Capítulo 3

4997 Words
O CONFRONTO. Horas antes do encontro com a Ana… Passei a noite em um bar e entre um copo e outro, eu via a imagem de Rose projetada na minha frente. Ela era tão pequena, tão meiga. Resolvo que não é hora de sentir pena de mim e sim, é hora de correr atrás do tempo perdido. Faço sinal para o garçom e deixo uma nota de cem largada sobre a mesa. Saio do bar me sentindo meio tonto, mas bem capaz de voltar para casa. Subo na moto e acelero ganhando o asfalto quase sem movimento. Minutos depois, deixo a moto na garagem e vou para dentro do meu antigo quarto, onde passei a minha infância, mas que agora, já não me sinto em meu lugar. Essas paredes guardam muitas mentiras. Como eles puderam? Na sala, encontro o meu pai sentado em um dos sofás lendo o jornal. Esse confronto seria algo inevitável. Penso. Ele percebe a minha presença e deixa o jornal de lado. Os olhos claros e frios me encaram duramente e neles não há um pingo de arrependimento. Nem um remorso. Nada. Há apenas uma pedra de gelo em cada retina. Com mais dois passos me aproximo do homem que se diz meu pai. O homem que destruiu a minha vida e que me tornou o que sou hoje. Tão frio quanto ele. Calculista, c***l, intolerante, sem alma e sem coração. Inabalável. Pelo menos até ontem eu era. — Ainda está vivo — fala com um tom seco, sem tirar os seus olhos dos meus. — Esperava que eu morresse? — indago tão frio quanto ele. — Pelo jeito que saiu daqui ontem. Não sei porque ainda fico surpreso — rosna e só consigo pensar que o filho da p**a esteve em casa e não me recebeu. Ficou incluso o tempo todo. Assinto lentamente para o seu comentário. — Imagino que sua mãe lhe contou tudo. — Ele continua. Dou-lhe as costas em silêncio e caminho até o bar de canto sem muita pressa e me sirvo uma dose generosa de uísque. — Aceita? — Ofereço ignorando a sua afirmação. — Não, ainda é muito cedo, penso que você também não deveria. — Rio sem vontade. — Você acha? — ralho irônico. — O que mais você pensa, senhor Fassini? — questiono, me virando e volto a encará-lo. Ele não desvia o seu olhar. p***a ele se acha o dono da vida e que somos suas marionetes que ele pode mexer como quiser e bem entender. — Edgar, filho… — NÃO ME CHAME DE FILHO, p***a! — esbravejo, puto da vida. Observo o meu pai endurecer a face ainda mais e assentindo, ele começa a andar em direção da biblioteca. — Precisamos conversar, e essa conversa não acontecerá aqui, no meio da minha sala onde os empregados possam nos ouvir — diz sem olhar para trás. — Claro, não podemos manchar a reputação do senhor Enrico Fassini — rebato debochado. Ele se quer me olha e continua sua caminhada para o seu destino… O escritório. Entorno a bebida de uma vez, que desce me rasgando por dentro. Respiro fundo, ajeitando o meu terno e o sigo logo atrás do meu pai. O escritório ainda está do mesmo jeito. Velhas estantes de madeira escuras, ladeiam a enorme parede do lado esquerdo do cômodo. A enorme mesa colonial ainda está lá. Os estofados negros… Nada mudou por aqui. Como sempre, ele se senta em sua cadeira imponente, como se fosse um grande rei olhando os seus súditos com o seu olhar superior. Eu não fico por menos. Aprendi a não sentir medo de nada e nem de ninguém. Aprendi a esmagar as feras com minhas próprias mãos. — Sente-se! — ordena. — Por que me fez acreditar que ela havia me abandonado? — Volto a questioná-lo, ignorando a sua ordem. Sou direto, frio, implacável e objetivo. Enrico não deixa por menos. — Não tive um filho para se casar com a filha de uma simples empregada. Rose Falcão não era mulher para você. — Nossos olhos se encaram duramente. Ele é um desgraçado! Destruiu a minha felicidade por puro status. — E quem seria uma mulher para mim, Enrico? — indago apertando firme o copo vazio em minha mão. — Edgar, eu tinha planos para você. Você é o meu único herdeiro, é tudo o que eu tenho. Precisava que você estudasse, que se formasse e se casasse com uma dama da alta sociedade. Não com uma ratinha de esgoto! — Ele brada. Com