EM ALGUM LUGAR DO RIO DE JANEIRO.
Luís Renato
— Tem certeza que quer fazer essa compra Luís? Não sei, o hotel está falido. — Meu sócio pergunta encarando o empreendimento praticamente em ruínas.
— Mas esse é o mérito, Marcos. Pegamos um hotel falido, faremos uma boa reforma nele e fazemos ele produzir — falo com entusiasmo na voz. Marcos dá de ombros e me encara especulativo.
— Qual é, Luís, nunca fizemos isso antes. Como sabe se dará certo? — inquire receoso. Dou de ombros.
— É só olhar as plantas, meu caro. O hotel tem potencial, olha essa área e esse espaço, o lugar onde ele está posicionado, ele é perfeito! A Ana pode fazer os projetos de melhoria nele e ele ficará igual aos nossos padrões. — Marcos começa a observar atentamente a planta. Meu celular começa a vibrar em cima da mesa de reuniões. Deixo Marcos olhando a planta e atendo a chamada.
— Luís Alcântara falando.
— Doutor Luís, é o Max.
— Ah! Oi, Max, alguma novidade?
— Sim, encontrei a casa onde a senhora Rose Falcão viveu quando criança.
— E sobre o pai da Ana?
— Edgar Fassini? Acabei de mandar um arquivo para o seu e-mail.
— Ótimo, Max! — falo, saindo com passos apressados da sala de reuniões e sigo para o meu escritório. Janete, minha atual secretária diz algo, mas não lhe dou atenção e entro na minha sala, abrindo com ansiedade a tela do meu computador e em seguida a caixa de e-mails e lá está.
— Estou olhando o arquivo agora, Max — digo ainda ao telefone.
— Mais uma coisa, senhor.
— O quê?
— O senhor Fassini chegou ao Brasil a três dias. — Paro abruptamente o que estou fazendo. p***a isso é, meu Deus! Como contarei tudo isso para Ana agora?
— Onde? — Procuro saber.
— Goiás, senhor. O endereço já está no arquivo.
— Obrigado, Max! Fez um ótimo trabalho, como sempre!
— Disponha, senhor Alcântara. Precisando, é só chamar. — Desligo o telefone e o largo sobre a mesa, ainda olhando para a tela do meu computador atentamente.
DOSSIÊ:
Nome: Edgar Fassini.
Idade: 45 anos.
Naturalidade: brasileira.
Estudou na faculdade de Minnesota EUA. Atualmente reside em Hamburgo - Alemanha. Formado em administração.
SOBRE OS PAIS:
Mãe: Giovanna Fassini.
Pai: Enrico Fassini.
Endereço: Rua Niquelândia - 124 Anápolis – GO
Fico parado olhando para a tela do computador, praticamente paralisado. O que fazer com tamanha informação? A alguns anos, quando eu e Ana estávamos em nosso cantinho, após fazer amor com a minha esposa, ela parecia especialmente inquieta. Fui dando-lhe carinho e uma atenção especial, até que ela começou a falar-me sobre a sua mãe. Fazia tempo que não falava sobre ela, mas aquela semana era aniversário de sua morte e em um momento do seu desabafo, ela me contou um fato que até então eu desconhecia.
( ... )
— Ela estava morrendo e foi a primeira vez que me falou dele.
— Dele quem? — perguntei acariciando as costas nuas. Estávamos em uma casa de veraneio no meio das montanhas, deitados debaixo do cobertor no chão da sala e de frente para uma lareira acesa. Ao nosso lado, havia um balde com gelo, onde o vinho descansava e ao lado do balde, duas taças pela metade. Beijei o seu rosto delicado.
— Meu pai. — Ela disse.
— Seu… pai? — perguntei perdido. — Pensei que não tinha mais ninguém — comentei completamente surpreso. Ela suspirou audível.
— Eu também achei, entretanto, depois que tudo se acalmou, tive tempo para pensar… Eu posso ter um pai por aí… e avós… — disse, mas não sei se estava feliz por isso, ou receosa, talvez os dois. Desde então, resolvi investigar, sem ela saber e aqui estou eu com as informações que a levará até uma parte da sua família que ela nunca conheceu na vida.
