MAYA NARRANDO
— Bom dia, senhorita! — Eu ouvi assim que entrei em uma barraca onde uma psicóloga voluntária atende. — Como é seu nome?
— Maya. — Sorri de forma fraca.
— Certo, senta aqui. — Ela bateu em um colchão limpo, com algumas almofadas, onde ela estava sentada também. — Quer me contar por que está aqui?
Eu me sentei ao lado dela. Cruzei meus braços e olhei para baixo.
— Bom... Minhas amigas disseram que é bom falar com você.
— Oh, muito obrigada. É por isso que estou aqui fazendo esse trabalho voluntário. Meu nome é Bruna, Aliás.
— Nome bonito. — Sorri.
— Bom, mas o que eu quero dizer... É o que te trouxe a esse acampamento de adolescentes fugitivos? Quer me contar?
— Pode ser.
— Quando estiver pronta, comece. — Concordei com a cabeça e respirei fundo.
— Eu não lembro muita coisa da minha infância. Sei que dos cinco aos sete anos eu vivi com meus pais, mas depois disso, eles me mandaram para um internato, os via apenas no natal e no meu aniversário. Minha mãe sempre dizia que era jovem demais para ter uma filha, então ela achou que seria mais fácil se livrar de mim me colocando em um internato.
— Nossa. — Ela ergueu as sobrancelhas.
— Então... Eu gostava do meu internato, mas quando minha melhor amiga foi embora, eu fiquei bem deslocada. Sempre fui quieta... Aprendi a não confiar nas pessoas, sabe? Me falam que eu sou arisca. Não consigo me abrir.
— Eu entendo. — Ela anotou alguma coisa em uma prancheta.
— Quando eu fiz quinze anos, recebi uma carta do meu pai dizendo que me trocaria de internato, e me mandou o panfleto do internato novo. Ele também disse que eu me casaria com um homem por causa de um contrato que ele fez antes de eu nascer. Eu não sei quem é e não me interesso, mas quando vi isso, e o folheto do novo internato... Eu decidi que jamais voltaria para casa.
— Eu sinto muito, Maya. — Eu dei os ombros. — Está aqui desde então?
— Na verdade, não. Eu vivi um tempo com um casal, era babá dos filhos deles, mas eles se mudaram. Eram um casal religioso, muito bonzinhos... Inclusive foi a primeira vez que me senti em família. Mas eles tiveram que mudar de país, e eu fiquei para trás mais uma vez. — Sorri de nervoso, depois olhei para cima. — Minha vida é uma piada. Eu fui rejeitada por todos, até por aqueles que deveriam me amar. Eu vou fazer dezoito anos em um mês e alguns dias e... Não poderei ficar aqui também. Eu não tenho para onde ir. E isso tá me quebrando. — Segurei o choro. Não consigo chorar na frente das pessoas e nem quero. Não quero demonstrar fraqueza.
— Maya, eu sei que você está passando por um período difícil desde muito cedo. Mas vamos conversar sobre uma coisa, que talvez te faça ver as coisas de um jeito diferente. De outra perspectiva, certo?
— Tudo bem. — Respondi.
— Nós não somos o que acontece com a gente, mas somos o que fazemos daquilo que acontece com a gente. Já ouviu essa frase? — Eu concordei.
— Já sim.
— Então, você não é suas rejeições. Você não é toda essa tristeza nem a dor que você carrega. Você é a Maya, uma pessoa especial que pode dar a volta por cima, e deixar tudo isso para trás. Começar uma vida nova agora que fará dezoito anos. Já pensou? Você, com um trabalho, um quarto, podendo dormir em uma cama mais confortável...
— Seria incrível.
— Então, não desista da vida que você quer. — Eu abri um sorrisinho.
— Obrigada, Doutora.
Continuamos conversando por um tempo, e foi muito bom. Senti um grande peso saindo de mim.
Mais tarde, eu estava abraçada em minhas próprias pernas, ao redor da fogueira que fizemos a noite. Lavei minha blusa de moletom, então não tenho outra para vestir.
— Gente! — Um dos nossos colegas chamou nossa atenção. — Precisamos dar as boas vindas ao nosso novo colega. — Ele apresentou um garoto alto, de cabelos muito escuros, e olhos azuis brilhantes.
— Oi, pessoal. — Disse, constrangido. — Meu nome é Alex.
Algumas pessoas o cumprimentaram, e depois disso, ele se sentou ao meu lado. Eu sorri de leve e estiquei a mão.
— Meu nome é Maya. Seja bem-vindo ao lar dos rejeitados.
— É... Pelo visto é o que somos. — Ele me cumprimentou apertando minha mão e olhou para baixo. Eu também, e acabei vendo um braço completamente tatuado.
— Você não é menor de idade? Como conseguiu essas coisas? — Ele riu.
— Por que acha que sou um "rejeitado"? Eu não sou muito normal.
— Ninguém daqui é.
— Tinha um amigo tatuador na minha antiga vida. — Balancei a cabeça. Olhei melhor para ele e vi que sua orelha estava manchada de preto.
— Pintou o cabelo? — Ele concordou.
— Sou um fugitivo.
— Da prisão? — Perguntei e ele riu.
— Não, dos meus pais. História complicada, mas não quero conversar sobre ela. — Concordei e abracei minhas próprias pernas mais uma vez. — Quer uma blusa emprestada? Eu tenho uma extra aqui.
— Não precisa. — Foi a mesma coisa que dizer que precisava. Ele tirou um moletom extra da bolsa e me entregou. Coloquei no rosto e o cheirei. — Tem cheiro de sabão em pó e amaciante. — Eu sorri. — Cheiro de casa.
Eu vesti o moletom e ele sorriu.
— Ficou melhor em você do que em mim, te garanto. — Ele virou para frente e respirou fundo. — Eu tô fodido aqui fora.
— Por quê?
— Cara, eu não sei o que vou fazer da minha vida. Faço dezoito anos em menos de dois meses. Fiquei sabendo que não podemos ficar aqui, não é?
— É. Olha, alguns de nós vão para a Inglaterra. Lá tem muito emprego em lanchonetes, livrarias, museus...
— Museus? — Ele sorriu.
— Gosta de arte?
— Muito, eu respiro arte. — Ele pegou a mochila e tirou um pequeno caderno dali. Me entregou e eu o abri. — São meus desenhos.
Alex faz desenhos realistas, mas em uma atmosfera psicodélica. Por exemplo, havia um garoto deitado na cama, e sua cama flutuava no universo, ao lado de alguns planetas. Ele mistura estilos e por isso, tem o próprio.
— Cara, você faz coisas muito bonitas. — Sorri.
— É, eu queria ser artista.
— E por que não quer mais?
— Porque agora eu tô numa situação f**a. — Ele deu os ombros ao falar.
— "Não somos o que acontece, mas o que fazemos daquilo que acontece." — Parafraseei a Bruna.
— É, tem razão.
— Com o tempo sua vida vai se reestruturar.
— Eu espero que sim. Obrigado pela recepção, Maya. Acho que eu estava precisando falar com alguém.
— De nada.