sangue-frio, eu caminho até a sua mesa, me inclino sobre a mesma e o encaro mais de perto. — O que fizeram com ela? — pergunto entre dentes. Ele apenas me olha. Não há sentimentos, nem amor refletindo em seu olhar. Frio como uma geleira. — A mandei embora — responde com desdém. Pela segunda vez, fui apunhalado e dessa vez pelas costas. — Para onde? — Mantenho minha voz firme, embora essa conversa esteja me quebrando por dentro. Enrico não pode saber que me desestabilizou. — Não sei, não me interessa! — ELA ESTAVA GRÁVIDA, p***a! — esbravejo. — Não grite comigo! — ordena. — Como pôde ser tão c***l? Aquele bebê era meu filho, era o seu neto, como pode expulsá-la? — Continuo a questioná-lo. — Eu não tenho netos bastardos, Edgar! Se quer me dá um neto, faça isso direito! — brada. Dominado pela fera dentro de mim, arrasto tudo que está sobre a sua mesa, levando tudo ao chão. O estrondo dos objetos se impactando no piso de madeira, fazem um barulho que chama a atenção de Mariajú, que bate à porta desesperada. — Vou encontrá-la e a trarei de volta para minha vida — digo entre dentes. — Se fizer isso, o deserdo, Edgar. Não será mais o meu filho! — Gargalho em alto e bom som. — Não preciso de você e nem do seu dinheiro para nada, senhor Enrico Fassini. Se quer saber, deixei de ser o seu filho desde que pus os meus pés para fora dessa casa, a vinte anos. — Ele engole em seco. Pela primeira vez o vejo estremecer e os olhos vacilam. — Eu fiz fortuna, aprendi direitinho. Agora é a minha vez de tomar as rédeas da minha vida. — Se sair daqui para ir procurar aquela maldita rata de esgoto, não precisa mais voltar para casa! — avisa, voltando a sua postura anterior. — Que assim seja, senhor Fassini! Está mais que na hora de ser feliz — rebato, lhe dando as costas e sigo para a saída. Liberdade. A sensação de tê-la é tão maravilhosa! Sinto que posso fazer tudo, sem limites, sem algemas, sem as correntes Fassini prendendo os meus pulsos e pés. Abro a porta do escritório e encontro Mariajú em lágrimas. Seus olhos refletem o puro pânico. — O que houve? — pergunto. — É a senhora Giovanna, a sua mãe Edgar… — Não espero que termine de falar e saio correndo em direção das escadas e subo os degraus quase que voando e invado o seu quarto, a encontrando desacordada em sua cama. Minha mãe está pálida, o seu corpo totalmente inerte e a máscara de oxigênio está caída no chão. Não! Ando em direção da cama lentamente e desolado, eu me sento ao seu lado. Seguro a sua mão, sentindo o quão estão geladas e sem vida e uma lágrima escorre pelo meu rosto, após longos anos sem derramá-las. — Mãe? — A chamo em um sussurro. As lágrimas escorrem sem timidez alguma. Se quer tive tempo de me despedir. Não houve chance. Me sentindo desamparado, eu me debruço sobre o seu corpo e me deixo levar pelo choro dolorido. Algumas horas depois, estou sentado na varanda da casa, observando as pessoas lá dentro através dos vidros transparentes das janelas. Há um caixão bem no meio da sala, muitas coroas de flores, muitas homenagens. As pessoas e olham o seu sono eterno, enquanto andam lentamente e conversam baixinho. Seu Enrico está em pé, diante do caixão, olhando com ternura a sua esposa. Acredito que ela foi a única pessoa que ele realmente amou na vida. Ele não chora, não emite nenhum som, apenas a olha em seu descanso. — Oi! — Uma garota diz se aproximando da varanda. Ela aparenta ter uns quinze anos. Penso em meu filho. Ele deve ter os seus vinte e cinco? Não sei. Já deve ser um homem ou uma mulher. Suspiro. — Oi! — respondo ao cumprimento da garota. Ela sorri. — Posso? — Ela aponta para cadeira ao lado. — Claro. — Você deve ser Edgar. — Ela diz com convicção e eu a encaro aguardando por mais. — E, quem é você? — pergunto. — Me chamo Maria Flor, sou filha de Morgana. — O que me diz me deixa surpreso e automaticamente olho ao meu redor a procura da sua mãe. — Ela me contou muito sobre as histórias de Edgar Fassini e de Rose Falcão — diz atraindo a minha atenção outra vez. Sorrio. Morgana