Primeiro capitulo - O espírito guiador
A vida é uma verdadeira aventura, algumas pessoas entram nela já sabendo do que está por vir, alguns descobrem pelo caminho e outros percebem só quando ela já acabou ou até mesmo morrem sem jamais ter descoberto. Eu não sei em qual delas acabaria ficando no final e não sei se queria saber, pois não sabia o que a vida tinha reservado para mim.
— Acho que aqui está bom para acamparmos. — disse minha mãe largando sua mochila e pedido a que está com meu pai para montar barraca. Ele a tira de suas costas e coloca no chão pronto para ajudar minha mãe, mas ela se opõe como todas às vezes — Querido, eu já disse. Que a barraca é minha tarefa e a sua é a lenha para fogueira.
— Sabe que não gosto que faça as coisas sozinha, além disso, é uma forma de ficar perto de você. — Minha mãe ri e se aproxima dele pegando a mochila.
— Boa tentativa querido, mas se esqueceu de uma coisinha. Johnny não está aqui para ajudar Emma dessa vez e mesmo que eu saiba que ela é completamente capaz disso sozinha, já está anoitecendo e precisamos acender a fogueira. — Meu pai ri do argumento dela e após beijá-la vem em minha direção
— Parece que perdi de novo, né Emma? — Estava pronta para respondê-lo quando minha mãe fez isso por mim.
— São raras as que perco querido — Caímos na risada. Era verdade, minha mãe raramente perdia, sempre tinha bons argumentos.
Com as mochilas nas costas entrei na floresta indo para um lado e meu pai pelo outro. Procuro por ela qualquer pedaço de madeira que consigo carregar e vou colocando em um só lugar para levar depois. Terminado de coletar tudo, aproveito que estou sozinha antes de voltar e fecho os olhos para escutar melhor os animais, respiro sentindo a brisa do lugar, como adoro essa sensação.
Então ela muda, sinto uma energia no ambiente, o vento forte nas folhas das árvores e nos arbustos ao meu redor levam-me a lembrar do meu estranho dom de ver espíritos. Olho ao redor a procura dela, é quando vejo, de atrás de uma das árvores, um garoto aparece. Ele vem em minha direção, sua forma transparente recebendo a luz do pôr do sol, sob ela percebo que ele aparenta ter mais de dezesseis anos. Seu cabelo cacheado, que um dia foi loiro caindo sobre os olhos. Suas vestimentas diferem, pelo que parece ser, do pescoço a cintura está uma túnica clara de manga comprida, que ia até um pouco acima dos joelhos com um tipo de colete de pele marrom por cima e um cordão de couro na cintura, calças verdes musgo com alguns rasgos no joelho esquerdo e ele está descalço.
O menino faz um gesto com as mãos para eu segui-lo. Acho muito esquisito o fato de nunca me preocupar com essas situações, vejo espíritos desde pequenininha e nunca nenhum deles chegou a fazer algo para prejudicar-me. Muitos, quando percebem que posso vê-los, vem a mim pedir ajuda.
— Onde você quer me levar? — Ele não fala nada. Como todos os outros, ele se comunica por gestos. Somente uma única vez um espírito falou comigo, além de ter sido minha primeira vez vendo um, foi a minha avó com quem falei.
Novamente ele faz o gesto, então decido segui-lo. Depois de alguns minutos seguindo o garoto percebo que não faço ideia de onde estou, mas já é tarde demais para voltar, pois, não saberia qual caminho seguir. Continuo andando até que ele para, observo o lugar atentamente, na minha frente há uma clareira e todas as árvores ao redor formam um círculo perfeito.
— Que lugar é este? — pergunto indo para o meio da clareira.
Então olho ao redor e percebo que todas as árvores têm um cogumelo vermelho apontando para a mesma direção, na mira delas, duas árvores quase grudadas são as únicas que não tem cogumelos, quando me aproximo olho de relance para o garoto que me incentiva a seguir e depois desaparece, eu poderia dar meia volta e ir embora, mas sou muito curiosa, por isso, sigo adiante e logo deparo-me com um buraco que parece levar a uma caverna, de novo minha curiosidade vence e pego minha lanterna da mochila para entrar na caverna. Começo a olhá-la e vejo várias estalactites e estalagmite, sigo mais adentro, pergunto-me por que aquele espírito me trouce até aqui?