Alguém bate à porta e eu fecho rapidamente a tela do computador.
— Me abandonou na sala de reuniões para namorar, garanhão? — Marcos diz ao entrar na sala.
— Ah! Eu… Não, eu precisava… — gaguejo as palavras e ele me lança um olhar especulativo.
— Qual foi? — Marcos pergunta dando alguns passos em direção da minha mesa.
— O quê? — Ele rola os olhos.
— Qual é, Luís? Fala sério, cara! Você nunca gaguejou na vida. Desembucha — pede com seu habitual tom debochado, se acomodando na cadeira a minha frente. Encaro o meu amigo e penso se deveria me abrir com ele. Penso que m*l nenhum faria, desde que ele mantenha a sua boca fechada.
— Encontrei o pai biológico da Ana — falo de uma vez. O cara arqueia as sobrancelhas perplexo.
— Como é, o pai biolo… A Ana tem um pai biológico? — indaga embasbacado.
— E quem não tem, retardado? — Ele rir.
— Vivo, i*****l! Eu quis dizer vivo — esclarece.
— Tem. — Me encosto em minha cadeira e suspiro.
— E ela não sabe?
— Não. Quer dizer, ela sabe da existência dele, mas não tem certeza se está vivo, entendeu?
— E qual o problema em contar? — pergunta com desdém.
— Investiguei sem ela saber e não sei como receberá essa notícia — confesso. Ele dá de ombros.
— Bom meu, amigo, você investigou, encontrou suas respostas e não é justo ficar calado. Esse segredo não lhe pertence — diz e pela primeira vez vejo o meu amigo levar um assunto a sério de verdade. Pondero as palavras do meu amigo por alguns segundos. Ele está certo e pensando assim, assinto em concordância.
— Você está certo, Marcos, contarei tudo para ela ainda hoje.
— Bom, garoto! — diz erguendo o seu corpo da cadeira e afaga os meus cabelos espalhando os fios para todos os lados.
— Vai se f***r, Marcos! — ralho, fingindo irritação e ele gargalha.
— Analisei a planta. — Muda completamente de assunto. — Se você acredita no projeto, eu também acredito. Quando podemos fechar a compra? — Sorrio amplamente.
— Posso pedir para Janete marcar um almoço amanhã — sugiro e sorri.
— Faça isso, estou indo para casa. Minha morena tem uma surpresa para mim esta noite. — Ele pisca um olho cúmplice para mim.
— Será mais um filho? — Brinco. Ele põe as mãos nos bolsos e me encara sério.
— Não diz isso nem brincando, Luís. Da última vez, eu a deixei em casa em pleno trabalho de parto, de tão perdido que fiquei — resmunga.
— Ainda me acabo de rir quando me lembro disso. No que estava pensando, Marcos Albuquerque?
— Em nada senhor, certinho. Saindo agora, você vem? — pergunta.
— Vou! Só preciso imprimir isso aqui. — Aperto o botão de enter e em poucos minutos tenho o dossiê montado em minhas mãos.
****
Paro meu carro no estacionamento da minha casa e Marcos para o seu ao lado do meu. Pego a pasta executiva no banco do carona e saio do carro em seguida e assim que entro na imensa sala de visitas posso ver o trio que mais amo nesse mundo através da enorme janela de vidro transparente. Jonathan, Cristal e Caio estão brincando na piscina com alguns amigos de escola. Sorrio e aceno para os meus filhos através da janela. Depois sigo atravessando a sala e no caminho, Delia avisa que a senhora Alcântara está no terceiro andar da casa com algumas amigas.
— Imagino que a minha morena esteja junto. — Meu amigo comenta parando ao meu lado.
— Não duvido, essas duas não se desgrudam nunca! — falo com um tom de brincadeira e subimos as escadas. Do início do largo corredor já posso vê-la e acredite. Após esses oito anos de casados, ainda fico impactado com a sua beleza. Ana tem uma beleza suave, angelical. Um sorriso que ainda me deixa amolecido. Por isso faço tudo o que me pede. É linda… O meu anjo. Sorrio quando os nossos olhos se encontram e de repente me vejo preso em um mundo só nosso. Nada parece existir quando seus olhos amendoados prendem os meus. p***a, como se pode amar alguém tanto assim?
