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CAPÍTULO UM
Dante Orsini estava, no auge de sua vida.
Era rico, poderoso e tão bonito quanto um homem poderia desejar ser. Trabalhava duro, divertia-se muito, e, nas raras noites em que ia para a cama sozinho, dormia profundamente até de manhã.
Mas não esta noite.
Esta noite, ele estava sonhando.
Em seu sonho, andava vagarosamente ao longo de uma rua estreita, que levava a uma casa. m*l podia visualizá-la, por causa da neblina pesada pairando sobre tudo, mas a casa estava lá.
Seus passos diminuíram.
Aquele era o último lugar do mundo em que queria estar. Uma casa num bairro residencial. Um jardim. Uma caminhonete na garagem. Um cachorro, um gato. Crianças.
E uma esposa. Uma mulher, a mesma mulher, para sempre...
Dante sentou-se na cama, em busca de ar. Um tremor abalou seu grande corpo musculoso. Ele dormia nu, mantinha as janelas abertas mesmo agora, no começo do outono. Ainda assim, sua pele estava úmida de suor.
Um sonho. Isso era tudo. Um pesadelo.
As ostras da noite anterior, talvez. Ou aquele uísque minutos antes de ir para a cama. Ou... Dante tremeu novamente. Ou apenas mais uma antiga lembrança do que acontecera quando ele tinha 18 anos e era t**o e apaixonado.
Ou ao menos havia pensado que fosse.
Dante namorara Teresa D'Angelo por três meses antes de até mesmo tocá-la.
Quando finalmente a tocara, um toque levara a outro, e a outro...
Na véspera de Natal ele a presenteara com um medalhão de ouro.
Ela lhe dera uma notícia que quase o fizera desmaiar.
— Estou grávida, Dante — Teresa tinha sussurrado em tom choroso.
Ele ficara atônito. Era um jovem, certo, mas sabia o bastante para usar preservativos. Porém, amava-a. E Teresa havia chorado em seus braços e dito que ele lhe arruinara a vida, que precisava se casar com ela.
Dante teria se casado. Teria feito a coisa certa.
Mas o destino, a sorte, ou como quisesse chamar aquilo, não permitiu. Seus irmãos notaram o quanto ele se fechara em si mesmo. Eles o fizeram sentar, deram-lhe cerveja, de modo que Dante relaxasse um pouco, e então Nicolo lhe perguntou o que estava acontecendo.
Dante lhe contou sobre sua namorada.
E os três, Nicolo, Raffaele e Falco, entreolharam-se, antes de se voltarem para Dante a fim de perguntar se ele enlouquecera. E, se tinha usado proteção, como a garota poderia estar grávida?
Ela devia estar mentindo.
Dante avançou em Falco, o primeiro a falar aquilo. Quando Rafe e Nick repetiram a mesma coisa, ele os enfrentou também. Falco bloqueou-lhe os movimentos, prendendo-lhe os braços.
— Eu a amo, droga! — exclamou Dante. — Vocês ouviram? Eu a amo e Teresa me ama.
— E ama seu dinheiro — disse Nicolo, e, pela primeira vez em dias, Dante riu.
— Que dinheiro?
Falco o liberou. E Rafe apontou que a garota não sabia que ele não era rico. Mesmo naquela época, os quatro irmãos Orsini costumavam torcer os narizes para o dinheiro do pai, o poder e tudo que acompanhava a riqueza.
— Pergunte por aí — disse Falco, o mais velhos dos irmãos. — Descubra com quantos outros rapazes ela dormiu.
Dante avançou contra ele novamente. Nick e Rafe o seguraram.
— Use a cabeça — exclamou Nick —, não o que está entre suas pernas!
Rafe assentiu em concordância.
— E exija um teste de paternidade.
— Teresa não mentiria para mim — protestou Dante. — Ela me ama.
— Diga que você quer o maldito teste — intimou Rafe.
— Ou nós mesmos diremos a ela.
Ele sabia que Rafe falava sério. Então, com pedidos de desculpas, Dante sugeriu o teste.
As lágrimas de Teresa deram lugar à fúria. Ela o xingara de muitos nomes feios, e Dante nunca mais ouvira falar dela. Sim, Teresa lhe partira o coração, mas também lhe ensinara uma lição que ainda voltava para assombrá-lo quando ele menos esperava.
Como aquele sonho ridículo.
Dante respirou profundamente, recostou-se contra os travesseiros e cruzou os braços atrás da cabeça.
