04

1489 Words
ALEX NARRANDO Eu terei que deixar os cigarros. Enquanto eu recebia uma mesada gorda, eram um luxo possível de pagar. Agora eu quase não tenho dinheiro para me sustentar, não posso fazer isso ou vou passar fome. Maya é uma garota legal. Ela me ajudou a limpar a orelha que ficou suja da tinta preta que passei no cabelo. Dei graças a Deus pelo garoto que me achou na rodoviária, se não fosse ele, eu não teria onde ficar. Ao menos estou com pessoas da minha idade e isso é bom. Nós chegamos na Inglaterra tem alguns dias, viemos de barco, e estamos em um terreno enorme que serve de pasto. Estou dormindo na barraca de um dos caras. Eles treinam malabares e eu desenho. Vez ou outra vamos para o centro da cidade vender meus desenhos e eles fazem malabarismo no farol. Somos em onze, três garotas e oito garotos. Todos nós temos problemas, alguns mais, outros menos. A maioria não fala os sobrenomes como eu, o melhor é nos conhecermos apenas pelo primeiro nome, é mais seguro assim. Depois de vender alguns dos meus desenhos, consegui comprar pão para todo mundo. Foi bem legal, apesar da situação difícil que vivemos, a gente se diverte bastante. As coisas começaram a ficar difíceis na segunda semana. Fiquei sem inspiração para desenhar e os meninos não estavam conseguindo tirar dinheiro algum. E eu fiz uma grande merda egoísta: Quando vendi alguns desenhos comprei uma cartela de cigarros. Cheguei no acampamento e disse que não havia conseguido nada. Me afastei talvez uns 500 metros e acendi, sentindo aquilo entrar em meus pulmões e um alívio imediato da tensão aconteceu. Eu estava precisando disso, p***a, como estava. Soltei a fumaça para cima, e então, ouvi passos vindo em minha direção. Quando olhei para trás, vi Maya vindo em minha direção parecendo um pinscher bravo, ou um anão possuído. Ela é magrinha, não tem um e sessenta de altura, tem cabelo longo e castanho até a metade das costas, olhos azuis e no momento, parece ter ódio de mim. Maya parou na minha frente com a mão na cintura. — Por que caralhos você tá com essa cara? — Ela arrancou o cigarro da minha mão, tacou no chão e pisou em cima. — Porque você é um i****a egoísta. Dei minha última barrinha de cereal para a Lila, que está com fome. Ao invés de comprar alguma coisa pra todo mundo comer, você pegou cigarro pra enfiar fumaça no seu c.u e morrer de câncer. — Ela girou os olhos. — Calma! — Eu levantei as mãos como se estivesse me rendendo. — Calma? Você disse que não vendeu nenhum desenho! — Ela me deu um empurrão, como se fosse capaz de fazer com que eu me movesse. Uma garota desse tamanho me enfrentando, era só o que me faltava. — Ô capitão caverna, dá pra você respirar fundo e me ouvir? — Segurei Maya pelas laterais do braço e olhei nos olhos dela. — Que baixinha invocada, p**a que pariu. Maya me deu um sermão de talvez uns quinze minutos. Mas eu só voltei a ouví-la quase no final. — Eu tô p**a porque tinha uma garota de doze anos com fome e você poderia ter resolvido se não tivesse comprado cigarros. Seu irresponsável. — Girei os olhos. — Eu vou resolver isso, já que você tá desesperada. Fui até a barraca que divido com meu colega, pegar minha mochila. Em um bolso secreto eu escondi cerca de 500 dólares para emergências, que foi o que minha mãe me deu. Eu sei que se eu pedisse mais, ela me mandaria. Maya me olhava curiosa... Mas quando chegamos ao acampamento, ele estava praticamente vazio. Todas as nossas coisas haviam sumido, as minhas, as da Maya, as barracas... Tudo. Maya olhava para os lados, indignada. — O que p***a aconteceu aqui? — Perguntei. — Eles roubaram nossas coisas e foram embora. p***a! Eu não tô acreditando nisso! — Ela gritou, procurando por todos os lados. Eu avistei alguém de longe e comecei a correr gritando. — Ei! Seus filhos da p**a! — Eu gritava, mas não foi suficiente. Eles começaram a correr também e estavam muito, muito na frente. Coloquei as duas mãos na minha própria cabeça. Vi minha mochila jogada, e corri até ela. O meu dinheiro não estava lá, mas