A Gaiola Dourada
O sol se punha lentamente sobre o Leblon, tingindo o céu de tons alaranjados e dourados. Das janelas amplas do apartamento luxuoso no décimo andar, Cecília observava a cena com os braços cruzados, sentindo-se prisioneira em sua própria vida. A paisagem era de tirar o fôlego — e talvez fosse esse o único momento do dia em que ela conseguia respirar um pouco.
Atrás dela, vozes abafadas vinham da sala de estar. Os tios, como sempre, entretidos com seus convidados de sempre: empresários influentes, esposas plásticas e filhos criados para herdar, mandar e obedecer cegamente às regras de um mundo onde aparência valia mais do que verdade.
— Cecília, querida, venha aqui um instante — chamou a tia Marlene, com aquele tom doce que escondia veneno.
Ela se virou devagar, ajeitando os cabelos escuros num coque elegante, como se a aparência impecável pudesse protegê-la da sensação constante de estar sendo empurrada para um abismo. Caminhou até a sala, vestida em um vestido leve, branco, que contrastava com seus olhos castanhos intensos. Assim que entrou, todos os olhares se voltaram para ela, como se fosse um artigo de luxo a ser apresentado.
— Essa é nossa sobrinha, Cecília. Não é linda? — disse Marlene com um sorriso forçado, segurando no braço dela como se fosse uma boneca. — A filha do nosso querido Gustavo e da inesquecível Helena.
Um silêncio respeitoso pairou por um segundo. Seus pais. Mortos há três anos em um acidente de carro na Itália, durante uma viagem que Cecília nunca quis fazer. E que eles nunca voltaram.
— Ela está no último ano de Administração — completou o tio Jorge, orgulhoso. — Mas o talento mesmo é para lidar com pessoas. Inteligente, educada… uma verdadeira dama.
Cecília forçou um sorriso, desconfortável com os olhares masculinos que agora a analisavam como uma mercadoria em avaliação.
— Prazer. — Sua voz saiu firme, mesmo que seu coração estivesse em guerra.
Foi então que ela viu o rapaz. Alto, moreno, bonito até — mas com um sorriso presunçoso que já a irritava. Bernardo. O filho dos amigos dos tios. Um típico "bom partido". Vestido em roupas caras, com relógio de grife no pulso e confiança demais no olhar.
— Já ouvi muito falar de você, Cecília — disse ele, aproximando-se com um charme ensaiado. — E pelo visto, seus tios têm razão. Você é ainda mais linda ao vivo.
Ela apenas arqueou uma sobrancelha, sem responder. Já sabia onde aquilo ia dar.
Mais tarde, no jantar, sentaram-se à mesa com pratos decorados, taças de cristal e sorrisos falsos. A conversa girava em torno de negócios, investimentos, viagens e o "futuro promissor" da família. Até que Marlene foi direta:
— Bernardo está indo para São Paulo assumir uma parte da empresa do pai. Mas quer manter raízes aqui no Rio, não é, querido?
Ele assentiu, olhando para Cecília como se ela já estivesse prometida. E então, veio a sentença:
— Pensamos que vocês dois poderiam sair algumas vezes. Quem sabe… algo mais sério no futuro?
Cecília largou os talheres com calma. Respirou fundo, apoiando os cotovelos na mesa com elegância, mas os olhos ardiam.
— Com todo o respeito, tia, mas se eu quisesse um namorado, procuraria sozinha.
O silêncio foi imediato. Jorge a encarou com um olhar duro. Marlene forçou um riso.
— Ah, Cecília, não seja dramática. Estamos apenas sugerindo. Você sabe… para o seu bem.
"Para o bem de vocês", ela pensou, mas não disse.
Sabia o que estava por trás da proposta. A herança deixada por seus pais havia sido completamente dilapidada pelos tios. Roupas de marca, festas, viagens, reformas desnecessárias no apartamento. Eles sustentavam o luxo com aparências, e agora, precisavam desesperadamente de uma aliança com alguém como a família de Bernardo para manter as portas abertas da alta sociedade. E Cecília era o peão perfeito.
Naquela noite, trancada em seu quarto, ela se jogou na cama e encarou o teto com os olhos marejados. Não chorava por pena de si mesma, mas de raiva. Raiva por ser tratada como moeda de troca. Raiva por estar presa a uma vida que não escolheu. E raiva de não saber, ainda, como sair dali.
Pegou o celular e abriu o grupo antigo de amigas da faculdade. Conversas mortas, memes desatualizados. Tudo parecia tão superficial perto do que sentia agora. Então, resolveu sair. Precisava andar. Pensar. Respirar.
Vestiu uma roupa simples, prendeu o cabelo num r**o de cavalo e desceu pelas escadas, evitando passar pela sala. A noite estava quente, e o som distante do mar era o único consolo naquele momento.
Andou pelas ruas do Leblon, sem rumo. Passou por bares lotados, por casais de mãos dadas, por carros importados com motoristas uniformizados. Mas nada daquilo a tocava. Até que, ao virar uma esquina mais deserta, ouviu passos rápidos atrás de si.
Virou-se, alerta. Dois homens vinham na direção oposta. Um deles a encarou de cima a baixo.
— Tá perdida, princesa? — disse com um sorriso debochado.
Ela tentou voltar, mas o outro já estava atrás. E então tudo aconteceu rápido demais. Uma mão em seu braço. Um grito. Um pano úmido cobrindo seu rosto. E o mundo girando antes de tudo escurecer.
Foi ali, naquela noite, que o destino de Cecília mudou para sempre.
Foi ali que ela seria levada ao morro.
E conheceria Danilo.