A madrugada no morro era uma respiração profunda e tensa. O silêncio carregava o peso de ameaças invisíveis, e a escuridão parecia mais densa do que o habitual. Danilo permanecia acordado na varanda da casa, os olhos fixos no horizonte onde as luzes da cidade começavam a tremeluzir, enquanto as lembranças daquela última semana não o deixavam em paz.
O cheiro de fumaça distante misturava-se ao ar úmido, um sinal claro de que a guerra que travavam contra Ramon e seus aliados ainda estava longe do fim. Os rostos dos homens feridos e a sensação de vulnerabilidade nunca o abandonavam. Mas havia algo que mantinha seu coração pulsando forte: Cecília.
Ela dormia no quarto ao lado, exausta pelos últimos dias de tensão, medo e incertezas. Mas mesmo em seu sono, parecia carregar uma força invencível. Danilo sabia que ela não era apenas uma mulher acostumada à vida de aparências e confortos do Leblon. Cecília havia mudado — e o morro, com todos os seus perigos e sombras, a estava moldando de um jeito que só ele compreendia.
Seu pensamento voltou às últimas palavras que ela lhe dissera naquela noite em que decidiram que lutariam juntos: “Eu estou aqui. Sempre estive, mesmo que você não tenha percebido.” Essas palavras ecoavam em sua mente, misturadas com a sensação de que, finalmente, havia alguém ao seu lado em quem poderia confiar de verdade.
O sol começou a espreitar atrás das montanhas, e com ele veio a rotina frenética do morro. Mensagens chegavam pelo rádio, homens voltavam das rondas com rostos cansados e histórias de movimentações suspeitas, e o nome de Ramon se repetia como um trovão ameaçador.
Danilo chamou uma reunião com seus homens mais próximos — Subir, seu braço direito fiel; Ivan, ainda detido e de olhar desafiador; e outros aliados leais que entendiam a gravidade da situação.
— Ramon está mais agressivo do que nunca — disse Danilo, a voz firme, mas carregada de preocupação. — Ele quer nosso território. E ele vai usar tudo que tiver para conseguir.
Subir, sempre direto, falou em seguida:
— Força bruta não vai resolver sozinha. Precisamos de inteligência, informação. Saber o que eles planejam antes que aconteça.
Ivan, que acompanhava a conversa com olhos que refletiam ressentimento e alguma esperança secreta, ficou calado, mas Danilo sabia que poderia usar isso a seu favor. Ele precisava, no entanto, medir cada passo, porque confiança não era algo que se concedia facilmente naquele mundo.
Enquanto a tensão aumentava nas ruas do morro, Cecília se firmava ao lado de Danilo, surpreendendo a todos com sua coragem e perspicácia. Ela não era mais a jovem indefesa do Leblon; havia se transformado em uma peça vital naquela guerra. Durante as reuniões, suas opiniões eram ouvidas com respeito, mesmo que alguns ainda duvidassem da capacidade dela.
Uma tarde, em um raro momento de tranquilidade, Danilo e Cecília estavam sentados no pequeno jardim da casa, os corpos próximos, mas as palavras carregadas de emoção.
— Você não precisa carregar esse peso sozinho — disse ela, segurando as mãos dele com força, como se quisesse transmitir toda a sua força. — Eu estou aqui. Com você. Para tudo.
Ele a olhou nos olhos, sentindo a intensidade daquela conexão.
— Você é diferente de tudo que eu já conheci. Você me faz querer ser melhor, Cecília. Mesmo quando o mundo insiste em ser c***l, você me lembra que ainda existe algo pelo que vale a pena lutar.
Ela sorriu, um sorriso que escondia medos e uma determinação feroz.
— Eu não vou deixar você sozinho nessa.
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À noite, a tensão deu lugar à urgência da paixão. Depois de uma reunião especialmente tensa, Danilo puxou Cecília para longe dos olhares atentos dos homens que os cercavam. No quarto que agora compartilhavam, o ar parecia pequeno demais para conter todo o desejo acumulado.
Ele a segurou firme, e os lábios se encontraram num beijo intenso e desesperado, uma fuga momentânea da realidade brutal que os cercava. Os corpos se encaixaram, buscando calor, alívio e a certeza de que, apesar do caos, aquele amor era real.
Naquela noite, entregues um ao outro, Danilo e Cecília encontraram uma espécie de redenção. Era uma paixão avassaladora, quase selvagem, que quebrava as barreiras da dor e do medo.
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Porém, a calmaria era apenas uma ilusão passageira. Na manhã seguinte, o morro foi abalado por um ataque surpresa. Homens de Ramon invadiram um ponto estratégico, deixando um rastro de destruição e terror.
Danilo sentiu a fúria explodir dentro dele. A vontade de proteger Cecília, a quem não suportaria perder, se tornou combustível para sua ação.
No meio dos tiros, dos gritos e da fumaça, ele e Cecília lutaram lado a lado. A sintonia entre eles era rara, um elo forjado no fogo da batalha. Cada gesto, cada olhar, mostrava que estavam dispostos a tudo para sobreviver — e para vencer.
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Quando a poeira baixou, o morro tentava se recompor. Feridos foram cuidados, perdas lamentadas, mas o espírito de resistência permanecia intacto.
Naquele dia, Danilo cuidava das feridas de Cecília no quarto. Ela, por sua vez, tentava acalmar a respiração acelerada dele, como se soubesse que o peso daquela guerra estava prestes a esmagá-lo.
— Isso não pode continuar assim — murmurou ela, a voz fraca, mas determinada. — Estamos nos destruindo.
Danilo a olhou, a dureza do chefe suavizada pela ternura do homem que só ela conseguia alcançar.
— Talvez seja exatamente por isso que precisamos continuar. Porque, no meio do caos, só você me mantém inteiro.
Eles ficaram em silêncio, compartilhando a dor e a esperança naquele quarto que, por mais pequeno que fosse, era o único lugar onde o mundo externo parecia distante.
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Nas semanas que se seguiram, a luta pela sobrevivência e pelo amor se tornou ainda mais intensa. Planos eram traçados, alianças forjadas e traições aguardadas na sombra. A incerteza era constante, mas também era a certeza de que cada passo poderia ser decisivo.
Cecília, agora mais forte e determinada, enfrentava seus medos e abraçava o papel que o destino lhe impusera. Ela não era mais a garota de Leblon. Era uma mulher que sabia que a liberdade custava caro, mas que estava disposta a pagar o preço.
Danilo, embora ainda marcado pelo passado, permitia-se sonhar com um futuro onde eles pudessem ser simplesmente ele e ela. Um futuro onde a violência não fosse a única língua falada, onde o amor pudesse florescer longe das sombras.
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O capítulo termina com os dois deitados no terraço, sob um céu estrelado, as mãos entrelaçadas, sussurrando promessas de amor e resistência. O morro, apesar de seu caráter brutal, era naquele momento também o palco de uma esperança imensa.
Eles sabiam que a tempestade ainda estava longe do fim, mas ali, naquele instante, entre o amor e a guerra, encontravam forças para enfrentar o que viesse.