Casamento? Uma esposa? Filhos? De jeito nenhum. Depois de anos tentando decidir o que fazer com sua vida, às vezes chegando perto de perdê-la em lugares que nenhum homem sadio deveria estar, ele finalmente pusera as coisas em ordem. Agora possuía tudo que um homem podia querer: aquela cobertura, com o sol matinal se infiltrando pela clarabóia acima de sua cabeça. Uma Ferrari vermelha. Um avião particular.
E mulheres.
Um sorriso malicioso iluminou seu rosto bonito.
Mais mulheres, às vezes, do que um homem podia lidar, e todas lindas, sensuais, mas não tolas para esperar qualquer coisa além de um relacionamento... e, Deus, ele detestava essa palavra... um relacionamento de alguns meses de duração.
Estava sozinho no momento. Uma pausa para respirar, Falco tinha comentado. Verdade. E apreciando cada minuto. Como a loira no evento beneficente na semana anterior. Ele tinha ido a uma festa supostamente tediosa. Salvar a Cidade, salvar o Mundo, salvar os Esquilos, quem sabia? A companhia Investimentos Irmãos Orsini havia comprado quatro ingressos, mas somente um dos irmãos aparecera.
Como Rafe colocara, aquela era a vez de Dante cumprir a tarefa.
Então ele tinha ido. E depois de cumprimentar algumas pessoas e pegar uma taça de vinho, sentiu alguém a observá-lo.
Era a loira, e ela era espetacular. Pernas longas, cabelos brilhantes. Um sorriso lento e sexy o suficiente para deixá-lo zonzo.
Dante atravessara o salão e se apresentara. Após alguns minutos de conversa e a moça chegara ao ponto que interessava.
— Está tão barulhento aqui — resmungou ela, e Dante sugeriu levá-la para um lugar tranquilo, a fim de poderem conversar.
Mas o que aconteceu no táxi que o porteiro chamou não tinha nada a ver com conversa. No momento em que chegaram ao apartamento de Carin ou Carla... ele não se lembrava mais... estavam tão excitados que m*l conseguiram atravessar a porta...
Dante se levantou da cama e seguiu para o banheiro. Tinha o número do celular dela, mas não o usaria hoje. Esta noite, tinha um encontro com uma ruiva engraçadinha que conhecera na semana anterior. Quanto ao sonho...
Ridículo.
Tudo aquilo havia acontecido quase 15 anos atrás. Sabia agora que não amara a mulher que mentira, alegando estar grávida de seu filho, embora fosse grato a ela por ter lhe ensinado uma lição de vida importante.
Quando você levava uma mulher para a cama, era sua calça que deixava no chão, não seu cérebro.
Dante inclinou a cabeça para trás, fechou seus olhos azuis, deixou a água remover o xampu de seus cabelos negros.
Nenhuma mulher, por mais linda que fosse, merecia um envolvimento mais profundo do que aquele entre os lençóis.
Sem aviso, uma lembrança surgiu em sua cabeça. Uma mulher. Olhos cor de café. Cabelos com incríveis mechas douradas. Uma boca suave e rosada, com gosto de mel...
Irritado, Dante fechou o chuveiro e pegou uma toalha. Qual era o seu problema esta manhã? Primeiro o sonho insano. Agora isso.
Gabriella Reis... incrível como podia lembrar-se do nome dela, mas não do nome da mulher com quem estivera na noite anterior, especialmente uma vez que fazia um ano que não via Gabriella.
Um ano e dois meses. E, sim, certo, 24 dias... Dante suspirou.
Esse era o problema de ter fixação por números, pensou. Tornava-o bom naquilo que fazia na Orsini, mas também despertava pensamentos tolos na sua mente.
Ele vestiu uma camiseta surrada da Universidade de Nova York e um short de ginástica, igualmente surrado, e desceu a escadaria circular para o piso inferior de sua cobertura, passando pelos grandes quartos de teto alto até chegar à sala de ginástica. Não era uma academia completa. Possuía apenas um Nautilus, alguns pesos e uma velha esteira. Só usava aquilo quando o tempo estava muito r**m e não podia correr no Central Park. Porém, naquela manhã, apesar do sol, sabia que precisava de mais do que uma corrida de oito quilômetros se quisesse tirar aqueles pensamentos perturbadores da cabeça. Era sábado e tinha tempo de sobra.
Quando terminou, Dante passou algumas horas on-line, olhando sites de leilão com excelentes Ferraris, verificando se havia algo parecido com o que estava procurando: uma Ferrari 250GT Berlinetta 1958. No ano anterior, descobrira que havia uma no mercado em Gstaad, e pensara em voar para lá a fim de ver o carro, mas algum fato... ele não se recordava o que... havia acontecido e...
