No último momento, lembro-me de agir como a noiva recatada que minha mãe espera que eu seja, então abaixo o olhar, fingindo timidez.
Mas Andrei não se afasta. Pelo contrário, ele pega minha mão com delicadeza calculada, seus dedos firmes envolvendo os meus enquanto examina o anel de noivado em meu dedo.
— E isso combina bem com você — comenta.
Não é a primeira vez que ele menciona o anel. Na verdade, tenho a sensação de que ele gosta mais da ideia de um casamento do que eu. Ou, talvez, esteja obcecado pelo que ele simboliza.
Susy se afasta, colocando as mãos nos quadris enquanto avalia seu trabalho.
— Você está maravilhosa, Ailyn. Ninguém vai conseguir tirar os olhos de você.
— É para isso que temos o véu — Andrei responde, a voz repentinamente fria.
Seu tom me pega de surpresa. É a primeira vez que o ouço falar assim.
Meu olhar se desloca para ele, que agora encara Susy com uma intensidade estranha. Aproveito sua distração para me afastar levemente, sentindo o desconforto crescer.
Com 1,77, sou quase tão alta quanto ele, mas isso não faz diferença. Andrei carrega uma presença que parece preencher todo o espaço ao seu redor. Ele pertence a uma das famílias Bratva mais poderosas de Nova York, e seu nome carrega peso, medo e respeito.
Nossas histórias se cruzam de maneira curiosa. Assim como meus pais, os dele também imigraram para os Estados Unidos antes de ele nascer. Mas, aos dezoito anos, ele perdeu o pai e assumiu seu lugar como chefe da família.
Foi o primeiro a oferecer suas condolências quando meu pai morreu, na primavera passada, vítima de uma parada cardíaca súbita. Disse que havia se encontrado com ele algumas vezes para discutir um projeto antes que sua morte inesperada pusesse um fim a tudo.
Agora, com meu irmão ocupando o posto de chefe da família Ivanov, ainda há ameaças pairando sobre nós. Não somos estranhos ao perigo. Nossa linhagem tem sua cota de inimigos.
— Saia — Andrei ordena para Susy.
Meu corpo enrijece com a aspereza em sua voz. Até Susy hesita.
— Preciso ficar sozinho com minha noiva por alguns momentos — ele acrescenta, com uma tranquilidade que me arrepia.
Susy me lança um último olhar, um aviso silencioso, antes de obedecer.
A porta se fecha atrás dela.
Andrei se move ao meu redor, lento, como se me estudasse. Como se eu fosse uma peça rara de arte exposta em um museu, esperando para ser analisada.
— Meu pai teria amado você, sabia? — murmura.
Ele se aproxima, seu dedo deslizando pela minha bochecha em um toque que deveria ser terno, mas que faz meu estômago se revirar.
— Sim, vamos manter o véu abaixado — ele diz, baixinho, quase para si mesmo. — Não queremos que tenham mais do que um vislumbre de você. Você é minha, afinal. De agora em diante, você me pertence. Não é, Ailyn?
Qualquer outra garota teria desmaiado ao ouvir essas palavras saindo da boca de Andrei.
Mas eu só sinto vontade de correr.
Espera… O quê?
Meu coração bate forte, e a ideia surge antes que eu possa bloqueá-la. Fugir.
Não. Isso é loucura. Eu não posso estar pensando nisso. Não agora, poucas horas antes do casamento.
Por quê? Por causa de um pressentimento? Da sensação incômoda rastejando sob minha pele? Da possibilidade de haver algo diferente — algo melhor — lá fora?
Melhor do que o calmo, bonito e charmoso Andrei, que vai cuidar da minha família e me dar estabilidade?
Não. Não. Não.
Empurro o pensamento para longe, recusando-me a dar-lhe qualquer crédito.
Mas Andrei me observa com olhos afiados, analisando cada pequena mudança em minha expressão. Ele sabe que algo está errado.
Seu telefone vibra no bolso, distraindo-o momentaneamente.
Ele se afasta para ler a mensagem, e eu solto um suspiro trêmulo. Só agora percebo o quanto estava prendendo a respiração.
Por que me sinto tão sufocada quando ele está perto?
É assim que meu casamento será?
Observo Andrei folhear as mensagens, e por um breve momento, algo escuro atravessa seu rosto. Uma tensão, um resquício de irritação.
Mas, em vez de perguntar, viro-me de volta para o espelho. Fingindo que não percebi. Fingindo que tudo está perfeitamente bem.
Porque, no fundo, sei que nada está.
Meu pai não era um homem perfeito, e nem sempre concordei com suas decisões, mas ele foi um bom pai. Um bom marido.
Mamãe sempre diz que ele aprovaria Andrei se ele ainda estivesse por perto.
Mas era realmente isso que meu pai queria para mim?
Casada para sempre, com apenas vinte e dois anos, recém-saída da faculdade, antes mesmo de realmente viver?
Andrei franze a testa enquanto lê algo no telefone. Há um vinco profundo entre suas sobrancelhas, e ele parece perdido por um instante.
— Preciso atender isso — diz, sem me olhar.
— Está tudo bem? — pergunto, tentando interpretar a expressão em seu rosto.
— Sim — responde, distraído, passando o polegar sobre meu anel de noivado antes de se afastar.
Observo-o sair do quarto e solto um suspiro que nem percebi que estava prendendo. Há algo estranho no jeito dele ultimamente, um peso que não sei identificar.
Dou alguns passos até a janela e olho para baixo. Meu quarto tem vista para o estacionamento.