ao menos eles tiveram a decência de deixar meus documentos e os de Maya. Voltei e ela estava surtando. Acho que se fosse para fazer uma analogia, Maya estaria no meu dia de fúria de quando descobri que teria que casar com uma estranha. A diferença é que ela não tinha o que quebrar. — Que ódio! — Ela gritava. Eles deixaram algumas roupas pelo caminho, que provavelmente caíram, uma manta e muita sujeira. — Maya, a gente precisa ajeitar a nossa vida. — Como? Pedindo pra Deus nos ajudar? Eu orei minha vida inteira mas parece que Deus me odeia! — Gritou. — Cara, eu realmente vou te apelidar de capitão caverna. — Ela arregalou os olhos. — Eu nem sei quem é esse negócio! — Falou, brava. — É um personagem baixinho que tem cabelo da cabeça até o pé e sai gritando bravo. Basicamente, é você. — Ela cruzou os braços. — Vai se f***r, Alex. Gente, por que eles fizeram isso? Por quê? — Ela começou a chorar. — Deve ter alguma coisa errada comigo. Sei lá, as pessoas simplesmente me odeiam. Eu dei minha última barrinha pra Lila e ela foi embora com eles. Como ela teve coragem? — As pessoas são filhas da p**a. Sempre espere o pior de todos. — Ela passou as duas mãos no próprio rosto. — E agora, o que vamos fazer, Alex? Ficamos juntos ou cada um segue seu caminho? Já que eu sou o capitão caverna e você me odeia, acho que vai ser a segunda opção. — Eu dei risada da cara dela. — Você é chata e brava, mas eu gosto de você. É melhor do que seguir sozinho. — Ela me olhou com os olhos mais brilhantes do que o normal. Nunca vi Maya chorar. Só a vi feliz ou muito brava. Achei que só tivesse essas emoções, inclusive. — Obrigada. Eu não consigo entender... — Eles acharam 500 dólares na minha bolsa. — Afirmei. Ela arregalou os olhos. — O quê? Aonde você arrumou isso? — Era uma reserva. Uma pessoa me deu mil dólares quando fugi de casa, e eu estava usando muito, muito devagar. — Não acredito nisso. Não acredito que você tinha 500 dólares e não acredito que eles foram embora por causa de 500 dólares. Vão fazer o que? Viver um dia na cidade? — Talvez. Talvez eles comprem pizza, gastem tudo em um cinema... Não era isso que eu pretendia com esse dinheiro. Por isso não contei pra ninguém. — Eles deixaram seus desenhos? — Neguei. — Nenhum deles. Provavelmente vão vender. Nem meu estojo... Nem meu caderno. Nada. Mas bom, dentro da mochila estão nossos documentos, olha só. — Eu abri e entreguei os dela para ela. — Foi o que restou, fora esse monte de lixo e coisas velhas. — Cara, eu tô chocada. — Eu também. — Eu não faria isso com ninguém. — Ela mexeu no próprio cabelo. — Eu tô realmente triste. — Não fica, Maya. Talvez isso tenha vindo para o nosso bem. Olha... — Apoiei as duas mãos nas laterais dos braços dela, e olhei em seus olhos. — Eu vou dar um jeito. Tava pensando... E se a gente procurasse um emprego formal? Aqui pode trabalhar desde os dezesseis. — Quem vai aceitar dois adolescentes sujos como a gente? — Eu vou dar um jeito nisso também. — Como? — Questionou. — Vou arrumar uma grana com uma pessoa, vamos comprar uma roupa e tomar um banho... E aí, nós vamos conseguir um emprego. Mas você precisa jurar que não vai fugir como eles, se não, eu não vou te ajudar. — Vamos fazer um pacto então. Porque eu estou com medo de você não me ajudar também. — Respondeu. — Qual seria? — Perguntei. — Olha... — Ela tirou um colar de cruz do pescoço e me entregou. — Minha freira favorita me deu no natal antes de eu fugir. Coloca no seu pescoço. — Eu obedeci. — Certo... — Suspirei. — Eu tenho isso. — Retirei um anel do dedo e entreguei pra ela. — Não é especial, é só um anel. Mas deve valer uns trezentos dólares. — Ela colocou o anel no dedão, testou para ver se caía e caiu, obviamente. Olhei ao meu redor e vi um cadarço de tênis, peguei e pendurei o anel nele. — Procuramos algo melhor quando arrumarmos um emprego. Coloca essa merda no pescoço. — Tá. Fizemos um pacto. Se você quebrar, eu te procuro e te castro. — Maya afirmou. Misericórdia.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD