Capítulo 01 - Kelly Velasco
- Eu não entendi. O Senhor poderia ler de novo essa última parte do testamento?
O escritório de Josué Velasco era enorme, mas naquele momento pareceu pequeno para as quatro pessoas que ocupavam aquela sala.
Eu me senti espremida entre eles.
Na cabeceira da mesa estavam os dois advogados do meu pai. Dois senhores pançudos e baixinhos. Eles eram gêmeos. Tive vontade de rir da cara deles. Eram tão engraçados. Pareciam um a sombra do outro e parece que até a respiração deles era ritmada. Ao lado deles, quieto como uma cobra pronta para dar o bote estava Michael Barreto, o fiel escudeiro do meu pai e que até dois minutos atrás eu considerava um amigo, quase um segundo pai para mim.
Eu estava sentada na outra cabeceira da mesa, na cadeira que meu sentou até duas semanas atrás e onde ele foi encontrado morto após um infarto fulminante.
Com certeza, do outro lado da pesada porta de madeira os outros empregados da casa, aguardavam ansiosos a leitura do testamento do Juiz Josué Velasco.
O advogado que segurava a pasta, tossiu umas duas vezes e então me me encarou sério.
- O que a senhorita não entendeu?
Ou ele era i****a ou me considerava uma.
- Não entendi nada, pode repetir tudo por favor?
Ele voltou os olhos para a página à sua frente.
- Vou reler pausadamente sem omitir nenhuma palavra.
Cruzei as mãos sobre a mesa.
- Eu agradeço.
- “Esse se testamento é a minha vontade e ele será cumprido”
- Bem típico do meu pai, ordenou, tem que ser feito.
O advogado levantou a cabeça.
- Não interrompa senhorita Kelly!
Levantei as mãos em sinal de paz.
Ele continuou.
- “ Na minha falta, antes da minha querida e única filha, Kelly Velasco completar 18 anos, ou ter um pouco de juízo na cabeça, as coisas devem ser feitas do jeito que vou explicar aqui. Todos os meus bens só poderão ir para o nome dela quando ela casar com um homem de responsabilidade que não vá torrar todo o meu dinheiro. Até isso acontecer eu nomeio Michael Barreto como seu tutor legítimo e responsável pelos seus bens.”
O advogado tomou fôlego e olhou pra mim.
- Continue...
Ele respirou e voltou à leitura.
- “Se esse casamento não ocorrer até os vinte e um anos ela deverá se casar com Michael. Ele é uma pessoa capaz de gerenciar uma riqueza desse tamanho sem prejuízo da minha filha resolver doar para os mendigos de rua”
Olhei para Michael. Aquele desgraçado estava rindo por dentro, com certeza.
- “ Se nesse intervalo de tempo Michael se apaixonar por alguém e se casar e ele deve adotar a Kelly como filha e assim continuar zelando por seu bem estar.”
Se a ideia de casar com ele era ridícula, a de ser adotada como filha era infinitamente pior, principalmente se ele se cassasse com aquela horrorosa da Mônica. Nem fodendo que aquela mulher ia ser minha madrasta.
- “ E para concluir, eu afirmo que tomei essa decisão pensando apenas no bem estar da minha filha e como sei que ela é capaz de arrumar o primeiro homem que encontrar pela frente e se casar, apenas para anular esse testamento eu coloco só mais um detalhe. O homem que a pedir em casamento deverá passar pela avaliação do Michael. Ele é quem vai decidir que deverá se casar com a Kelly.”
O advogado fechou a pasta e levantou os olhos para mim.
- Ficou claro agora senhorita?
Olhei para Michael que batucava a caneta na mesa parecendo tão à vontade como se tivesse tomando uma cerveja em um bar.
- Ficou claro para você Michael?
Ele riu com o canto da boca.
- Claro como água.
Me remexi na cadeira com vontade de pular no pescoço dele e estrangulá-lo.
- Você já sabia desse testamento não é?