Lá embaixo, homens andam de um lado para o outro, seus ternos bem cortados escondendo a presença inconfundível de armas amarradas aos quadris. A segurança hoje está dobrada. Talvez até triplicada. Mas, se estamos tão protegidos, por que Andrei parece tão preocupado?
Ele acredita que seremos atacados?
O casamento está repleto de parentes e conhecidos da Bratva, incluindo alguns com quem não concordávamos no passado. Convidá-los foi um gesto de boa vontade — uma tentativa de manter as aparências, de reforçar alianças. Mas também pode ser uma armadilha esperando para se desfazer no menor deslize.
O equilíbrio é frágil. Sempre foi.
E desde que papai morreu, tenho ouvido sussurros sobre uma possível agitação, conversas baixas nos corredores sobre inimigos antigos que podem estar esperando pelo momento certo para atacar.
A porta do quarto se abre novamente, arrancando-me de meus pensamentos.
Dessa vez, é minha mãe e meu irmão mais novo, Dylan.
Ela caminha até mim com os olhos marejados e, antes que eu possa dizer qualquer coisa, segura meu rosto entre as mãos e deposita um beijo em cada uma das minhas bochechas.
— Meu Deus, Ailyn… Você está tão bonita. — Sua voz embarga de emoção.
Sorrio suavemente.
— Obrigada, mamãe.
— Você vai estragar a maquiagem dela — Dylan comenta, cruzando os braços.
Reviro os olhos, mas ele apenas sorri.
Dylan tem vinte anos e, ao contrário do que meu pai esperava, decidiu não ir para a faculdade. Depois de se formar no ensino médio, mergulhou de cabeça nos negócios da família, carregando o peso da liderança muito antes da idade que deveria.
Não é fácil comandar uma das famílias mafiosas mais poderosas de Nova York, ainda mais uma que ascendeu ao topo em tão pouco tempo.
Nosso pai era uma força a ser reconhecida, uma lenda no submundo do crime. Se não fosse pelos irmãos Vassiley, ele teria sido o mais influente da cidade.
Mas essa… é uma história para outro dia.
Olho feio para Dylan, que apenas ri.
— Eu não me importo, Dylan.
Ele ergue as mãos, rindo baixinho.
— Eu estava só brincando, Ailyn. Mas falando sério… Você realmente está muito bonita.
Dou um pequeno sorriso e olho para o espelho atrás dele. Meu cabelo preto está preso em um coque elegante, mas severo, e o véu foi colocado sobre ele.
O corpete, feito sob medida para a perfeição, acentua minhas curvas enquanto oferece uma sensação de elegância atemporal. Redemoinhos de contas de prata e cristal embelezam o corpete, brilhando enquanto capturam a luz. A silhueta ajustada flui graciosamente para uma saia volumosa feita de camadas de tule espumoso e organza de seda.
A cada passo, a saia ondula e balança, criando uma dança cativante ao meu redor. As camadas arejadas parecem leves contra minhas pernas. Pelo menos posso correr se a necessidade surgir , penso ironicamente.
Bonita.
Mas será que pareço feliz?
Porque, por dentro, tudo que sinto é um nó apertado no estômago, e uma sensação inquietante que se recusa a me abandonar.
— Adorei o vestido — digo, tentando manter a compostura.
Dylan dá um passo à frente, seus olhos escuros carregando uma seriedade incomum.
— Você não precisa fazer isso, sabia?
Minha respiração prende por um instante.
— Dylan! — Nossa mãe o repreende, franzindo a testa.
Mas ele não recua.
— Estou falando sério — insiste. — Eu posso lidar com as coisas. Você não precisa se casar com Andrei. Claro, ele não é um monstro absoluto, o que já é mais do que podemos pedir no nosso mundo, mas isso não significa que você deva se prender a ele.
Suas palavras me fazem engasgar.
Mamãe se aproxima, segurando minha mão com firmeza.
— Você não está pensando em mudar de ideia, está?
— Não — respondo com firmeza, fortalecendo minha determinação. — Eu não estou.
Dylan me encara, sua expressão carregada de tristeza.
— Não faça isso por mim — ele diz. — Não quero que você sacrifique sua felicidade por causa da família.
Engulo em seco.
— Não estou fazendo isso só por você, Dylan. Estou fazendo isso pela família inteira. Com Andrei ao meu lado, nossa posição está garantida.
Ele suspira, mas ainda parece hesitante.
Mamãe toca seu ombro e sorri para mim.
— Eu sei que Ailyn é um pouco jovem para se casar — diz, em tom suave. — Mas Andrei é o homem perfeito para ela.
Forço um sorriso.
— Sim, concordo — murmuro. No nosso mundo, encontrar um homem decente é quase um milagre.
Mas por que essa certeza me soa tão vazia?
Dou um passo para trás, puxando um pouco da saia do vestido.
— Só preciso andar um pouco.
Mamãe assente, compreensiva. Ela sabe o quanto eu amo correr. Nos dias em que a escuridão ameaça me engolir, é a única coisa que me mantém sã.
Dylan cruza os braços, analisando-me.
— Tem certeza de que consegue andar com esse vestido?
— Eu vou ficar bem — digo, ajeitando o tecido volumoso.
Eu vou ficar bem, me convenço. Só preciso passar por esse casamento primeiro.
— Estarei no corredor — aviso.
— Vamos descer e dar uma olhada nos convidados — diz Dylan. — Todo mundo já está entrando. E vamos garantir que ninguém suba para incomodar você. Tenha um tempo só para você. — Ele pisca para mim.
Provavelmente pensa que vou fumar — algo que faço quando estou estressada, mas raramente. Um hábito que peguei do meu pai.