— Bonitão? — A voz da Mônica ressoa quando ver o marido se aproximando. Chego perto da minha garota e a puxo para um beijo cálido, sem nenhuma cerimônia ou aviso prévio.
— Hiiii! Chegou o esquadrão masculino para acabar com a festa das meninas! — Minha irmã, Lilian reclama e só então percebo sua presença ali.
— Olá, para você também, irmãzinha! — retruco irônico, me afastando da minha esposa e a beijando no rosto. — Preciso falar com você — falo com um tom baixo e sério para que apenas ela me escute.
— Está tudo bem? Por que precisa falar comigo? — Ana parece preocupada. Suspiro.
— Podemos ir até o escritório? É importante — peço. Ela avalia o meu rosto. — Tudo bem! Meninas, eu volto logo. — Ana avisa. Ela segura a minha mão e me puxa para fora do cômodo. No caminho me aproveito da minha deliciosa mulher, que está usando um vestidinho de algodão grafite, soltinho da cintura para baixo. Aprecio o balançar b***a arredondada, sacudindo levemente o vestido enquanto anda na minha frente. Paramos em frente a porta do escritório da nossa casa e solto a sua mão, abrindo a porta para lhe dar passagem. Ela entra e olha direto para o sofá de couro n***o com um sorriso sugestivo. Safada! — E então, sobre o que o meu marido lindo quer conversar? — indaga com um olhar malicioso. Ela realmente pensa que arrumei uma desculpa para trazê-la até aqui? Sorrio. Só queria.
— Tenho algo para te mostrar.
— O que é? — pergunta se desfazendo do meu termo e o largando com cuidado em cima do divã.
— Um documento. — Hesito. Ela ergue o olhar e me dá um sorriso significativo.
— Quer que eu trabalhe na minha folga, doutor Alcântara? — sussurra provocativa, ao pé do meu ouvido. p***a! Ela quer tirar a minha sanidade, só pode! Seguro em seus braços a afastando um pouco e ela me encara atônita.
— É sério, pequena, eu realmente preciso te mostrar algo — insisto. Ana se afasta e me lança um olhar confuso, receoso.
— Está bom então, o que você tem para me mostrar? — Agora ela parece curiosa.
— Espere aqui, eu volto logo — peço e ela assente. Saio do escritório rapidamente e volto até o meu carro, abro rapidamente a porta do carona e pego a minha pasta e tiro o envelope com o dossiê. Respiro fundo. Começo a me arrepender de ter feito isso. Logo agora que tudo está tão calmo! Volto para o escritório e encontro os olhos especulativos da minha esposa, que vão para minha mão que segura o papel pardo.
— O que é isto? — indaga com curiosidade.
— Antes de te entregar, quero que saiba que eu só fiz isso porque eu te amo — confesso, cheio de receios.
— Você está me deixando assustada, Luís — sibila. Eu lhe estendo o envelope e ela o segura, o olhando por algum tempo. Em silêncio, Ana se afasta de mim e vai até a sua mesa do outro lado do escritório. Ela tira as folhas de dentro do envelope e o descarta o sobre a mesa de vidro e fica um tempo ali parada, olhando atentamente as letras negras no papel branco. Os minutos de silêncio, são como o inferno para mim e quando termina e ergue os seus olhos para mim, me amaldiçoou imediatamente, ao vê-los marejados. Engulo em seco. Sabia que não devia ter feito isso. Puxo a respiração quando vejo uma lágrima escapar dos seus olhos e em seguida os soluços. — Você o encontrou — sussurra.
— Sim — digo no mesmo tom. Ela se senta no sofá como se de repente o chão lhe faltasse e eu rapidamente vou ao seu encontro, me sentando ao seu lado, segurando sua mão livre e a beijo. — Você está bem? — Procuro saber, cuidadoso, cauteloso.
— Não sei. Era bem mais fácil para mim quando ele não tinha um nome e agora… — Ela não termina a frase. Suspiro baixinho.
— Ana, só faremos o que você quiser — falo. c****e, se arrependimento matasse!
— Posso ter uma família… além da que tenho com você… — gagueja com a voz trêmula.
— Sim, querida. — Apenas concordo beijando carinhosamente os seus cabelos. De repente ela se levanta e vai até à janela.
— E se ele não quiser me conhecer? — inquire insegura, com voz baixa. Eu me levanto vou até a minha pequena, a abraçando por trás e aspiro o seu perfume.
— Então ele é muito i****a, porque você é uma mulher maravilhosa! — sussurro. Ela me dá um meio sorriso.
— Preciso pensar um pouco, Luís — pede.
— Claro, amor.
— Será que você pode me deixar sozinha? — Ela pede para minha surpresa e eu hesito no mesmo instante. — Por favor, querido, eu só preciso absorver tudo isso aqui — insiste e eu concordo, mesmo contra a minha vontade.
— Estarei do outro lado dessa porta, se precisar, é só me chamar — falo. Ela assente. Eu a beijo de leve e saio da sala, fechando a porta em seguida.
****
Ana Júlia
Olho para o papel contendo as informações sobre o meu pai pela décima vez. Pelo relatório, é um homem de posses e muito rico. Contudo, isso é o de menos. Vejo logo abaixo no arquivo um número de telefone. Sentindo a minha tremular, eu pego o meu celular no bolso traseiro do meu jeans e ligo para o número. O telefone chama incansavelmente e a cada toque, sinto o meu coração bater violentamente. Penso em desistir, mas a minha teimosia não me permite, ou seria a minha curiosidade? O telefone volta a chamar e o meu coração quase sai pela boca, quando alguém atende na segunda chamada.
— Residência dos Fassini, quem é? — A voz masculina inquire do outro lado.
— O senhor Fassini se encontra? — Procuro manter a minha voz o mais firme possível
— Deseja falar com o pai ou o filho? — pergunta. Hesito por alguns instantes.
— E… acredito que o filho… — gaguejo e sinto a minha garganta ficar cada vez mais seca.
— Só um momento. Ah! Desculpe, quem deseja? — A pessoa pergunta e mais uma vez, engulo em seco. O que devo dizer? Ah! Por favor, diga que é a filha dele? Não mesmo! — Senhora? — O homem chama me despertando.
— Desculpe, ligo em outra hora, obrigada! — Desligo sem esperar sua resposta. O que devo fazer? Devo procurá-lo? E o que ele pensará? Meu Deus, isso é loucura!
(...)
Tenho que lhe contar uma coisa filha… Eu tinha quinze anos quando fiquei grávida… e, ele tinha que ir para a faculdade… Meus pais não podiam ficar comigo… Tive que fugir.
Santo Deus, ele não sabe da minha existência, nunca soube... nunca teve a oportunidade de falar, de escolher. Penso levando as mãos, a minha cabeça e respiro fundo. O que eu faço? Com as minhas emoções em frangalhos, pego o celular e torno a ligar. Dessa vez uma mulher atende.
— Residência dos Fassini, quem deseja?
— Boa tarde, me chamo Ana Júlia Alcântara e procuro o filho do senhor Fassini. — Tento manter a minha voz firme.
— Oh, me desculpe! O senhor Fassini acabou de sair daqui. Hoje foi o sepultamento de sua mãe e ele não está muito bem. Quer deixar recado? — Ela pede. Meu Deus! Sinto o meu corpo inteiro estremecer e ao mesmo sem saber o que dizer. A mãe dele acabou de falecer. A minha… avó. Luís entra silencioso no escritório e noto a sua preocupação estampada em seu rosto.
— Querida, já tem horas que você está trancada aqui dentro. As crianças estão ficando preocupadas — diz se aproximando da minha mesa.
— Me desculpe! — sussurro.
— Não precisa se desculpar, querida. Está tudo bem? — Procura saber.
— Quero conhecê-lo, Luís — falo sem rodeios. Meu marido me encara espantado.
— Tem certeza, Ana?
— Não, mas quero conhecê-lo. Quero ter a certeza de que nunca me procurou porque realmente não sabia da minha existência ou se ele nunca quis me conhecer de fato. Preciso resolver esse pedaço da minha vida, Luís — peço quase sem voz e ele assente levando as mãos ao bolso.
— Ok, mas quero que saiba que estarei com você, não importa o resultado disso tudo — diz sério e eu lhe dou um meio sorriso.
— Eu te amo! Obrigada por fazer isso por mim! — sibilo, saindo da minha cadeira e ele abre os seus braços para mim. Deito a cabeça em seu peito e logo sinto um beijo cálido em meus cabelos.
— Sério? — Ele sorri. — Não está chateada por fuçar seu passado, sem falar com você?
— Não, no fundo, eu queria fazer isso, porém nunca tive coragem de fato — confesso. Ele me aperta em seus braços e eu o aperto nos meus.
— Eu te amo, pequena! — sussurra, deixando mais um beijo cálido.
A noite, é difícil fechar os olhos, quando se está explodindo de ansiedade por dentro. Fiquei a noite inteira embolando na cama, pensando em como seria encontrá-lo? Em como ele reagiria ao me ver? Se ele me aceitaria como sua filha? Meu Deus, passei toda a minha infância e adolescência sem um pai. Nós quase passamos fome. Minha mãe se matava de trabalhar para me dar o melhor na medida do seu possível e hoje descubro que eu podia ter uma… Uma família de verdade. Como teria sido a minha infância com ele? Como teria sido a minha vida com ele? Tenho muitas perguntas e não sei se realmente terei alguma resposta. São cinco da manhã quando resolvo sair da cama. Não conseguirei dormir mesmo e daqui a algumas horas terei que ir trabalhar. Logo mais a noite prometi ir ao shopping com as crianças para o mais novo evento infantil que acontecerá. Será bom, pelo menos poderei me distrair. Entro no banheiro me livrando da camisola de seda branca e tomo uma ducha rápida. Depois ponho uma roupa leve e sigo para fora do quarto, deixando o meu marido adormecido. Desço as escadas e vou direto para o escritório. Quando me aproximo da minha mesa, pego o meu mais novo projeto. Um hotel de luxo no Caribe e resolvo tracejar alguns parâmetros na planta. As horas se passam e eu não percebo que o dia já está totalmente claro lá fora. Luís entra no escritório e ao se aproximar, ele me beija rápido na boca.
— Dormiu bem? — indaga, avaliando o meu rosto.
— Sim, como um anjo — minto e Sorrio.
— Mentirosa! — ralha, brincando com a ponta do seu dedo no meu nariz. — Conheço bem a minha esposa.
— Com fome? — Mudo de assunto.
— Faminto, senhora Alcântara. — Sorrio, tirando o papel das minhas mãos e me puxa para os seus braços, beijando-me outra vez. Sorrio quando o beijo termina.
— Pedirei para Délia preparar algo para comermos — falo me afastando um pouco.
— Até parece que precisa pedir — retruca com humor. — Vou ligar para o Max.
— Para quem?
— O detetive. Quero que ele encontre o seu pai e o traga até aqui — informa. Penso em dizer que não, mas eu simplesmente não posso. Por mais que eu tenha medo ou que eu não queira admitir. Quero conhecê-lo e se eu tiver de receber um não, que seja aqui, em nossa casa.
— Está bem! — digo finalmente e saio do cômodo. Depois do café da manhã, levo as crianças à escola. E sigo direto para o Caravelas & Hotelaria. Glória, minha assistente se aproxima sorridente e com uma xícara de café em uma bandeja.
— Bom dia, senhora Alcântara! — Ela diz com o seu jeito ansioso de sempre.
— Bom dia, Glória, como estão as coisas por aqui? — pergunto com o meu habitual jeito profissional. Ela dá de ombros e eu pego a xícara sobre a pequena bandeja, tomando um pequeno gole em seguida.
— Alguns novos projetos para analisar e para assinar se for o caso. — Sorrio e entro em minha sala com a minha assistente colada bem atrás de mim. Acomodo-me em minha cadeira, por trás da minha mesa e tomo mais um gole do café.
— Bom dia para a minha arquiteta preferida! — Marcos, o sócio e melhor amigo do meu marido diz entrando na sala, segurando um papel imenso na mão.
— Bom dia! O que é isso? — pergunto movida de curiosidade.
— Um hotel antigo e carente de obras — diz largando o cilindro em cima da minha mesa. Lanço lhe um olhar curioso e sorrio abrindo o rolo de papel.
— Estamos trabalhando com restaurações agora? — retruco com surpresa, vendo um sorriso sarcástico surgir na sua face.
— Meu sócio e melhor amigo, o senhor seu marido, cismou com esse hotel — ralha se acomodando na cadeira a minha frente
— Hum! Deixe-me ver. — Dou uma olhada minuciosa na planta e fico encantada com o que vejo. É um prédio antigo e pela data da planta, realmente deve estar bem-acabado. Sabendo que nunca passou por uma reforma antes e, para chegar aos nossos padrões, teremos que praticamente reconstruí-lo. — É um belo lugar! — comento ainda olhando o tracejado.
— Seu marido disse o mesmo. Eu particularmente, não vejo nada demais, mas se vocês veem, quem sou eu para contrariar? — rebate, fazendo o meu sorriso se ampliar.
— Isso, porque o senhor só entende da parte de construção. Você sabe que o Luís é que consegue ver com clareza o potencial do empreendimento — ralho e ele bufa de modo audível.
— É, e a verdade é que ele nunca errou. — Concorda.
— Viu? — Pisco um olho para o sócio do meu marido. — A noite estamos todos no shopping e depois do evento, um musical com personagens infantis, deixamos as crianças se divertirem, enquanto eu e Luís ficamos sentados em um banco de praça, os observando e ocasionalmente aos beijos. Amo a minha família e confesso que nunca cheguei a sonhar com uma realmente. É claro que pensei em ter filhos e em me casar, mas não imaginei que aos 28 anos tudo já estivesse em seus devidos lugares. Em um momento noto o Jonathan se afasta de sua irmã e do Caio e corre em direção das escadas rolantes.
— Não! — digo apreensiva, levantando do banco exasperada.
— O quê? — Luís pergunta levantando em seguida. Sem pensar duas vezes, eu corro na direção do meu filho, sem prestar a atenção nas pessoas que vem pela frente e esbarro brutalmente em um homem que me segura firme para que eu não vá ao chão. Nossos olhos se encontram e eles parecem… familiar!
— Me desculpe, eu não a vi… — Ele para de falar quando me olha nos olhos e parece empalidecer de repente.
— Você está bem? — pergunto me recompondo. Ele me olha por um curto espaço de tempo.
— Eu… eu… — balbucia.
— Moço, está sentindo algo? — insisto.
— Peguei ele, amor. — Luís fala, parando ao meu lado com o nosso garoto nos braços. O homem olha de mim para o meu marido e depois para o meu filho.
— É… me desculpe! — O homem diz, fazendo menção de sair, mas o seguro pelo braço.
— Espere! Venha, eu pago uma água para o senhor. Está muito pálido! — Volto a insistir, o levando para uma das mesas da praça de alimentação.
— Não precisa. — Ele resiste, se afastando. — Eu estou bem! — Respiro fundo e passando as mãos no meu jeans, volto a insistir. Eu não sei, só… não quero que ele se vá.
— Tudo bem! Me deixe pelo menos pagar um suco. — O convido. — Afinal, eu quase o matei atropelado. — Faço graça e ele finalmente sorri. E o sorriso dele também é tão familiar! Penso.
— Tudo bem, se você insiste! — Concorda finalmente. Sorrio e ele imediatamente fica sério.
— Eu insisto — falo desviando os meus olhos dos seus e Luís apenas assiste a nossa conversa sem nexo. Seu celular toca e ele põe o Jonathan no chão para atendê-lo. Ele se afasta a uma distância considerável e nós seguimos para uma mesa.
