Debora narrando
Chorei muito com a minha mãe, coloquei tudo o que me machucava pra fora sem dizer uma palavra sequer, eu não conseguia. Racionalmente falando eu fiz tudo o que precisava ser feito. Deixei ele fudido, na merda, sem um puto no bolso. Mas em contrapartida ele me deixou arrasada, foi um conto de fadas, um casamento de 9 anos jogado fora, foi uma vida juntos, planos, sonhos e metas completamente destruídos. E isso me corta o coração, me deixa arrasada também pelas crianças, eu não sei como vai ser agora, porque eu vou ter que ter contato com esse traste pro resto da vida. Temos dois filhos juntos, que não podem pagar pelo erro desse merda. Mas por enquanto, até ele voltar da lua de mel dele com a amante dele, que era gerente de uma das nossas lojas, eu quero e preciso me reerguer emocionalmente, pra enfrentar ele quando ele descobrir o baque que ele vai tomar, porque essa nossa guerra está só no início, isso eu tenho certeza. E eu tô pronta pro confronto com ele, independente do que vier, eu sustento no peito e na raça
— entra, vai respirar, chorar, gritar, beber, faz o que quiser, eu fico aqui com as crianças, você precisa de um tempo, e agora você está de volta no seu lar — minha mãe fala me dando um beijo na testa e eu entro em casa
E de fato, eu precisava mais do que eu pensava. Eu chorei muito no meu antigo quarto, eu sentei no chão e coloquei tudo o que eu não pude chorar desde que eu descobri pra fora. Eu socava o chão, eu gritei contra o travesseiro, eu dei soco no colchão, até eu conseguir respirar de novo, até eu me sentir um pouco mais aliviada. Eu parei na frente do espelho e eu sei que não faltou nada em mim, eu sei que da minha parte não teve falha. Eu sempre fui mãe, mulher, esposa, amante, e o que aconteceu é consequência do caráter de merda dele, das inseguranças que ele tinha como homem porque ele era sim a minha paixão, mas como homem, deixava muito a desejar entre quatro paredes, e sinceramente, eu espero que seja pela amante, porque se ele for com ela o que ele era comigo, quando ela descobrir que ele tá sem nada, ela vai ter uma grande surpresa, aliás, ambos terão, e eu vou assistir de cima de um salto 15 a queda deles, bem frente a frente, sem ter o que temer.
Eu tomei um banho e várias lembranças vieram, do dia do nascimento to das crianças, do dia do nosso casamento, quando ele me pediu em namoro a noite na praia, nós dois viajando e eu grávida já. Lembranças fora de ordem, só lembrando os últimos 9 anos da minha vida, que o homem que eu jurei amar até que a morte que nos separasse mas esse filho da p**a foi enterrado vivo dentro de mim, e eu vou terminar de jogar a terra e ainda acendo uma vela pra alma desse desgracado
Sai do banho e coloquei um short molinho, um top, prendi meu cabelo num coque e fui lá pra fora ver as crianças e a minha mãe
— eles estão podres já, olha a felicidade desses dois, minha filha — minha mãe fala quando eu paro do seu lado e me sento na calçada e ela me abraça — você tem colo, tem casa, e tem família, eu vou tá sempre com você, meu amor — ela fala e olha pra minha mão vendo a aliança
— eu tô tão acostumada com essa merda no meu dedo, são tanto anos mãe, tantas histórias, olha pra eles…— eu falo frustrada passando a mão na aliança
— mas agora é hora de criar novas memórias, novas histórias, você é linda, rica e nova, não tem que achar que sua vida acabou, porque sua vida não acabou, você tem dois meninos lindos pra criar, duas vidas que dependem de você, e uma mãe que te criou uma mulher forte, seu pai também, ele te criou com garra — ela fala firme segurando o meu rosto e olhando nos meus olhos
Meus pais eram separados a muitos anos, mas tinham uma boa relação na medida do possível, as coisas só pioravam quando ele ficava querendo minha mãe de volta, e eles brigavam, ele punia ela diminuindo a minha pensão, era um barraco só os dois, mas no fim, até dele ela cuidou porque a mulher dele largou ele quando descobriu que ele já tinha passado tudo pro meu nome, e deixou três casas pra minha mãe, ela surtou, mas como ele fez doação em vida, ela não teve como contestar, foi um inferno, mas eles não deram certo como casal, e mesmo assim eu pai honrou a minha mãe até o fim, e é isso o que eu queria pra minha vida, mas…
Olho pra aliança no meu dedo, o solitário, lembro de eu entrando na direção dele, nossa cerimônia, ele chorando, e tudo se foi, junto com a aliança que eu tirei do meu dedo
— Matteo divagar — ouço o grito da Mariana e vejo o molequinho dela correndo na direção dos meus filhos que brincavam com outros meninos ali da rua — gente esse garoto é igual o pai dele, tem pulga na roupa, não para quieto — ela fala e se joga do meu lado na calçada — hoje tem pagode e nós vamos, para de chorar, que agora você tá em casa — ela fala e eu sorrio olhando pra aliança ainda na minha mão e vou pra jogar no bueiro — tá doida mana, derrete e faz uma pulseira fininha — ela fala e eu nego
— essa vai pro ralo pro lugar que merece — eu falo e jogo um balde de água que tinha ali do lado
— vou lá dentro fazer uma vitamina pra essas crianças e já volto — minha mãe fala se levantando e eu fico ali com a Mari
— foi chifre amiga ? — ela pergunta e eu concordo — mas o c***a tem que ser muito burro pra trair uma gostosa igual tu — ela fala e eu dou risada
— e ele foi tão burro que ele passou o meu cartão de crédito num hotel no nordeste, da nossa conta conjunta, a notificação chegou pra mim e aí incorporou o capeta né, porque eu fui atrás de tudo, e vi coisas que eu nunca quis ver…— eu falo pra ela lembrando de tudo que eu vi nas imagens
Até os dois transando no escritório eu vi, olhei todas as faturas de cartão de crédito dele, olhei o mapa do celular dele e vi a frequência que ele ia pro motel com ela, pesquisei vários endereços, e tinha dos motéis mais baratos a motéis mega luxuosos, viagem de trabalho eu descobri que ela sempre ia encontrar com ele nas viagens, eu me rasguei de ódio ao ver quanto tempo eu era corna e não sabia, mas, como dizem, o corno é sempre o último a saber.
Fiquei um tempão conversando com a Mariana ali no portão, o pequeno dela caiu, nos corremos pra ver, mas antes de chegarmos nele, os meus já pegaram ele que é o mais novo e voltaram a correr juntos
— crianças venham lanchar — a minha mãe chama eles que quase atropelam nós duas no portão correndo
— era disso que eu sentia falta, desse ar da favela, eu queria as crianças soltas aqui, livre, e outra realidade, Mari…— eu falo com ela reflexiva e olho no meu celular a foto de família — que ele se arrependa muito, mas muito mesmo, e ele pode se humilhar, amiga, eu nunca mais volto pras mãos dele— eu falo convicta
— então bora tirar essa cara de morta, comer e ir viver a favela um pouco, porque não é só pelas crianças não, você também precisa se encontrar de novo e comemorar o retorno da Débora — ela fala e eu abraço ela de lado
— e tu e o guto em ?— eu pergunto e ela revira os olhos
— aquele lá tá fudido na minha mão, ele tá s já do que vai pegar o Matteo amanhã, mas já tinha quase dois dias que eu não via o meu filho — ela vem entrando na minha casa comigo e vemos as crianças atacando o bolo e minha mãe se esbaldando no meio dos três meninos que faltavam pouco acabar com o bolo antes mesmo da gente conseguir chegar na mesa
— me conta, qual o rolê de vocês, eu quero esquecer um pouco toda a loucura da minha vida…— eu falo querendo na verdade, me inteirar mais de tudo o que aconteceu por aqui, e sobre ela e o guto…
O guto era muito amigo meu, nunca rolou nada, mas confesso que ele se tornou um homem gostoso da p***a viu, p**a que pariu, nunca vi mais gato que aquele homem, de verdade…
Forte, imponente, cheio de ouro, mãos grandes, ombro mais largo que minha coxa… não teve como não olhar para aquele monumento na minha frente, depois de anos sem nem ter notícias dele…