De repente tropeço em algo e caio ralando o joelho esquerdo no chão, me sento
e pego a garrafa de água da minha mochila para lavar a ferida, dou uma olhada no que tropecei, um livro grosso de capa de couro vermelho, pego-o na mão para abri-lo quando escuto um barulho estranho, observo o lugar apontando a lanterna quando olho vários morcegos no teto. Guardo o livro na mochila e levanto calmamente para sair sem acordá-los, quando a caverna começa a tremer e várias pedras começam a cair, tento me esquivar delas indo de um lado pro outro da caverna, olho para todos os lados procurando um lugar seguro, mas não encontro nada.
— E agora? Como vou sair daqui se não sei de onde eu vim? — Os morcegos, agora despertos, estão voando para tudo que lado, vejo até alguns serem atingidos, então de repente, tudo acaba e aparece uma luz ao fundo. — Minha saída.
Estou prestes a ir em direção a ela quando noto que os morcegos estão indo em direção inversa e sei que os animais tem mais senso de direção que humanos, logo decido segui-los. Na saída da caverna sento-me ao pé de uma das árvores, noto que já anoiteceu e todos os cogumelos estão incandescentes.
— Preciso voltar. — Com essas palavras o garoto aparece de novo na minha frente fazendo o mesmo gesto para segui-lo. — Quer que eu siga você mais uma vez?! Depois que você me levou a uma caverna que quase desmoronou na minha cabeça?! — Falo irritada, ele olha para mim e aponta para uma direção, depois vai em direção a mesma me deixando para trás. Olho para todos os lados que eu poderia ir, mas não fico confiante com nenhum, o que me faz olhar para o espírito que se afastava cada vez mais — Só posso estar maluca! — E sigo atrás dele.
Logo avisto meus pais, minha mãe chama-se Stella uma mulher bonita de cabelos pretos e olhos cor âmbar que adora acampar. As duas coisas que mais puxei dela, os cabelos pretos e a vontade de estar entre as árvores acampando, meu pai chama-se Tomás, um homem atraente de cabelos loiros e olhos azuis, que prefere a cidade grande, mas por nós ele sai da sua zona de conforto. Também tenho um irmão e uma irmã, mas por eles não quererem acampar e a Hannah ter escola, Johnny ficou para cuidar dela.
Meus pais já arrumaram a barraca e a fogueira está acesa, os dois estão em uma conversa bem baixinha, provavelmente para não incomodar os animais da floresta. Nem me dou por conta que o garoto não estava mais ali, sento-me em volta da fogueira com os dois e peço desculpas ao meu pai que teve que pegar a lenha, mas achou as que eu tinha juntado.
— Se afastou demais de novo, Emma. Qual foi a distração dessa vez? — Perguntou meu pai preocupado.
— Uma clareira muito bonita. Quando a vi não resisti em ficar um pouco mais.
— E você está bem? — Perguntou minha mãe reparando no meu joelho.
— Não foi nada de mais, apenas tropecei. Amanhã não terá mais nada. — Minha mãe sorri, mas um sorriso triste. Meu pai a braça e beija o canto de sua boca.
Lhes dou privacidade enquanto vou pegar comida em uma das barracas e escuto eles cochichar, assim como eu que não quero que eles saibam que posso ver os mortos, eles não querem me contar algo. Quando escuto eles ficarem em silêncio volto para fogueira com os sanduíches, mas o clima ainda está estranho.
— Não vejo a hora de chegar em casa, só vocês duas mesmas para gostar de acampar. — Meu pai reclama dando uma mordida no seu sanduíche com a cara carrancuda e isso faz minha mãe rir, o que ameniza a tensão no ar.
— Para sua sorte e para o azar meu e da Emma, hoje é a última noite ao ar livre. Amanhã quando acordarmos vamos para casa e é melhor descansarmos será uma longa caminhada, provavelmente chegaremos ao anoitecer.
— Mas nós voltaremos em janeiro do próximo ano, né mãe? — Minha mãe assente feliz com a possibilidade, já meu pai não fica nada feliz fazendo eu e minha mãe rirmos.
***
Quando eu e meus pais chegamos em casa, nós passamos pelos portões de entrada em silêncio, tentando ao máximo possível não fazer barulho. Observei ao meu redor a casa no escuro, m*l dava para ver o canteiro de flores da frente e as janelas fechadas não deixavam a vista se a luzes de dentro estavam acesas.