— Como se chama? — Ele pergunta.
— Sou a Ana Júlia — respondo. Seu olhar por algum motivo ganha uma perplexidade que não sei mensurar. Ele parece engolir em seco.
— Eu me chamo Edgar… Edgar Fassini — fala erguendo os seus olhos para encarar os meus, e paraliso no mesmo instante. Simplesmente nada em mim funciona, estou em pleno estado de torpor.
— Você é… — Nem consigo concluir a minha frase.
— Sou o seu pai, Ana. — Meu coração para uma batida.
— Como soube que… — pergunto e ele me abre um meio sorriso.
— Você é a cara dela… da sua mãe. Seu sorriso, seus cabelos, sua pele morena… Meu Deus, a sua boca! Como podem se parecer tanto assim? — sussurra cada palavra com um tom baixo demais. Não contenho as lágrimas.
— Mamãe, por que está chorando? — Jonathan, meu filho pergunta saindo da sua cadeira para me abraçar. Abraço o meu filho e beijo o topo da sua cabeça.
— Era o detetive Max, ele não conseguiu… — Luís para de falar quando ver as lágrimas que molham o meu rosto. — O que está acontecendo aqui, Ana porque está chorando? — Ele inquire áspero, porém eu não consigo lhe responder, apenas choro. Um choro silencioso e os meus olhos estão o tempo todo fixos no homem sério me olhando do outro lado da mesa. Desperto do meu estado de letargia, quando vejo o meu marido partir para cima do homem sentado à minha frente. Ele segura o Edgar com firmeza pelo colarinho bem-arrumado e o põe de pé com um puxão violento.
— Luís… Luís, solta ele! Para, Luís! — peço aos gritos e consigo me encaixar entre os dois gigantes. Tanto o Luís quando o Edgar são extremamente altos e fortes. Luís se afasta ofegante e me encara confuso.
— Mas o quê? — pergunta perdido.
— Querido, este é o Edgar Fassini — explico. Os olhos confusos do meu marido vão para o homem atrás de mim.
— Como assim? — questiona extasiado.
— Eu posso explicar, se me der uma chance. — Edgar pede. Tanto eu quanto Luís, encaramos o homem de aspecto sério e de rosto rude. Edgar Fassini é um homem de 45 anos, como diz no dossiê. No entanto, é um homem muito bem conservado. Não aparenta a idade que tem. Ele tem um corpo forte e malhado. Mesmo usando uma camisa de mangas compridas e um terno preto por cima, é possível notar isso. Ele tem parte dos seus cabelos grisalhos e uma barba cerrada muito bem feita. Seus olhos verdes são calmos e serenos, um contraste absurdo com o rosto quadrado que exibe uma carranca séria.
— Claro, podemos ocupar uma mesa, e… — sugiro, mas ele me interrompe.
— Não, Ana, eu prefiro um encontro mais formal, sem todo esse túmulo de pessoas e esse barulho do ambiente. Estou em um hotel aqui em Copacabana. Será que podemos almoçar juntos amanhã? — sugere.
— Não, eu prefiro que seja em minha casa — peço. — Se não houver problema para você. — Ele sorri, parece satisfeito com o meu pedido.
— Com certeza, não há problema algum. Posso levar um vinho? — indaga sugestivo. Sorrio.
— Claro! Amanhã então? — pergunto, me pondo de pé. — Temos que ir, as crianças devem estar cansadas.
— São seus filhos? — questiona, olhando para as crianças, mas tenho certeza que já tem essa resposta.
— Sim. — É tudo o que digo, ele assente e volta o seu olhar para mim. Não consigo decifrar o que os seus olhos dizem. Pelo jeito, Edgar não é um homem de demostrar suas emoções.
— Eles são lindos, Ana! — Abro um meio sorriso.
— Obrigada! Então, até amanhã!
— Até! — Relutante, sigo caminhando para fora do shopping, abraçada ao meu marido segurando a mão da minha filha. Luís segura a mão do Caio e esse segura a mão do Jonathan.