Suas mãos pararam no teclado.
Gabriella Reis. Era isso que tinha acontecido. Ele a conhecera e tudo desaparecera de sua mente.
— Droga! — exclamou Dante, nervoso. Era a segunda vez em que pensava nela hoje, e isso não fazia sentido. Gabriella era passado.
Desistindo de ficar sentado, ele desligou o computador, trocou de short e camiseta e saiu para correr.
Gastar aquela energia resolveu a sua agitação. Dante voltou para casa se sentindo bem, e sentiu-se ainda melhor quando Rafe telefonou para informá-lo de que tinha fechado o negócio do banco francês que eles estavam querendo. Ele já ligara para Falco e Nick. Que tal se reunirem para um drinque no seu ponto de encontro favorito, O Bar, em Chelsea?
No momento em que os irmãos se separaram, era difícil lembrar que o dia começara r**m, mas seu bom humor desapareceu quando sua mãe ligou. Dante amava-a com todo seu coração... e nem mesmo as perguntas usuais dela: se ele vinha se excedendo muito no trabalho, se estava comendo apropriadamente, se conhecera uma boa garota italiana para levar para jantar... diminuíam seu prazer em ouvi-la.
O recado que ela lhe deu de seu pai tirou o prazer de Dante.
— Dante, miofiglio, papa quer que você e Raffaele venham para o café amanhã.
Ele sabia o que isso significava. Seu pai estava num humor estranho ultimamente, falando sobre idade e morte, como se o "anjo da morte" estivesse batendo à porta. Aquele seria outro discurso infindável sobre advogados e contas bancárias... como se os filhos fossem tocar num dólar do pai depois que ele falecesse.
Sua mãe sabia como ele se sentia. Como todos os seus filhos se sentiam. Apenas ela e as irmãs deles, Anna e Isabella, persistiam em acreditar na ficção de que Cesare Orsini era um homem de negócios legítimo, em vez do farsante que era.
— Dante? — O tom de Sofia se suavizou. — Vou fazer aquele pesto frittata que você adora. Si?
Dante fez uma careta. Detestava o cheiro e o gosto de pesto, mas como um homem poderia dizer uma coisa dessas para a mãe sem magoá-la? Motivo pelo qual Cesare havia incumbido a esposa de fazer aquele convite.
Então ele suspirou e disse que estaria lá.
— Com Raffaele, às 8h. Você liga para ele, si? Aquilo, pelo menos, o fez sorrir.
— Claro, mama. Sei que Rafe ficará encantado.
No domingo de manhã, quando o resto de Manhattan certamente dormia, Dante entrava na propriedade Orsini no que um dia fora Little Italy, mas que era agora uma parte incrivelmente moderna de Greenwich Village.
Rafe havia chegado antes dele.
Sofia já o acomodara na grande mesa da cozinha, onde eles faziam frequentes refeições afamiglia. Rafe, apesar de ter passado a noite se divertindo com Dante, nas companhias de uma ruiva e uma loira, não parecia cansado ou aborrecido.
Rafe olhou para cima e o cumprimentou. Dante murmurou um bom-dia de volta.
Ele tinha dançado muito com a ruiva na noite anterior, primeiro na boate, depois na cama dela. Uma noite longa, com muita risada e sexo, mas sua mente estivera em outro lugar. Acordara sozinho em sua própria cama... nunca passava a noite na cama de uma mulher... com dor de cabeça, mau humor e nenhum desejo de conversar com seu pai.
Ou de comer a frittata que sua mãe colocou na sua frente.
— Mangia — disse ela.
Era uma ordem, não uma sugestão. Dante tremeu interiormente... comida não deveria ser verde... e pegou o garfo.
Os irmãos estavam na segunda xícara de café quando o braço direito de Cesare, Felipe, entrou na sala.
— Seu pai quer vê-los agora.
Dante e Rafe se levantaram. Felipe meneou a cabeça.
— Não juntos. Um de cada vez. Raffaele, você primeiro. Rafe sorriu e murmurou alguma coisa sobre seus privilégios.
Dante riu.
— Divirta-se.
E quando olhou para o seu prato, havia outra frittata ali. Ele comeu, empurrando-a com mais café, enquanto sua mãe continuava oferecendo... Queijo? Biscoitos? Aquele pão redondo de Celini que ele tanto gostava?
Dante assegurou-a de que estava satisfeito, consultando o relógio o tempo todo, enquanto sua irritação aumentava. Após quarenta minutos, levantou-se.
— Mama, tenho coisas para fazer. Por favor, diga ao meu pai que...
Felipe apareceu à porta.
— Seu pai irá recebê-lo agora.
— Tão bem treinado — disse Dante. — Igual a um pequeno cãozinho.
O empregado de seu pai não respondeu, mas o olhar no rosto dele era fácil de ler.
Dante sorriu.
— O mesmo para você, amigo — murmurou e seguiu para o escritório de seu pai.
A sala era como sempre tinha sido. Grande. Escura. Mobiliada com muito mau gosto, com santos e Virgens Marias espalhados pelas paredes. Cortinas pesadas estavam fechadas contra as portas francesas que levavam ao jardim.
Cesare, sentado numa cadeira que lembrava um trono, atrás de sua mesa de mogno, gesticulou para que Felipe saísse.
— E feche a porta — disse com a voz afônica depois de décadas de charutos.
Dante sentou-se na frente do pai, as pernas longas estendidas e os braços cruzados. Estava vestindo jeans, moletom azul-marinho e tênis surrados. Seu pai nunca aprovara tais trajes... uma razão, é claro, pela qual Dante gostava disso.
— Dante.
— Pai.
— Obrigado por ter vindo.
— Você me intimou. O que quer?
Cesare suspirou, meneou a cabeça e entrelaçou os dedos sobre a mesa.
— Como você está, pai? Quais as novidades de sua vida? Tem feito algo interessante ultimamente? — Ele arqueou as sobrancelhas. — Você é incapaz de uma conversa educada?
— Sei como você está. Muito saudável, apesar de sua convicção de que a morte se aproxima. Assim como sei que é melhor não mencionar as novidades de sua vida. — Dante sorriu friamente. — E se você fez coisas interessantes ultimamente, talvez deva contar aos agentes do governo federal, não a mim.
Cesare riu.
— Você tem senso de humor, meu filho.
— Mas não muita tolerância, então vamos diretamente ao ponto. O que você quer? E uma outra sessão de "Estou morrendo e vocês precisam saber de certas coisas"? Porque se for isso...
— Não é.
— Honesto e direto. — Dante assentiu. — Estou impressionado. Tão impressionado quanto é possível estar quando se trata de tipos como o seu.
— Insultos de dois filhos numa única manhã — disse Cesare. — Sou eu quem está impressionado.
— Imagino que sua conversa com Rafe foi tão agradável que ele decidiu sair pelo jardim, em vez de passar um minuto a mais debaixo de seu teto.
— Dante. Pode me conceder um tempo para falar?
Bem, bem. Uma nova abordagem. Sem gritos. Sem ordens. Em vez disso, um tom de voz que beirava à educação. Não que isso mudasse alguma coisa, mas Dante tinha de admitir que estava curioso.
— Claro. — Ele consultou o relógio antes de encontrar os olhos do outro homem. — Que tal cinco minutos?
Um músculo saltou no maxilar de Cesare, mas ele não respondeu. Abriu a gaveta, pegou um envelope e deslizou-o na direção do filho.
— Você é um investidor de sucesso, não é, miofiglio? Dê uma olhada nisso e me diga o que acha.
Outra surpresa! Aquilo era o mais perto que seu pai chegara de elogiá-lo. Inteligente, também. Cesare sabia que ele não resistiria a abrir o envelope depois disso.
O calhamaço de papéis dentro era grosso. O título Visão Geral na primeira página o surpreendeu.
— Isto é sobre uma fazenda?
— Não apenas uma fazenda, Dante. Trata-se de Vieira e Filho. O nome de uma enorme fazenda no Brasil.
Os olhos de Dante se estreitaram.
— Brasil?
— Si. O terreno cobre dezenas de milhas de acres.
— E?
Cesare deu de ombros.
— E eu quero comprá-la.
Dante olhou para seu pai. Cesare possuía uma companhia de saneamento. Uma firma de construção. Uma imobiliária. Mas uma fazenda?
— Para quê?
— De acordo com esses documentos, é um bom investimento.
— O Empire State Building também é.
— Conheço o dono — disse Cesare, ignorando a observação. — João Vieira. Bem, conheci, anos atrás. Fizemos alguns negócios juntos.
Dante riu.
— Posso apostar que sim.
— Ele me pediu um empréstimo. Eu recusei.
— E daí?
— Ele está doente. E me sinto culpado. Eu deveria... — Cesare parou. — Você acha isso divertido?
— Você sentindo culpa? Ora, pai. Este sou eu, não Isabella ou Anna. Você não conhece o significado da palavra.
— Vieira está morrendo. Seu único filho, Artur, vai herdar a propriedade. O garoto é inepto. A fazenda está na família Vieira por dois séculos, mas Artur vai perdê-la, de um jeito ou de outro, antes que Vieira esfrie no túmulo.
— Deixe-me entender isso. Espera que eu acredite que seus motivos são puramente altruístas? Que você quer comprar a fazenda apenas para salvá-la?
— Sei que você não tem uma boa opinião a meu respeito...
Dante riu.
— Talvez eu tenha feito algumas coisas das quais me arrependi. Não pareça tão chocado, miofiglio. Um homem no fim da vida tem o direito de começar a pensar sobre a ordem de sua alma imortal.
Dante pôs o envelope sobre a mesa. Aquele estava se tornando um dia muito estranho.
— Só lhe peço que voe para o Brasil, estude as condições da propriedade e, se considerar apropriado, faça uma oferta.
— O mercado está passando por uma fase terrível, e você espera que eu abandone meu trabalho, vá para América do Sul e faça uma oferta irrecusável para o seu inimigo?
— Vieira não é meu inimigo.
— Tanto faz. A questão é: estou ocupado. Não tenho tempo para desperdiçar somente porque você quer aliviar sua consciência pesada.
— Isso é muito mais simples do que pedi para o seu irmão.
— Bem, não sei o que você pediu a Rafe, mas aposto que ele não aceitou. — Dante se levantou. — Pode pegar sua consciência pesada e...
— Você já esteve no Brasil, Dante? Sabe alguma coisa sobre o país?
Dante ficou tenso. A única coisa que sabia sobre o Brasil era que Gabriella Reis nascera lá. Mas o que ela tinha a ver com aquilo?
— Estive em São Paulo — disse ele friamente. — A negócios.
— Negócios. Para aquela sua companhia?
— Chama-se Investimentos Orsini — replicou Dante.
— Dizem que você é excelente para negociar.
— E daí?
Seu pai deu de ombros.
— Por que pedir ajuda de um estranho quando seu próprio filho é considerado o melhor?
Um elogio? Pura bobagem, mas surtiu efeito. Por que não admitir isso?
— Bem — Cesare deu um suspiro dramático —, se você não vai fazer isso...
Dante o encarou.
— Posso gastar apenas alguns dias. Seu pai sorriu.
— Será o bastante. E, quem sabe? Talvez você até aprenda alguma coisa nova.
— Sobre?
Cesare sorriu novamente.
— Sobre negociar, miofiglio. Sobre negociar.
A um mundo de distância, mais de oito mil quilômetros de Nova York, Gabriella Reis estava sentada na varanda da grande casa na qual havia crescido.
Naquela época, a casa, a varanda, a fazenda em si tinha sido magnífica.
Não mais. Tudo estava diferente agora.
Assim como ela.
Quando criança naquela fazenda, Gabriella era magrinha e tímida. Seu pai tinha detestado sua timidez. Na verdade, detestara tudo em relação a ela.
Aquele lugar, a varanda, costumava ser seu santuário. Seu e de seu irmão. Artur fora ainda menos favorecido pelo pai do que ela.
Artur havia abandonado a fazenda no dia em que completara 18 anos. Gabriella sentira terrivelmente a falta do irmão, mas tinha entendido que ele precisava deixar aquele lugar para sobreviver.
Aos 18 anos, Gabriella subitamente florescera. O patinho feio se tornara um cisne. Ela não percebera isso, mas outras pessoas sim, inclusive um americano que a vira andando numa rua de Bonito, a abordara e lhe entregara um cartão de empresário. Uma semana depois, ela estava voando para Nova York e fazendo seu primeiro trabalho como modelo. Amava seu trabalho...
E tinha conhecido um homem.
E sido feliz, pelo menos por um tempo.
Agora, estava de volta a Vieira e Filho. Seu pai estava morto. Assim como seu irmão. Ela estava sozinha naquela casa triste e silenciosa, mas, até aí, de um jeito ou de outro, sempre estivera sozinha.
Mesmo quando fora amante de Dante Orsini.
Talvez nunca tão sozinha quanto quando amante de Dante. Aquecera a cama dele, mas não o coração. E por que estava perdendo tempo pensando nele? Isso não tinha lógica, não fazia sentido...
— Senhorita?
Gabriella olhou para o rosto preocupado da ama que praticamente a criara.
— Sim, Yara?
— Ele está chamando — disse Yara em português. Gabriella levantou-se apressada e entrou na casa. Ele a estava chamando! Como podia ter esquecido, mesmo por um momento?
Não estava sozinha. Não mais.