Espetáculo
Giana saiu de casa. Ela odiava aquela ilha — um pedaço de paraíso cercado por paredes invisíveis, de onde só se podia escapar por navio ou helicóptero. Cresceu ali cercada de luxos e gritos; não sabia quem era sua mãe, não sabia o que ser significava: porque para o pai, ela era um objeto.. Cómodo a protegia sim, mas de um jeito que a aprisionava e não havia amor, só ordens dele e obdiência dela.
Na sombra das janelas e dos jardins privados, Giana aprendera a guardar o corpo e a voz. Naquele dia, usava um vestido branco simples; devia ter ficado no quarto, como costumava fazer. Mas a curiosidade lhe puxou os passos. Quis ver, apenas ver, o que acontecia na arena que dominava a ilha, arena que ela sempre escutava os gritos, os aplausos.
Ela desceu as escadas, tremendo. O vento trazia cheiro de mar e o barulho da arena, mas também das festas..
A ilha vivia disso: festas, apostas, sorrisos ensaiados. Giana sentiu no peito uma pontada de repulsa. Não queria nada daquilo. Ainda assim, seguiu até uma pequena varanda que dava para parte da arena; de lá, o espetáculo parecia maior, mais cru.el.
No centro da arena, moveu-se uma figura que congelou o ar para Giana. Era Decimus, sabia quem era, porque era o maior Gladiador do pai..
Ele lutava.
Decimus não era apenas um homem em combate; parecia uma fera treinada para obedecer à violência. Cada movimento dele era forte, rápido, sem hesitação. Parecia pronto para ma.tar — uma máquina de força e técnica. Não usava nada além de um machado: a pele brilhava sob o suor, vestia somente uma bermuda.. Contra ele, três homens se lançaram com raiva e força; um a um, caíram.
O público prendeu a respiração e depois soltou um rugido. Os magnatas aplaudiram como se assistissem a um espetáculo de artistas, não a um confronto real. Cómodo estava ali, em um lugar de honra, com o rosto fechado e a mão sempre à frente, para que todos vissem: aquilo era poder.
Ela ficou observando, meio escondida, e sentiu algo diferente ao ver Decimus de perto. Não era compaixão, não era admiração fácil. Era uma mistura amarga de medo, mesmo ali sob as ordens do pai, ele parecia imponente, parecia fazer o que queria..
Decimus terminou a luta com a calma de quem nasceu para aquilo: limpou o canto da boca com a mão, ergueu o queixo e caminhou para o espaço reservado aos campeões.
Giana não desviou os olhos. Quando ele passou perto da sua varanda, por um segundo — apenas um segundo — Decimus olhou para cima. Os olhos dele cruzaram com os dela. Não houve palavra, apenas o encontro de dois olhares que não se reconheceram e, ainda assim, pareciam conhecidos..
Ela voltou para casa devagar, com o vestido branco grudando-se ao corpo pelo medo. As escadas pareciam mais longas naquele retorno.
Giana tentou empurrar para longe a imagem de Decimus: o suor, a força, o movimento preciso. Mas a imagem não saía, a imagem ficou presa na mente dela, como um imã.
Por que?
Naquela noite, enquanto a ilha brilhava com seus jantares e apostas, Giana deitou-se e ficou contando o som distante dos risos. Já Decimus deitou em um quarto enorme, destinado a ele pelo bom desempenho. cercado de luxo que ele não havia escolhido, com a promessa de uma liberdade que ele não desejava, não precisava dela.. mas a imagem de uma moça de branco ficou em sua mente.
Giana não sabia ainda que, dentro de poucas vitórias, o destino dela poderia ser decidido como se escolhesse um troféu. Nem Decimus, naquela hora, poderia prever que um encontro de olhares mudaria a ordem das coisas que, até ali, pareciam imutáveis. Mas a ilha continuou em sua rotina: o mar bateu nas pedras, as luzes se acenderam, e um sentimento — pequeno, perigoso — começava a se mover entre as sombras do espetáculo.
Em breve