Ele finalmente me encarou.
- Sim. Eu sabia.
- E porque não me disse nada?
- Porque é um testamento. Só se ler depois que a pessoa morre.
- Mas você é beneficiário direto desse testamento, isso é ilegal!
Ele riu alto.
- Eu? Beneficiário? De que? por ter herdado uma garota chata como você para tomar conta? Não me faça rir Kelly Velasco!
- EU NÃO SOU CHATA!
Três pares de olhos se fixaram em mim questionando minha afirmação.
- O que estão olhando?!
Um dos advogados mais velhos levantou da cadeira e tossiu meio sem jeito.
- Kelly, entendemos que você está um pouco surpresa com as exigências do seu pai, mas isso é necessário. Você não tem condições de gerir o patrimônio que ele deixou para você, sozinha.
Bom. Ele tinha razão.
- Eu não quero gerir nada. Eu só quero viver em paz.
Michael enfim se levantou e deu a volta da mesa se aproximando de mim.
- Kelly, se acalme e vamos conversar.
Fuzilei-o com o olhar e me afastei dele.
-Não chegue perto de mim, seu falso.
Ele apertou os lábios e virou-se para a dupla de advogados.
- Álvaro, Altiere, por favor, podem ir embora. Eu resolvo o resto de agora em diante.
Eles eram uma corja de advogados do d***o. Estavam ali para me condenar e não para me defender. Como meu pode fazer fazer um testamento daquele? O que eu faria para me livrar daquela ideia maluca dele? Porque casar com o Michael eu não ia, ser adotada por ele, muito pior. Mas meu dinheiro estava nas mãos dele e aquele cafajeste me olhava quase com pena de braços cruzados na minha frente.
Vagamente vi os dois advogados deixarem a sala e me vi sozinha com aquele amigo da onça.
Ele apontou a cadeira.
- Sente. Vamos terminar esse assunto.
Eu ri cínica.
- Começar esse assunto, você quer dizer não é?
Sentei e cruzei os braços disposta a não colaborar.
Ele fez o mesmo e demorou alguns segundos para falar.
- Você precisa colaborar Kelly.
- Eu? Colaborar? Como? Me casando com você.
- Eu não vou deixar você destruir o patrimônio do seu pai.
Arqueei a sobrancelha.
- O patrimônio agora é meu, Michael. Eu faço o que eu quiser com ele.
Ele riu.
- Por isso que seu pai fez o que fez. Ele conhecia filha que tinha.
Respirei fundo, tentando me acalmar.
- Certo. Tudo bem. O que faremos agora?
Ele encolheu os ombros.
- Por enquanto nada. Vamos fazer o que seu pai falou. Eu sou seu tutor. Eu vou cuidar de você.
- E quando a essa parte ridícula do casamento? Eu não quero casar com você.
Ele me olhou sério.
- Seu pai não disse que você tinha que casar comigo. Ele disse que se você não cassasse com alguém decente até os 21 anos, você se casaria comigo.
- Eu não quero casar. Eu quero viver a minha vida, eu só tenho 17 anos!
- E uma riqueza enorme que não pode parar nas mãos de qualquer aproveitador e acredite, aparecerão muitos garota.
Empinei o nariz.
- Eu não vou me casar com um velho como você.
Ele pareceu surpreso e deu uma gargalhada.
- Eu? Velho? Eu tenho 30 anos Kelly!
- É velho.
- A gente resolve isso, lembre que seu pai me deu a opção de te adotar como filha. Já que sou velho, farei isso.
- Me adotar? E a Mônica vai ser minha madrasta?
Ele levantou e apoiou as mãos na mesa decidido.
- Você escolhe: ou arruma um marido decente, ou casa comigo, ou aceita ser minha filha adotiva.
Levantei e imitei o gesto dele, encarando-o desafiante.
- Nenhuma delas, Michael Barreto. Eu vou transformar sua vida em um inferno.
Sai e bati a porta do escritório com força.