Do bolso da mochila, meu pai tirou a chave da porta e a abriu, dando passagem para minha mãe entrar. O corredor na nossa frente estava todo escuro até que minha mãe passou pelo sensor de movimento acendendo as luzes. Na nossa frente uma grande escada levando pro segundo andar onde ficam os quartos.
Logo atrás dela entrei, no cômodo grande a minha direita, vendo nossa sala de estar, de um lado, uma lareira e do outro uma televisão na parede, ambos os lados com sofás e poltronas para sentar. No teto um lindo listre pendente. Nos cantos e na mesinha em frente a lareira algumas plantas decorando e dando vida ao lugar.
— Pensei que seu irmão estaria acordado nos esperando. — Diz minha mãe.
— E bem a cara dele, mas talvez tenhamos chago muito tarde. Já passa das três da manhã. — Respondo em meio a um bocejo.
— Sr. e Sra. Brook, sejam bem vindos de volta. — Fala Jefferson, um homem de quarenta anos. — Srta. Brook bem-vinda. — Dou um leve aceno de cabeça para nosso mordomo. Ele está vestindo um pijama todo azul, por cima um robe branco e seu cabelo castanho está um tanto bagunçado.
— Boa noite, Jefferson. Me diz, você não ficou até essa hora nos esperando, né? — Pergunta meu pai.
— Não senhor. Acordei para tomar água e escutei a movimentação. Aproveitei que estava acordado e vim ver se gostariam de alguma coisa.
— Não precisamos Jefferson, obrigada. Pode descansar. — Ele assente para minha mãe e se retira nos deixando Assôs.
— Eu também vou descansar. Boa noite, pai. Boa noite, mãe.
— Boa noite, filha. — Eles dizem juntos e vou até as escadas para subir para meu quarto.
Entro já acendendo a luz e largando a mochila do lado da porta. Meu quarto estava do mesmo jeito que deixei. Logo na entrada, minha mesa com meus materiais de arte, os lápis de cor amontoados em um potinho, junto várias canetas hidrocor e uma folha em branco que sempre deixo na mesa para desenhar.
Na minha esquerda minhas estantes cheias de livros. Mais ao fundo do meu quarto, a minha cama e duas portas que levam, uma para meu closet e outra pro meu banheiro. Nas paredes, vários pôsteres de esgrima, filmes e desenhos que eu mesma fiz.
Caminho até o banheiro e quando entro a primeira coisa que reparo e no meu reflexo no espelho que ocupa toda a parede a minha frente. Meu cabelo está preso em um r**o de cavalo e minha franja caindo até meu queixo e apesar de não ter olheiras, meus olhos azuis mostram que estou cansada. Minha camiseta preta amassada das noites dormidas com ela e minhas calças sujas de terra.
No dia seguinte levanto-me e vou ao encontro de minha família que devia estar no andar de baixo para o almoço, descendo as escadas tento lembrar do sonho que tive noite passada, mas não consegui, o que é estranho, pois sempre lembrei deles. Mais uma coisa que eu e meus irmãos puxamos do meu pai, faço-me um lembrete mental para falar com ele ou com Johnny sobre isso mais tarde.
Na sala de jantar já estão todos comendo. Cada um em um lugar na grande mesa que ocupa o cômodo. A mesa posta com comida e bebida fazem minha barriga roncar devido à fome.
— Obrigada por me deixarem dormir. — Falo olhando para meus pais, mas ao que parece eles também acabaram de acordar.
Meu irmão estava feliz por estarmos de volta e com sono pelo que pude perceber, seu cabelo loiro estava todo bagunço e a camiseta beje com manchas, provavelmente respingos do molho da comida, o que significa que ele estava de novo na cozinha ajudando Tânia a cozinhar. Já minha irmã Hannah estava bem desperta, seus cachos loiros, penteados e uma roupa bem colorida, aparentemente está pronta para deixar sua imaginação voar.
— Vocês se divertiram? — perguntou Johnny enquanto eu comia, me impossibilitando de responder, meu pai então vai à frente e responde por nós.
— Sim! — respondeu ele. — Vocês sabem que não sou super fã da natureza, mas de vez em quando é bom se afastar da cidade.
— É verdade — completou minha mãe — espero que na próxima, possamos ir todos juntos, sem exceção! — Minha irmã parece não gosta muito da ideia, porém se meus pais quiserem que acampemos todos juntos, ela não terá muita escolha.
Termino de comer e volto para o meu quarto. Lembro-me que amanhã tenho que levantar cedo para chegar ao colégio interno e nem comecei a arrumar minha mala. O que me lembra que tenho que pega-la no andar de baixo, mas deixo isso para mais tarde, pois prefiro arrumar minha mochila primeiro.
Vou até ela a pegando na mão. Minha mochila era bem diferente das demais. Quando comprei ela na loja, ela era toda prata e comprei ela com o intuito de desenhar qualquer coisa que quisesse e quando quisesse. No momento ela tinha só três desenhos da qual fazia com tinta para tecidos, como fone de ouvidos, um livro aberto e estrelas.
Abro o bolso maior e jogo as coisas de dentro, tudo na mesa para guardar, quando o livro que encontrei na caverna cai fazendo barulho, o olho atentamente. Escuto alguém bater na porta e ela ser aberta sem esperar pela minha resposta.
— Tem que espera eu dar permissão para entrar Hannah. — Repreendo-a por não esperar.
— O que é isso? — ela aponta para o livro na mesa sem dar atenção para o que falei.
— É um livro. Nunca viu um? — Pergunto brincando com ela.
— Sei o que é um livro. Mas nunca vi esse no seu quarto.
— O achei há duas noites. E agora preciso que você me deixe sozinha para arrumar as coisas da escola. — Falo enquanto pego os cadernos na gaveta da mesa para colocar na mochila. Nesse momento alguém bate na porta
— Pode entrar — meu irmão entra no quarto trazendo minha mala e segurando algo nas mãos. — Viu Hannah, é assim que funciona, bate na porta e espera.
— Ela entrou de novo sem esperar sua autorização? — Johnny perguntou, estava agora vestindo uma camiseta verde clara.
— Ã-hã! Ah, obrigada por trazer minha mala. — Escuto um “De nada” enquanto ele colocar ao lado da mesa. — Como está a leitura? — Aponto para o livro em suas mãos.
— Eu já terminei! Queria terminá-lo a tempo de você levar amanhã.
— Não precisava se apressar, hoje é quarta e estarei aqui sexta-feira de noite, poderia levá-lo quando voltasse ao colégio segunda.
— Eu não me apressei! Ele só é muito bom para querer parar de ler. Por exemplo: tem um momento que o person... — Percebo na hora que ele está soltando um spoiler de proposito e o interrompo.
— Não! Nem pense em falar qualquer coisa desse livro. Sabe que livros assim são nossa única fuga para o desconhecido. Não leio nem mesmo a sinopse, para ficar o mistério.
— Sei disso. — Ele cai na gargalhada com a minha reação —estava só brincando.
— Posso ler depois? — Nós dois viramos para ela.
Hannah nos pega de surpresa com a pergunta, ela nunca se interessou por livros como eu e o Johnny. Ela também tem mente transe como nós que herdamos do nosso pai, mas nunca foi de livros, sempre preferiu brinquedos e televisão.
— Desde quando se interessa por livros? — Johnny faz a pergunta que eu ia fazer.
— Algumas semanas atrás. — Ela olha para o chão. — Minha professora deu atividades para fazer no livro de matemática, só que eu tinha feito tudo nos primeiros dias de aula esse ano e…
— Você percebeu a diferença. — Conclui sua explicação. Ela nem precisou terminar de falar, sabíamos como era aquilo.
Johnny e eu nos olhamos percebendo que a mesma coisa que aconteceu conosco, estava agora acontecendo com a Hannah. Não é nada r**m, mas também não é bom e não podemos controlar. Herdamos do nosso pai a capacidade de aprender mais rápido que qualquer um, desde que nascemos somos assim. Aprendemos a falar e a andar com três ou quatro meses, porém éramos muito pequenos para compreender o que estávamos fazendo, só percebemos mesmo o grau dessa velocidade quando fomos para a escola.
— Hannah! Você falou sobre isso com alguém? — Johnny pergunta. Ela diz não com a cabeça. — Ótimo! Porque se não eles vão...
— Johnny! Não acha melhor deixar o papai explicar?
— Tem razão Emma. Hannah, desce e explica pro papai a situação que você passou, ele vai te contar tudo. — Ela assente a sai do quarto.
Meu irmão e eu achávamos natural sabermos mais que as outras crianças quando estávamos no primeiro ano. Já sabíamos ler e escrever como adultos, nossas notas eram sempre máximas, mas ainda não liamos os livros da escola para perceber como aprendíamos rápido, a professora que ensinava.
Quando fomos para o segundo é que começamos a fazer atividades no livro, e quando reparamos que os fazíamos muito rápido é que nosso pai explicou a situação. A partir dali aprendemos tudo do ano letivo com os livros da escola em mais ou menos três dias, dependendo da nossa vontade, às vezes menos para terminar logo com tudo, ou vezes mais por preguiça, mas nunca por dificuldade. Depois disso fingimos estarmos aprendendo como os colegas de sala para não fazerem perguntas ou ficarem em cima de nós. E essa é a rotina do começo das aulas até o final do ano desde o segundo ano do fundamental.
Quando começamos, lemos esses livros bem devagar, porém, a partir do momento que compreendemos o conteúdo ali, o que leva alguns segundos, entramos meio que em um transe e lemos numa velocidade absurda, aprendendo tudo nos mínimos detalhes. Por esse motivo eu e o Johnny buscamos livros de entretenimento, eles não nos ensinam como os da escola, então podemos lê-los devagar sem nos preocupar e isso fazia a gente se sentir um pouco normal.
— Ela começou mais cedo que nós. Não tinha atividades no livro quando estávamos no primeiro ano, não sabia nem que tinha livro do primeiro, por que será que mudou? — Não sei se Johnny estava mesmo fazendo a pergunta ou estava pensando alto, mas acho que eu tinha a resposta.
— Há dois anos, trocou a professora. Talvez o livro do primeiro sempre existisse, só que a nossa professora nunca quis usar.
— Faz sentido. — Ele me entrega o livro de suas mãos, sai do meu quarto.
Quando estou sozinha novamente começo a preparar a mala e a mochila, já deixando separado o uniforme para o dia seguinte, olho pelo quarto repensando a lista que fiz na cabeça, pois precinto estar esquecendo algo, mas antes que isso me incomode mais, reparo no livro de couro que estava no chão em baixo da mesa, devia ter caído em quanto arrumava a mala. Com ele nas mãos me sento na cama. O abro e folheio, mas não vejo nada escrito.
— Como pode um livro não ter nada escrito? — Desapontada, o guardo na última gaveta da mesinha-de-cabeceira e vou olhar televisão. Mas logo pego no sono.
Acordo no final da tarde com fome e decido ir à cozinha fazer um lanche. Descendo as escadas escuto meus pais na sala de estar conversando sozinhos de novo, decido esperar e escutar, mas eles já pararam de falar provavelmente por que escutaram meus passos. Me aproximo do cômodo, os dois já me olhando.
— Tudo pronto para amanhã, Emma? — Meu pai pergunta, ao lado dele, minha mãe parece um pouco abalada. Ela sempre ficou um pé atrás com assuntos da escola e saber da Hannah deve ter incomodado ela.
— Tudo bem Emma? — Ela pergunta, talvez meu rosto tenha me entregado.
— Sim, pai. Tudo pronto para amanhã. E eu só não queria ter trocado de colégio mãe — Meu pai não fica nada feliz em tocar nesse assunto de novo. Sexta-feira passada foi meu último dia no meu antigo colégio, troquei de um colégio mediano para o colégio mais forte do país, da qual minha Família é fundadora.
— Sabe por que trocou de colégio, Emma. E você já ia para ela ano que vem, só vai um pouco antes. — Meu irmão também foi para o colégio interno da família, mas ele entrou no início do ano no primeiro ano do ensino médio, eu vou entrar no meio do ano no nono ano. Serei a única novata, porque ninguém entra no colégio Olhar Oculto no meio do ano. Comigo as coisas sempre foram antes.
— Sei o porquê. — Meu pai supôs que porque eu avia entendido um livro da faculdade sem qualquer noção dos conteúdos anteriores do ensino médio, devia me transferir mais cedo de escola. Já minha mãe ficou preocupada, essa coisa de mente transe sempre a assustou. — Mas no meio do ano é r**m. — Saio da sala em direção a cozinha para fazer meu lanche, sentindo os olhos dos dois em mim.
Meu pai e o Johnny compreendem rápido o que está escrito nos livros, mas eles têm que ter o entendimento do conteúdo anterior, ler em ordem cronológica como, por exemplo: primeiro, segundo e terceiro, já eu, pulo do primeiro ao último sem nenhum problema, por isso meu pai me trocou de colégio antes.
— Tomás? Tem certeza que foi uma boa ideia transferi-la antes? — Escuto minha mãe cochichando para ele. — Sei que o nível dela é mais alto, mas acho que ela poderia ficar no mesmo colégio por mais alguns meses.
