Capítulo 01
Débora narrando
— pra onde nós vamos, mamãe ? — Gael me pergunta quando coloco ele e o Heitor na cadeirinha do carro
— vamos passar uns dias na casa da vovó — eu falo com o maior sorriso que eu conseguia dar naquele momento
— e o papai, mamãe ? — o Heitor, meu mais velho, me questiona
— o papai tá viajando, lembra ?— eu falo alisando seu rosto — ele tá trabalhando, e nós vamos aproveitar que vocês estão de férias e vamos ficar uns dias na casa da vovó — eu falo tentando demonstrar empolgação — a vovó fez aquele bolo de laranja com cobertura de limão que vocês amam — eu falo pra distrair eles que comemoram fazendo toque de mão e eu fecho a porta e encaro pela última vez a casa que eu sonhei, que eu idealizei e nunca mais voltaria.
Eu sonhei com a minha família, eu sonhei com essa casa, eu jurava viver um sonho, mas meu marido destruiu tudo. E agora da mesma forma que ele entrou, ele vai ficar. Sem nada.
Eu dirigia rumo ao Jacarezinho, atravessando o Rio de Janeiro com as lágrimas presas nos olhos saindo do condomínio onde eu jurei que ia envelhecer e ver meus filhos crescerem. As lágrimas estavam presas nos olhos enquanto eles cantavam um funk que todo carioca parece que já nasce sabendo, no banco de trás.
Eu engolia cada sentimento meu, enquanto acelerava o carro rumo ao meu refúgio. Cada mágoa, cada ódio, cada tristeza, cada entrega que eu tive por um traidor, filho da p**a, que destruiu o que tinha de mais verdadeiro no mundo. A nossa família.
Eu não nasci pra aceitar chifre, pra aceitar ser passada pra trás, e eu não ia deixar meus filhos, os maiores sentido da minha vida, crescerem num lar de brigas, num lar de traições, mentiras, e enganações. Eu não derramei uma lágrima na frente deles quando descobri tudo o que eu descobri, eles não sabem de nada do que eu tô passando ou sentindo, porque eu não quero que eles vejam a mãe deles sofrendo, m*l, dilacerada, pois, apesar de tudo, é assim que eu me encontro no momento. Sangrando com um sorriso no rosto.
Mas eu não ia sair por baixo, e eu aguardo o retorno do meu legítimo esposo, da sua viagem de luxo com a sua amante e a surpresa que ele terá, eu aguardo ansiosamente pois eu sei que a queda será maior que ele imagina.
Eu queria estar presente pra quando ele chegasse no condomínio e não tivesse mais casa, não tivesse mais acesso, nem mesmo as roupas dele, até porque, todas foram EU quem comprei, TODOS os sapatos, blazers, carros, TUDO saiu da minha conta, a CASA eu comprei antes do nosso casamento, ou seja, a casa também era MINHA. E agora ele tá sem nada. Com a mala que ele levou é uma porcentagem nas nossas empresas.
Eu tenho uma rede de carros que herdei do meu pai, foi por isso que eu fui morar na pista. Minha mãe já era separada, não quis ir comigo, mas eu, como única filha do meu pai, precisei ir pra ficar mais próxima das lojas, aprender sobre tudo, e tocar o negócio do meu pai. Foi assim que eu conheci o alecrim dourado, inclusive. Ele já era sócio do meu pai, mas a maior parte da empresa sempre foi do meu pai, ele continuou com a mesma parte que já tinha, e apesar de eu ser formada em psicopedagogia, eu não atuava na minha formação, por ser muito focada nas nossas lojas que demandavam a maior parte do meu tempo, assim como a minha família.
Quando eu descobri tudo eu liguei pra minha mãe na hora e ela já arrumou o quarto das crianças e o meu. Eu amo a favela, eu amava vir pra cá domingo com as crianças. O alecrim dourado odiava, mas eu nem ligava, deixava as crianças no campo, viviam a vontade, mas já tem uns dois anos que eu não vinha pra cá, pois meu ex marido, fez questão de que todos os nossos domingos fossem juntos, então ele fazia questão que a minha mãe viesse pra nossa casa, ele manipulava tudo para que fosse na nossa casa, e pra mim tudo bem, eu só queria estar perto da minha mãe, com a minha família completa, afinal, eu sempre valorizei muito a minha família.
Gael tem 6 anos, Heitor tem 8. Eu fui mãe MUITO nova, assim que vim pra empresa do meu pai, no primeiro mês ficando com o meu agora, ex marido, eu engravidei, eu tinha 20 anos, foi um susto, muita coisa mudou na minha vida, mas eu sempre fui muito madura, muito firme, e soube lidar com todas as situações. Agora, eu já vou fazer 30 anos, falta uma semana, e descobri o maior chifre da história, mas pensa num chifre assim, imenso, que eu precisaria andar me arrastando, então.
Mas isso não me fez, inclusive já falei com o advogado pra entrar com o divórcio e também com a proposta para comprar a parte do dito-cujo em todas as lojas. Apaixonada, mãe de família, mulher do lar, sim! Burra nunca!!!!
Minha reserva, minha parte da loja, sempre foi tudo MEU e dos meus filhos. Não por egoísmo, mas eu sempre fui muito precavida em tudo da minha vida.
— e aí tia ? Quem é tu ? — um vapor novato me breca na barreira na entrada da favela
— DEB — ouço o grito da Mariana, uma amiga antiga aqui dos tempos de infância — o orelha, libera ela, ela é cria da favela, tu nem era nascido, bora, ela é filha da de Lourdes — a Mariana fala com o moleque que me libera na hora e eu encosto o carro indo abraçar ela que sai correndo da moto vindo na minha direção
— quando tempo mona, que saudade de tu — ela me abraça e sabe aquele abraço que te desmonta, então
As lágrimas quase explodiram dos meus olhos e ela me apertou mais nos seus braços, e não me largou
— o que houve, amiga ? — ela me pergunta quando eu me afasto respirando fundo
Eu e ela não tínhamos contato mais, mas sabe aquela amiga de infância que você vivia grudada, e quando você reve, a i********e e a mesma, o amor transcende, então…
— aí amiga, tanta coisa, agora não dá pra falar — eu falo e mostro as crianças no carro que já estavam fofocando com os menor da barreira — vai lá em casa de noite, eu voltei pra ficar — eu falo e ela arregala os olhos
— que ? — ela pergunta e olha pra minha mão com a aliança ainda…
— não existe mais, só ainda não tirei, mas não existe mais nada…— eu falo e minha voz ameaça embargar
Ouço um barulho de várias motos chegando do nada e viro pra olhar vendo o caveira, o pescoço, e a tropa deles em cima da moto
— ué guto virou dono da favela ?— eu pergunto e a Mariana já sai na direção dele gritando
— seu i****a, o moleque tá todo sujo, eu vou te arrebentar — ela pega o menino do colo dele e ele me olha na hora me encarnado de cima abaixo
— iiiiiih a debinha na favela, mentira, quanto tempo — o pescoço desce da moto e vem me abraçar
— e aí Débora — o guto (caveira) se aproxima com o fuzil atravessado nas costas, duas armas na cintura, e vejo de ouro no pescoço sem camisa, como sempre
— meu filho, amiga — a Mariana me mostra um menino loirinho
— meu Deus, não sabia que você tinha tido filho, nem que casou — eu falo e ela faz sinal da cruz
— deus me livre, tenho nada com esse macho não, ele só é pai do meu filho — ela fala e eu fico sem graça porque ele não parava de me encarar até olhar a aliança no meu dedo e acelerar a moto na hora
— veio até com os moleque ? Eles tão grandão em — o pescoço vai no meu carro e faz o toque com meus meninos
— e aí Débora, quanto tempo, tá de visita ? — o guto (caveira) pergunta todo cheio de marra
— vim pra ficar, preciso de autorização ? — eu pergunto na ignorância, mas nem foi por m*l, eu já tô com uma casca enorme em mim
— claro que não po, tá louca, tu é cria — ele fala firme — valeu aí, bem vinda de volta, teu marido vem também ? Avisa ele pra chegar no sapato e não ter o carro cheio de tiro em — ele fala porque uma vez o dito-cujo quase foi morto aqui entrando de qualquer jeito
— não tem marido, apenas eu e as crianças voltando pro meu lugar de origem.— eu falo firme e vejo o pescoço me olhar doído pra saber da fofoca e o guto dar um sorriso de canto
— jae, vou ganhar — ele fala e olha pra Mariana — aí o menor vai ficar comigo amanhã, pego ele de manhã na tua casa — ele fala e sai acelerando ignorando ela perguntando por que ele ia pegar o filho no dia seguinte
— aí que ódio do teu pai, chato — ela fala com o pequeno no colo
— papai, amo papai — o menino fala com os olhos brilhando
— parece que não é só eu que tenho novidades, ne ? — eu falo com ela que dá risada
— não tenho nada com o caveira, somos amigos hoje em dia, mas tivemos um rolo que resultou no Matteo, que é o amor das nossas vidas, eu só tenho que vigiar porque o caveira é apaixonado no filho, se eu não fico em cima ele não me devolve a criança, mas eu e ele não temos nadinha — ela fala e eu fico meio assim, não sei a rela da história, e também não tenho nada com isso
— de noite vai lá em casa, to precisando conversar — eu falo brincando com o menino no colo dela
— pode deixar, mais tarde eu colo lá, agora vou deixar essa criança de molho, porque o paizão só me devolve a criança assim, podre — ela brinca e sobe com o menino na moto e eu vou pro meu carro
Tanta saudade do morro, tantas lembranças, tantas histórias, tanta coisa que já vivi aqui, cada viela que eu passava eu tinha uma lembrança, das noites nas ruas com a Mari e os meninos, dos bailes, das brincadeira de pique, mesmo já na adolescência, tanta coisa que eu vivi aqui…
Como é bom estar de volta, mesmo nas condições que foram, estar de volta no meu lugar de origem e o que faz eu me sentir viva, mesmo com tantos buracos no peito
Passei por uma viela e vi o guto, ou melhor, pra mim era guto, mas agora eu sei que o tal caveira é ele. Ele estava com o pescoço e mais uma penca de bandidos reunido e cheio de p**a perto deles. Ele me olhou quando eu passei com o carro e parecia que o olhar dele queimava em mim, nós já zoamos tanto juntos. Eu, ele, Mari, pescoço, e muito menor que hoje em dia nem está mais entre nós.
— vovó — as crianças gritam quando chegam no portão da minha mãe e ela estava do lado de fora fofocando com as amigas
Eles mesmo abrem o cinto e pulam de dentro do carro correndo para os braços da minha mãe
— ai meus pedacinhos do céu — ela fala abraçando eles e me olha quando eu saio do carro — ali vão brincar com os amigos — minha mãe aponta pra uns meninos brincando na rua de bola, e eles me olham automaticamente
— podem ir — eu falo segurando o choro e minha mãe me abraça e ali não existia mais a Débora mãe, só a Débora que precisava do colo da mãe, e eu desabei em lágrimas no mesmo momento