era a melhor amiga de Rose aqui na fazenda. Ela era a pessoa que nos encobria para podermos namorar sem sermos descobertos. Nossa cúmplice, posso assim dizer. — Como está a sua mãe? — Procuro saber. A menina fica séria. — Ela está bem. Soubemos da morte da senhora Giovanna e viemos imediatamente para cá. — Você a conhecia? — A garota parece pensar em uma resposta, mas logo faz um não com a cabeça. — Pessoalmente, não, mas minha mãe me falou muito sobre ela. — Arqueio as sobrancelhas para essa informação. Certo que Morgana viveu aqui desde que nasceu, mas ela sempre manteve distância das fazendas Fassini, pelo óbvio. Enrico Fassini mantinha meus amigos distantes. Apenas assinto para a menina e resolvo sair um pouco, caminhar pelo jardim, até parar na pequena casa onde ela morou. — Senhor Edgar? — Mariana indaga apreensiva. — Será que posso entrar um instante? — peço. Ela puxa a respiração e assente receosa. — O senhor aceita um café? — oferece. — Não, obrigado! — A casa é bem humilde, tem as paredes brancas e alguns poucos móveis. Tem um piso de cerâmica branca e na velha estante de madeira clara, há alguns porta-retratos. Um em especial me chama a atenção. É uma foto minha e de Rose ainda adolescentes em um jardim que eu não reconheço. Em outro há uma foto dela com seus catorze, quinze anos ao lado da melhor amiga que encontrara nesse lugar. Tempos bons. Não havia preocupações ali, apenas diversão e risos. Encaro a imagem por algum tempo, até perceber a presença de Josué no cômodo. — Boa tarde, senhor Edgar, o que faz aqui? — Ele indaga com um tom áspero na voz. Ponho o porta-retratos de volta no lugar e encaro o homem sisudo em pé na minha frente. — Preciso falar com você. — Não temos o que conversar, senhor Fassini, não tenho nada a dizer. — Preciso saber onde está a Rose, para onde ela foi? — Ele me lança um olhar firme. — Josué, por favor, eu preciso encontrá-la! — Não sei onde ela está. Rose deixou de ser a minha filha desde que agiu feito uma vagabunda qualquer — rosna impaciente. — Josué! — Mariana o repreende. — Como pôde expulsar sua própria filha de casa e ainda por cima grávida? — inquiro com um tom intimidante. Josué abaixa os olhos e suspira, me encarando com uma carranca. — Como eu disse, ela não é mais a minha filha — Dito isto, ele me dá as costas. Inconformado, eu encaro a Mariana. — Tenho algo para você. — Ela diz baixinho, como se me confidenciasse algo e tira um papel dobrado de dentro do seu avental branco. — Sabia que viria atrás de respostas, por isso o guardei comigo — fala me estendendo o papel e eu suspiro ao ver que se trata de um endereço no Rio de Janeiro. Engulo em seco. Finalmente há um rastro de esperança correndo em minhas veias. — Mantive contato com ela, nós nos falamos por alguns meses, pelo menos até o nascimento da minha neta. — Neta, é uma menina, uma filha! Tenho uma filha! Meu coração parece que quer sair pela boca. — Menina? — pergunto quase sem voz. Ela assente e deixa as lágrimas escorrerem. Puxo mais uma vez a respiração para conter as minhas lágrimas. — Ana Júlia Falcão, esse é o nome dela. — Ana Júlia. — Pronuncio o nome, sentindo uma sensação diferente dentro de mim. — Esse foi o único endereço que me passou. Não sei se ainda moram no mesmo lugar. Já faz muito tempo. — Vou procurá-las e prometo que vou encontrá-las. Obrigado, Mariana! — Ela se aproxima para me dar um abraço apertado. — Eu não devia te dizer isso — sibila ao se afastar. — Josué é um homem fiel ao seu patrão, ele jamais diria. — Do que está falando? — A interrompo. — Seu pai nos procurou na noite anterior a sua viagem, ele nos deu um ultimato. Lembro-me como se fosse ontem. (…) — Filha atenda a porta por favor! — pedi enquanto tirava a travessa do forno. De repente ouvi o som vozes alteradas na minha sala e corri para ver o que está acontecendo. O pânico se alastrou dentro de mim, quando percebi o senhor Enrico segurando a minha filha pelos cabelos e gritando como um louco descontrolado. — Sua vagabunda, oportunista! Pensou mesmo que ia enlaçar o meu filho? Ele é muito para você. Você é uma rata de esgoto, uma infeliz. Fique longe dele — rosnou agressivamente, enquanto a minha filha gemia dolorosamente com o seu aperto. — Mas o que está acontecendo aqui? — Josué perguntou entrando na sala em seguida. O senhor Enrico encarou o meu marido com fúria e soltou a Rose bruscamente, aproveitei e corri para perto dela, segurando-a com carinho em meus braços. — A vagabunda da sua filha deitou-se na cama do meu filho. É uma oportunista que quer subir fácil na vida, mas, não nas minhas costas! — Ele cuspiu cada palavra como se tivesse nojo de nós. — Diga que isso é mentira, Rose. — Josué pediu quase ficando vermelho de raiva. Rose apenas chorava escondendo o seu rosto em meus braços. — Ela não pode, peguei isso com Morgana. — Estendeu um papel para o meu marido. Eu estava tão nervosa com isso aquilo. — Está grávida, Rose? — Josué perguntou com amargura. Meu mundo estava desabando de uma só vez só sobre a minha cabeça. — Por Deus, filha, diga que isso é engano? — pedi desesperada, mas minha menina só chorava com desespero. — FALA, p***a! — Ele gritou e aquele som me despedaçou, quando senti a minha frágil menina estremecer. — Quero essa vagabunda fora daqui ainda hoje! — Por Deus, senhor Fassini, ela é apenas uma menina! — intercedi, rompendo em lágrimas. — Uma menina esperta demais para o meu gosto! Achou mesmo que eu não descobriria o golpe da barriga? Eu lhes darei duas opções, ela aborta esse bastardo ou vai para rua. — Enrico deu o ultimato e saiu. (…) — Filho da p**a, desgraçado, eu o mato! — brado furioso me dirigindo a porta de saída da casa. Mariana me segura pelo braço, me fazendo encarar os olhos amedrontados. — Edgar não! Sua mãe acabou de ser enterrada, respeite a sua morte. Só, se afaste, esfrie a sua cabeça e pense. Prometa que não enfrentará o seu pai. Se disser uma palavra, eu e meu marido estaremos no olho da rua. — Ela suplica. De repente algo me acomete. — Ela escolheu ter o nosso filho — sussurro emocionado. Ela assente sorrindo em meio às lágrimas. — Encontre-as, Edgar. Essa é uma nova oportunidade para vocês — pede. Meu sorriso se amplia Pela primeira vez em anos, sinto que respiro aliviado. Ela não me deixou de fato. Sinto-me fortalecido, renovado e… vivo outra vez. — Vou encontrá-las e voltarei para buscá-los — prometo e ela sorri ainda mais. — Obrigada, meu filho! Sabia que quando voltasse, resolveria tudo isso. Ajeito o meu terno e caminho de volta para a mansão. **** — Doug, peça que arrume a minha mala — peço ao garoto quando o encontro do lado de fora da casa. — Vai viajar, senhor Fassini? — indaga com uma curiosidade quase infantil. — Julgo que isso não lhe diz respeito! — O repreendo fazendo-o engolir o seu sorriso. — Viu o meu pai? — questiono ríspido. — No escritório, senhor. — O garoto me responde com seriedade e eu assinto entrando na casa. Entro no escritório calado, com as mãos no bolso e um olhar altivo. Encontro Enrico sentado em sua cadeira e a sua frente há um copo cheio de uísque. Uma dose tripla, pura e sem gelo. Seu olhar está perdido, desfocado. Ele parece abalado. Finalmente o vejo vulnerável, confirmando que ele é um ser humano e não uma máquina, como sempre se mostrou ser. — Veio aqui dar o tiro de misericórdia? — inquire bebendo uma quantidade generosa da sua bebida. Calado, eu acendo um cigarro e dou uma boa tragada, soltando uma fumaça espeça que se espalha pelo ambiente. — Está fumando agora? Apague, não admito que faça isso aqui dentro — ordena. Filho da p**a! Nem em uma hora dessas ele desce do seu pedestal. Dou outra tragada forte e o encaro, soltando a fumaça lentamente, ignorando o seu comentário e após dar mais duas tragadas, eu caminho para perto da mesa. Ao contrário da última vez, eu me sento de frente para ele. Faço tudo sem desviar o meu olhar de cima dele. — Você pediu para ela abortar — cuspo com um tom seco e volto a tragar o cigarro, soltando a fumaça em seguida. Ele me lança um olhar surpreso. