Capítulo três

4217 Words
Sarah estava satisfeita e tranqüila. Ganhou dois assobios e uma cantada em apenas duas horas em Lon­dres. Isso, mais um corte de cabelo e muitas roupas novas. Era o tipo de sensação que poderia levar ao ví­cio. Não importava que o tempo estava chuvoso e que o asfalto das ruas irradiava um bafo quente e úmido. Ela cruzou a rua e examinou alguns papéis em sua mão. Era ali. A casa de Liam. Ela não era uma expert, mas a fachada parecia ser georgiana, com um arranjo simétrico das janelas. Era maravilhosa. Pondo a chave na fechadura da porta, ficou surpre­sa ao descobrir que ela estava aberta. Esta realmente seria a casa dela por duas semanas. O santuário sagra­do de um caçador implacável. Espetacular. — Liam? Liam, você está aí? — tentou chamá-lo, ou­vindo apenas o eco da cavernosa saleta. Não houve resposta. Sarah arrastou a mala para den­tro e fechou a porta atrás dela. — Liam? Tudo permanecia em silêncio, exceto pelos sons dos saltos dos sapatos dela no chão de tacos de madeira. Delicadamente abriu a porta à esquerda e vislumbrou cores suaves e móveis antigos. Assobiou de admira­ção. Muito chique. Isso punha as palavras da mãe de Liam em uma perspectiva mais ampla. "Espero que ele cuide de você mais atenciosamen­te, Sarah" disse na tarde anterior, diante de uma xícara de chá e biscoitos. "Ele vive em um velho e estranho lugar próximo de uma estrada movimentada e tem um gosto difícil para decoração. Nada muito bonito." Sarah sorriu gentilmente para ela. A mãe de Liam poderia detestar esta rara elegância, na qual cada mó­vel era destacado para provocar impacto. Nada daque­las telas florais austríacas. Era simplesmente milhões de milhas além do gosto da mãe por babadinhos, almofadas, estofados e um excesso de bibelôs. Fechou a porta atrás dela. Ele lhe tinha dito que Sarah encontraria seu quarto no andar de cima, na primeira porta à esquerda. Pegou a mala, seguiu as instruções e encontrou um bilhete na porta. "Oi. Coloquei algumas toalhas sobre a cama. Sir­va-se do vinho na geladeira." Ela lia sorrindo enquan­to deixava o bilhete sobre a mesinha de cabeceira de madeira creme. Era típico de Liam pensar em uma taça de vinho quando uma sensível mulher poderia estar louca por uma xícara de chá. Seu quarto era luminoso e fresco. Lembrava um pou­co os ambientes vitorianos descritos no livro Razão e sensibilidade, de Jane Austen. Era fantástico. Nada como imaginava. Pensava que teria de morar em um apartamento moderninho de solteirão, mas isto era to­talmente "Liam". A mobília antiga brilhava e cheirava a cera de abelha. Comparada à casa que ela morou na época da universidade, isto era a terra da fantasia. Na verdade tudo sobre aquela situação que estava vivendo parecia saído de um romance. Sarah balançou os cabelos em frente ao espelho, ain­da fascinada pelo jeito que eles enquadravam seu rosto e faziam seus olhos parecerem enormes. Pode ser que o poder de manipulação das tesouras e que seus olhos eram sua característica mais marcante. O cabeleireiro superou todas as expectativas naquele sábado de ma­nhã. Realizou o que tinha prometido e muito mais. O que Liam iria achar do novo visual? Quem sabe ele ficaria paralisado com a transformação. Talvez caís­se aos pés de Sarah jurando morrer de amor por sua beleza. Naturalmente se ele fizesse algo assim seria bem de­sagradável. De qualquer jeito, Liam não tinha jurado morrer de amor. Não era seu estilo. O melhor que teria a oferecer seria um affair tão bom quanto durasse. Envol­ver-se com Liam poderia ser o mesmo que apertar o botão de autodestruição. E ela não era tão i****a. Mas Sarah estava em Londres. Tinha comprado no­vas roupas. A vida andava melhor, pensou, mas antes precisava se concentrar em como funcionava o chuveiro, obra-de-arte do design de Liam. Mais tarde, sentindo-se fantasticamente refrescada, com os cabelos molhados enrolados em uma toalha en­rolada feito um turbante, voltou ao quarto para respon­der ao persistente bip do celular. — Alô. — Sarah? — Sou eu — sentou-se na beirada da cama estranha­mente sem fôlego, como se tivesse sido pega em al­gum lugar onde não deveria estar. Era muito estranho estar na casa de Liam. Tocando nas suas coisas. — Você parece culpada. Como você está? — a voz de Liam parecia agradavelmente excitada. — Está a cami­nho? — Não, estou aqui — ouviu sua voz tremer e mordeu o lábio. — Estava tomando uma banho gelado e estou molhando seu tapete. — Conseguiu fazer funcionar o chuveiro? Sarah se ajeitou mais confortavelmente na cama. — Não sou uma caipira completa. Tive um pânico momentâneo quando um caixa eletrônico comeu meu cartão, mas o cuspiu de volta em seguida. De maneira geral tudo deu certo. — Encontrou tudo o que precisa? — perguntou e ela pôde ouvir um riso em sua voz. — Encontrei. Adorei sua casa. É maravilhosa. — Faça dela a sua casa. Devo estar aí em vinte mi­nutos. Seja paciente. — Vinte minutos? Olhou para seu corpo enrolado na toalha. — Ponha uma chaleira no fogo — disse antes de um suave clique encerrar a ligação.   *** Vinte minutos. Vinte minutos não davam para nada. Impossível até mesmo para voltar a ter a aparência que tinha ao che­gar. A senhora da loja lhe tinha dado umas dicas, mas ela tinha dúvidas se conseguiria passar o delineador tão facilmente quanto ela disse que seria. Com uma pressa enorme, saltou dentro de calças jeans e uma camiseta. Não havia tempo para encontrar o secador de cabelos. Dificilmente faria a transforma­ção de conto de fadas que tinha planejado, mas pode ser que isto acabasse sendo melhor. Era só manter a calma. Descalça, se aventurou no andar de baixo a tempo de esperá-lo na porta da frente. — Teve um bom dia no escritório, querido? Você real­mente não deveria trabalhar aos domingos, você sabe. O rosto de Liam mostrava que estava se divertindo. — Era importante. Inferno, está quente aqui fora — disse, tirando a gravata. — Que horas você chegou? — Por volta das três — respondeu, oferecendo a bo­checha para um beijo. Vestido com uma camisa social, parecia um estranho, mas a loção pós-barba confirma­va que era Liam. — Foi fácil encontrar. Procurei com meu guia turís­tico e a encontrei com facilidade. Ele riu. — Você tem tempo para uma bebida? — Não ainda. — Vamos — disse empurrando-a corredor adentro, pa­rando apenas para arremessar seu paletó num cabideiro. — Preciso de alguma coisa urgente. Minha garganta está colando. A cozinha era um quadrado com o chão de ardósia, bancada de granito e móveis de olmo claro. — Adoro granito — disse. — Muito bonito. Liam deu uma olhada na geladeira. — O que você quer? Suco de laranja? Café? Chá? — perguntou voltando-se para ela que estava com as mãos nos bolsos de trás do jeans e com uma camiseta rosa claro com os b***s dos s***s aparecendo claramente através do tecido. Ele sentiu uma súbita vontade de tocá-los e queria poder sentir sua mão vagar por aquela pele refrescada pela ducha. — Laranja, acho. — Certo — respondeu, voltando-se para a geladeira. Sarah estava atônita. No que ele estaria pensando? Ele encheu um copo com suco. Dentro de roupas largas e sem forma, sempre a achou pouco interessan­te. Os olhos de Liam voltaram a se fixar nos m*****s. Parecia um estudante adolescente que fora pego olhan­do para onde não devia. — Vamos encontrar alguma sombra no jardim? — Pode ser. Encheu um copo de suco pára ele e abriu a porta do jardim. — Até que há alguma sombra afinal. Sarah olhava curiosamente para fora. Era um peque­no jardim urbano, mas obviamente tinha sido planejado para oferecer áreas diferenciadas. Num canto havia uma pérgula coberta por uma barba-de-velho. — Vamos? — perguntou olhando para trás. — Vá na frente. Inevitavelmente os olhos dele seguiram os quadris balançando e a curva firme e arredondada da bundinha de Sarah. O calor devia estar afetando Liam. Sarah era praticamente sua irmãzinha. Sentiu-se como um trai­dor pensando nela pelo caminho — especialmente quan­do ela estava lá para lhe fazer um favor. Sentou-se no banco de madeira e sentiu-se desconfortável. — Você não vai comprar roupas? — Não te falei? Esta camiseta é nova. O orgulho em sua voz só o fazia se sentir pior. — Ela é ótima. Era mais que ótima — era uma sim­ples camiseta e estava mudando todas as suas opiniões a respeito de Sarah. — Devo ter gastado demais, Liam — disse, bebendo o suco. — Estava indo bem, até que vi um casaco azul que eu tinha de ter. Se foi demais pagarei a você após meu primeiro salário, mas não me faça devolvê-lo. Ele riu e esforçou-se para voltar ao normal. — Umas poucas compras não vão me levar à ruína e estou muito grato que você esteja aqui para reclamar. — Ainda não tive a oportunidade. — Ainda não lhe dei — disse Liam, esforçando-se para pensar em algo que ele pudesse verdadeiramente detes­tar. — Você está certa de que seu pai a deixou sem dinheiro? — Ele acredita em "fazer sua própria vida". Deixe isso pra lá, Liam. Vamos conversar sobre outra coisa — bebeu o último gole de suco. — Espero que não lhe dei­xe em má situação. Estou uma pilha de nervos com o que pode acontecer amanhã. — Não fique. — Você sabe, Liam, ao meu primeiro engano, pode me despachar. — Não farei isto. — Não com outras pessoas, talvez, mas comigo fará. Você sempre fez. Uma risada iluminou o rosto dele e Sarah voltou a ser a pessoa que ele conhecia. — Isso é injusto. Se está se referindo a seus esforços para datilografar minha tese de doutorado, você mere­ceu minha ira. Você foi infeliz. Eu poderia ter datilo­grafado aquilo mais rápido com dois dedos — tirou o copo vazio da mão dela e lhe passou o seu. — Deixe de ressentimentos e beba isso. — Mas é seu. — Não tenho nenhuma doença contagiosa. E, além disso, vou trocar por uma cerveja. Ela o seguiu até a cozinha. — Liam? — ele se voltou. — O que aconteceu com Sonya esta semana? Alguma coisa? Despejou a cerveja em um copo alto e esperou a espuma baixar antes de responder. — Outro pacote em seguida daquele de sexta passa­da... — Camisinhas — disse por ele. — Exatamente. A pior parte é que Richard vai dar uma festa por sua aposentadoria na casa dele. Obvia­mente não posso deixar de ir, mas a idéia de encontrar Sonya em seu próprio território me preocupa. Estava esperando que ele escolhesse um local neutro. Sarah pôs o copo na pia e ergueu os braços para pren­der os cabelos com um grampo, apertando os s***s con­tra a camiseta. Os olhos de Liam instintivamente se­guiram as curvas de cada um deles. A idéia de sua nu­dez debaixo daquela roupa estava se tornando um pro­blema sério para ele. — Ela terá de trabalhar duro para fazer qualquer coisa com o marido presente. Por que você não leva Tillie? Ela seria capaz de trazer você de volta inteiro. — É. — Você não parece muito seguro. — Levarei Callie à festa — disse com mais convic­ção. Callie queria casar. Queria compromisso e crian­ças e ele não queria este tipo de complicação na vida dele. — Você pode contar comigo no escritório e Tillie será sua p******o na vida social. Creio que você estará suficientemente protegido. — Pode ser. — Você está esperando alguém? — perguntou ao ou­vir a campainha soar. — Não que me lembre — deixou a cerveja na mesa e foi atender a porta. — Liam, o que mais estava dentro do último pacote de Sonya? — Calcinhas roxas fio dental. Sarah arregalou os olhos. — Para você? Ela ouviu o barulho da fechadura. — Querido? — A inesquecível Tillie. De uma só vez, toda a alegria e otimismo de Sarah evaporou-se. Certamente ela tinha a chave da casa. Li­vre para ir e vir quando quisesse. Sarah podia sentir o corpo se tencionar a partir do momento que ela che­gou. Em um único instante, enquanto Liam recebia sua bem-vinda visita. Alguém que tinha convidado unica­mente pelo prazer de sua companhia. Sarah não deveria esquecer do motivo pelo qual estava ali. Era a única maneira de sobreviver tendo a companhia de Liam. Teve de honestamente admitir que Tillie estava incrível. Estava com um sexy vestido justinho azul ma­rinho com uma f***a no meio da coxa. Diante dela, Sarah se sentia monocromática, desaparecendo no am­biente. Não poderia se comparar àquela mulher alta, magra e sofisticada, com uma estrutura óssea perfeita e pernas de uma garota de 16 anos e que pareciam se esticar até o céu. Tillie parou e fez um gracioso voltejo revelando um pedaço de sua barriga sem a me­nor celulite, presumivelmente elevando a pressão de Liam até a estratosfera. — Oi. Sarah, não é? —  Sarah concordou. Os olhos azuis da loura fizeram uma vistoria com­pleta e obviamente não encontraram nada de preocu­pante, como seu enorme sorriso demonstrava. Irritada, Sarah levantou o queixo. O que quer que tenha pensa­do, Tillie não demonstrou a menor preocupação com Liam. Ela o conhecia muito, muito bem. Aproximou-se dele e lhe deu um beijo na boca que deixou bem claro quem era a proprietária daquele lati­fúndio. Aquilo fez Sarah chacoalhar por dentro. — Olá, querido. Desculpe-me tê-lo feito vir até a por­ta. Esqueci a chave em casa. Liam deu um passo para trás. — Você quer alguma coisa gelada para beber? Sarah e eu estávamos conversando no jardim. — Adoraria ter você por alguns minutos, mas preci­so ficar pronta para esta noite. É por isso que estou aqui. Pra ver se você não tinha esquecido — os lábios se curvaram num sorriso, mas não havia calor no olhar. Tudo era absolutamente sem suavidade, cuidadosamen­te calculado, friamente avaliado se Sarah seria ou não uma rival. — Temos um jantar de caridade esta noite. Liam tem uma memória muito seletiva para as coisas que ele não quer fazer. Sarah sorriu. — Isso explica o que ele tem em comum com meu irmão. — Naturalmente. Esquecendo seu aniversário. Im­perdoável. — Tillie voltou-se para Liam com um copo de suco de laranja nas mãos. — Vamos ao jardim? Ela foi na frente. — Adoro este jardim de Liam. Fico pensando se po­demos acrescentar uma trepadeira para o arco rosa. O perfume seria maravilhoso. Sarah entendeu a mensagem. Em alto e bom som. Liam estava fora dos limites. Ela supôs que era uma espécie de honra para Tillie pensar que poderia ser uma tentação para ele. Não que tivesse pensado nessa possibilidade antes. Naturalmente era muito simples que a namorada de Liam se sentisse vulnerável naque­le momento. Isso era mais que isso. — O que você acha? — Tillie perguntou, virando-se subitamente para ela. — Bem... — disse, olhando para o arco rosa. — Acho que Liam saberia melhor. Tillie soltou um riso musical. — Confie em mim. Sou designer — pousou a mão sobre o joelho de Liam. — Você havia se lembrado de hoje à noite? O rosto de Liam se fechou. Se Tillie percebeu a apatia dele, isso explicava sua oposição a Sarah. — Disse para você estar pronto às oito. Devo imagi­nar que, com a chegada de Sarah, o compromisso tenha escapulido de sua mente? — Não. Na verdade Sarah tinha compaixão por Tillie. Como iria se sentir tendo estado tão perto dele e depois ver tudo acabado? Ele sempre fazia isso de maneira abrupta e sem olhar para trás. Tillie voltou-se para ela. — É uma vergonha que você fique aqui em sua pri­meira noite em Londres, mas estes ingressos valem mais do que ouro em **. Todo mundo estará lá. Chrissie Langerford e Flinty Rommer aceitaram usar minhas jóias. Com a participação de Flinty, tenho de garantir a presença dos jornais — Tillie cruzou as pernas e a f***a se abriu mostrando um pedaço enorme de coxa. — Eles são modelos — explicou. — Sei. Os dedos de Tillie massajaram a coxa musculosa de Liam. — Acredito que você não poderia deixar de lado seus planos para hoje. Liam acha que é injusto ficar sozi­nha em sua primeira noite em Londres. — Vou me virar. — Foi o que eu disse. Sabia que você era boa em encontrar amigos em qualquer lugar. Finalmente Sarah sentiu sua raiva crescer. Compai­xão era demais. Não havia razão para Tillie usar a falta de interesse de Liam nela. Sarah manteve a voz tensa. — Na verdade, vou ficar por aqui. Estou um pouco nervosa por causa de amanhã. — Tinha esquecido. É seu primeiro trabalho. — Tillie a olhou com uma caridosa compreensão. — Te­nho certeza de que vai encontrar um trabalho perma­nente. É uma boa oportunidade para ganhar verdadeira