— Você sabe que eles têm que estar prontos quanto antes. Além disso, qualquer adolescente adoraria aprender rápido. — Claro, qualquer um adoraria aprender como nós, um colega meu já me perguntou uma vez na outra escola, “como seria bom aprender qualquer coisa facilmente, já imaginou Emma”? Como não podemos falar dessas coisas com os outros, eu falei: “seria incrível”, pois é isso que eles esperam como resposta.
Subo as escadas após comer indo até o quarto do Johnny, talvez ele esteja jogando vídeo game e eu possa participar. Bato em sua porta e imediatamente ele convida-me a entrar. O quarto do Johnny era tão grande como o meu. Na entrada um sofá virado para a parede onde tinha uma televisão, no canto uma mesa com cadeira e computador, em uma parede um pouco distante do sofá estava sua cama, no fundo, várias prateleiras cheias de livros e de cada lado uma porta levando pro closet ou pro banheiro. Meu irmão estava deitado na cama olhando televisão, sento-me na cadeira em frente ao computador.
— E aí? Conseguiu convencer nosso pai? — Antes de acampar contei ao Johnny que tentaria convencer nosso pai a deixar-me no mesmo colégio.
— Não! Ele acha que quantos mais cedo melhor. Não que ele esteja errado, mas é que...
— Nós já fazemos as coisas rápido. — Ele levanta da cama e liga o vídeo game, entrega-me um controle e indo até o sofá. A melhor forma de conversarmos é assim, jogando. — Eles sabem que foi repentino de mais, por isso, mamãe teve a ideia de acampar antes de você ir para o colégio. — Sim, foi muito rápido. No meu último dia no antigo colégio foi o dia que meus pais me deram a notícia da transferência, eu fiquei muito apreensiva, então para me ajudar meus pais tiraram alguns dias de folga e fomos acampar. — Mas olha, você vai ver que não é nada de mais, vai continuar sabendo mais que os colegas e professores.
— Tudo bem! — ele escolhe um jogo de corrida enquanto tento lembrar outra coisa que queria falar — Ah! Lembrei!
— O que foi?
— Queria perguntar? Já se esqueceu de algum sonho?
— Não! Você sabe que esquecer de sonhos também não é possível para nós. — Ele olha-me de canto de olho — Por quê?
— Eu não estou lembrando dos meus — Johnny da pause no jogo e se vira para mim, sua expressão confusa.
— Como assim? Desde quando?
— Hoje quando acordei foi a primeira vez e foi... estranho, não consigo explicar — Nunca nos esquecemos dos nossos sonhos, podemos não lembrar de alguma coisa quando éramos pequenos, mas dos sonhos sempre lembramos, mesmo quando tínhamos meses de idade.
— Já falou com o papai sobre isso? — Johnny perguntou e eu sabia que ele estava vasculhando a memória para saber se já avia acontecido com ele.
— Não! Mas vou falar. Quero ter certeza de que não consigo lembrar. — Meu irmão assente entendendo por que quero esperar.
Acordada no dia seguinte, vou ao banheiro para me arrumar e depois ao closet para vestir o uniforme, que por sinal é muito bonito. Tem várias peças do uniforme, mas para hoje, como estamos no meio do ano e estamos em pleno inverno, decidi colocar a calça preta e por cima da camisa branca e da gravata vermelha, colocar o suéter cinza e o casaco azul-escuro com a logo do colégio, na qual é uma balança que está sob uma coruja preta com seis penas à sua volta e o nome do colégio acima, seu fundo é branco e sua borda azul clarinho.
Me olho uma última vez no espelho do closet vendo se estou pronta. Meu cabelo preto ondulado está solto e minha franja caindo nas laterais do meu rosto, não passei maquiagem porque não gostava, mas do mesmo jeito ficava bem sem ela. Terminando de verificar se estava tudo certo, saio do meu quarto descendo as escadas com minha mala e mochila para tomar café.
— Você tem trinta minutos restantes. — Johnny está sentado na mesa esperando para levar-me ao colégio — nossos pais já foram trabalhar e levaram a Hannah para escola. — Sento-me pegando panquecas e suco pro café da manhã. — Pegou tudo?
— Não sei, sinto que estou esquecendo algo. — Então ele lembra-me o que era colocando meu caderno de desenhos em cima da mesa — Era isso. Obrigada Johnny.