Capítulo 3 – Fascínio em Silêncio

874 Words
Salvatore Vitale Ela não me temia como deveria. Era isso que me perturbava. Aurora Mancini chegou à minha vida como um estorvo envolto em perfume doce. Uma promessa selada em sangue, um fardo herdado da covardia de um homem que se ajoelhou diante de mim implorando por tempo. Dei-lhe dois meses. E quando voltou de joelhos, trouxe a filha como oferenda. Achei que a quebraria em dias. Talvez semanas. Que imploraria para sair, que suplicaria piedade. Mas não Aurora. Ela me olha como se pudesse ler as sombras onde escondo meus pecados. Naquela noite, voltei ao quarto dela sem intenção clara. O vinho na minha mão era desculpa. Queria ver como ela reagia ao medo. Se já havia aceitado o cativeiro dourado que lhe ofereci. Mas o que encontrei foi algo muito mais interessante. Ela estava sentada na varanda, envolta em um robe claro, os cabelos soltos e molhados. Acabara de sair do banho e não se incomodava em mostrar a pele. Sabia que eu a observava. Sabia que eu a desejava. E mesmo assim... não se curvava. — Veio me ver sangrar ou se alimentar da minha indiferença? — ela perguntou, sem virar o rosto. Sorri. Não estava acostumado com gente que fala assim comigo. Ninguém ousava usar palavras afiadas na minha presença. Ninguém, exceto ela. — Vim ver se já aceitou sua nova vida, principessa. Ela se virou então, os olhos fixos nos meus, como se procurasse rachaduras. — Não há nova vida para quem está preso. Isso aqui não é uma nova vida. É uma jaula com seda e vidro. Me aproximei, deixando a taça sobre a mesa de ferro fundido. Sentei diante dela, com a perna cruzada, observando como ela controlava a respiração. Tensa, sim. Mas não submissa. Nunca submissa. — Já houve mulheres neste lugar que teriam feito qualquer coisa por um quarto como esse. — Eu não sou "mulheres". Meu nome é Aurora. Aquilo me acertou como uma bala de advertência. Quantas vezes alguém havia ousado me corrigir? Quantas vezes uma mulher olhou nos meus olhos com aquele fogo tão antigo quanto vingança? — Aurora, então. Diga-me... você pretende continuar me desafiando com palavras, ou um dia vai entender onde está? Ela não desviou o olhar. Nem por um segundo. — Talvez você é quem não entende onde está. Me trouxe para perto acreditando que me teria ajoelhada. Mas não sou um brinquedo. Não sou uma mensagem. E não sou sua. Meu maxilar travou. Não pela insolência. Mas pelo desejo que crescia junto com ela. Ela era feita de fogo. Daquele tipo que não se apaga, apenas consome. Levantei-me, fui até ela. Pousei a mão em sua cadeira, inclinando o corpo sobre o dela. Podia sentir sua respiração mudar, mas ela não recuava. — Você ainda vai implorar para ser minha, Aurora. — E você ainda vai se arrepender de querer me quebrar. Por um segundo, tudo ficou em suspenso. A mão dela segurou meu pulso com firmeza. Não era força, era um aviso. E naquele toque... percebi o que estava nascendo ali. Uma guerra. Uma de que eu não queria vencer. Eu queria dançar dentro dela. *** Nos dias seguintes, passei a observá-la com mais cuidado. As câmeras mostravam seus hábitos. Ela lia, escrevia, falava sozinha às vezes. Ria de maneira amarga. Tentava escutar os passos dos guardas nos corredores. Uma vez tentou esconder uma colher, como se fosse usá-la para cavar um buraco na parede. Não parei. Não a impedi. Porque estava curioso. Havia um tipo de inteligência afiada nela, uma mente que funcionava como um jogo de xadrez. E eu... eu nunca recusava uma boa partida. Certa noite, deixei um livro em sua porta. "O Conde de Monte Cristo". Um lembrete c***l, talvez. Ou apenas um reflexo. Ela leu em três dias. E quando terminei uma reunião com capos aliados e subi ao segundo andar, a encontrei no corredor, me esperando. Vestia um robe vermelho, cabelo preso de qualquer jeito. — Deixou aquele livro para me provocar? — perguntou. — Para medir você. — Então saiba: não sou o Conde. Sou o abismo onde ele se perdeu. Meu sorriso veio lento, real. Ela estava me desafiando. Não com gritos. Mas com elegância. Com palavras. Com presença. Estava dançando com a morte sem tirar os olhos dela. E eu... estava começando a querer que ela vencesse. Naquela mesma noite, convidei-a para jantar. Não como um pedido. Uma ordem disfarçada de gesto cortês. Ela hesitou, mas aceitou. Desceu com um vestido preto que combinava com seus olhos cansados e sua postura ereta. Sentou-se à minha frente como se estivesse diante de um rival, não um carcereiro. Durante o jantar, falamos de tudo. Menos da prisão. Menos da promessa. Menos do pai morto. Falamos de música clássica. Ela citava Vivaldi como quem cita preces. Falamos de vinho. De arte. E pela primeira vez, vi que Aurora não era apenas uma filha sacrificada. Era uma mulher feita de camadas. No fim da noite, quando ela se levantou e agradeceu com um aceno contido, percebi que havia perdido uma parte de mim. A parte que não via os cativos como humanos. Aurora havia quebrado algo em mim. E o pior... Eu queria mais. Queria que ela me quebrasse inteiro.
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