experiência. — Não acredito que Liam me dê esta oportunidade — replicou secamente, e foi rebatida por uma gargalha­da de seu novo chefe. — Ela está me fazendo um favor, Callie. Contra seu melhor julgamento, não a force demais. — Liam sorriu para ela e o m*l estar desapareceu. Seu sorriso real­mente fazia mágicas. — Muito obrigada. O sorriso dele aumentou. Tillie observou a cena, ao se virar para Sarah a olhou firmemente. — Estou certa de que me lembro de você. Foi antes do último fim de semana, estou certa? — A gente se conheceu no Natal. — Na casa de minha mãe — Liam confirmou. Tillie passou a piscar com certa agitação. — Lembrei. Claro. Você derrubou uma bandeja de pedaços de torta — disse, dissimulada. — A história da minha vida. — Tão embaraçoso para você. Não estava com um namorado? Graeme alguma coisa? — Gregory. — É isso, Gregory. Achei que ele era um lindo garoto. Quando a gente o põe em seu devido lugar, pensou Sarah. Gregory Hinchman nunca fora um bom rapaz. — Ainda estão se vendo? — Não — forçou um sorriso. — Já faz um tempo. — Que peninha. Estou certa de que você vai encon­trar outra pessoa. — Possivelmente. — Sarah assimilou o golpe. Esta era uma conversa que ela não estava preparada para ter com aquele bicho-p*u louro. E certamente não na frente de Liam. Aliás, o bate-papo não tinha nada a ver com o trabalho de Tillie, que estava fazendo aquelas per­guntas apenas para feri-la. — Olhem, vou deixar vocês porque tenho de arrumar as coisas. Ainda não tive tem­po de sequer desfazer a mala. Liam permaneceu ao lado dela. — Não há nada a fazer. Callie precisa ir para casa e se aprontar. Estarei lá para te pegar às oito horas con­forme o combinado. "Aquilo foi para me defender", Sarah pensou. Tillie continuou a sorrir. — Maravilhoso. — A paulada não lhe causou muitos danos aparentes. — Estou tão feliz por ver que você encontrou seu lugar, Sarah. Certamente nos conhece­mos antes de Henley, mas não sabia quando — disse antes de se pavonear a caminho da porta, ao lado de Liam. — Não se esqueça, querido. Às oito em ponto. Sarah ouviu Liam dizer alguma coisa com sua voz grave, mas não conseguiu distinguir o quê. Ela perce­beu um traço de desaprovação nos usuais olhos felizes de Liam, mas provavelmente aquilo era uma fantasia infantil de sua parte. Ele não deve ter percebido nada. Tradicionalmente os homens não percebem os sinais trocados entre as mulheres. Ela fez uma cara de ironia. As mulheres também não conseguiam perceber direito o que se passava na cabeça dos homens. Se Sarah interpretara os sinais cor­retamente, Tillie a queria fora do caminho. Óbvio, se sentia vulnerável, mas Sarah duvidava que soubesse como a situação era arriscada para ela. Ou talvez sou­besse. E por isso ela estava sendo tão c***l. Liam era um homem difícil para se envolver. Sarah sempre soube disso. Sabia o que aquele sinal de abor­recimento nos olhos azuis poderia dizer e já tinha visto antes sua crueldade. Lembrou-se de Emma Lawson sen­tada do lado de fora de sua casa há dez anos, soluçando convulsivamente como se o mundo tivesse acabado. Desde aquele momento, Sarah sabia o quanto Liam po­deria ser perigoso. Não que isto afetasse seu trabalho. Ela abriu as por­tas e foi para a cozinha, ao mesmo tempo em que ele vinha da saleta. — Você não precisa cuidar disso — disse Liam, apon­tando os copos. — Pegá-los? Não é muito esforço. — Ela os colocou sobre a pia. — Ponho logo no lava-louças? Ela podia sentir os olhos dele observando. — Pode deixar. Sarah... quero me desculpar por esta noite. — Não tem problema. — Se pudesse cair fora disso, cairia. Ela se voltou para ele, com os dedos apoiados na pia de granito. — Por que faria isso? Você terá mais do que o suficien­te de minha companhia pelas próximas duas semanas. Não se preocupe. Mas ele se preocupava. Havia alguma coisa sobre deixar Sarah sozinha na primeira noite dela em Londres que realmente o aborrecia. Os dedos se fecharam em torno do pé da taça de vinho e ele escorreu o líquido vermelho sangue para a pia, vendo a água clara escu­recer. Ele sabia o que estava acontecendo. Tinha reconhe­cido os sinais de apatia e aborrecimento, mas teria de resistir. A festa da aposentadoria de Richard seria dali a uma semana e ele precisava de Tillie como uma p******o. Mais tarde poderia manter a relação como fizera no mês anterior ou encerrá-la claramente. Sen­tou-se. Sarah dormia, enrascada feito uma gata no fundo de uma poltrona. Parecia tão inocente. Os cabelos ainda estavam presos com aqueles ridículos grampos de plás­tico e o rosto completamente livre de maquiagem. Na verdade, ela era adorável, jovem, pura e saudável. — Sarah — disse Liam suavemente, tocando o braço dela. — Acorde. É tarde. Está na hora de você ir para a cama. Ela se mexeu um pouco. A única coisa que perce­beu foi um suave toque de cílios nas bochechas páli­das. — Sarah... Ela resmungou alguma coisa e se virou. Olhos cas­tanhos e sonolentos fitaram o rosto dele. — Liam — disse com um sorriso suave iluminando a face. — Você voltou. E então quis beijá-la. O que estava acontecendo com ele? Conhecia Sarah há anos e nunca teve a menor vontade de fazer uma coisa daquelas. Ele a agarrou quando ela caiu de um cavalo e quebrou o pulso aos 14 anos, sem demonstrar a mais ligeira das emoções que o agitavam naquele momento. Mesmo quando a abraçara no enterro da mãe, ante a fragilidade dela, não tinha sentido qualquer atra­ção. Afinal era Sarah. Era como ir para o quarto com uma estranha. Nun­ca antes ele tinha percebido aquelas frágeis veias azuis nos pulsos e aquelas linhas douradas nos olhos casta­nhos. Podia sentir a súbita e inexplicável agitação do desejo. Sentou-se distante dela, sentindo vergonha de si mesmo. Jogou o paletó sobre o sofá. Deixar Tillie em frente ao apartamento dela foi sem precedentes. Ele sempre entrava, ficava até de madrugada e então diri­gia de volta para casa. Ainda podia ver sua expressão de espanto tão logo ela entendeu que ele não tinha in­tenção de entrar. — É Sarah, não é? — perguntou. — Não seja bobo. Ela não iria esperá-lo voltar. Já é uma garota crescida. — Mas ele gentilmente afastou as mãos dela de seus om­bros e inventou algumas desculpas furadas sobre o quanto estava cansado. — Ligue-me — disse antes de deixá-lo ir. Ele tinha feito aquilo mas não sabia se real­mente queria. Não era sábio nesta hora da vida ficar entre duas namoradas. Voltou a olhar Sarah, tentando se sentar, ainda pesa­da com o sono. — Desculpe ter acordado você, mas não podia dei­xá-la aí o resto da noite, como estava. Pode acabar fi­cando de pescoço duro. Ela se enrolou num robe branco, velho e sem graça. Também era muito curto para os braços e apertado no peito. Não fazia o mesmo efeito de um chuveiro gela­do, mas era melhor que nada. Ele pensou no tempo que ela deveria ter aquele robe. Talvez fosse outro sintoma da falta de dinheiro. Teve de se concentrar para prestar atenção no que ela estava dizendo. — Estou tão cansada. Que horas são? — Onze. — Onze? Só isso? Não esperava que você voltasse tão cedo. Liam se esticou para a mesinha ao lado do sofá e se serviu de uma grande dose do uísque que estava numa bela garrafa. — Você quer alguma coisa? — perguntou por cima dos ombros. — Não, obrigada. Ele sentiu-se melhor balançando o copo de uísque entre as mãos. Comprimiu a curvatura do copo com os dedos e deixou o líquido queimar a garganta antes de se sentar de novo no sofá. — Noite r**m? — perguntou Sarah, escondendo os pés debaixo das pernas e reajustando seu velho robe. Enquanto ela fazia isso, ele rapidamente deu uma boa olhada em seu corpo. Queria saber se ela estava despida debaixo daquilo. E o que aconteceria se ele fosse até lá e abrisse a faixa na cintura e a visse nua? Ele realmente queria fazer aquilo. Liam tomou outro gole de uísque. Ele estava per­dendo a cabeça. — Acho que foi uma noite r**m — ele drenou até a última gota e colocou o copo vazio sobre a mesa. De repente duas semanas lhe pareceram um longo tempo.        
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD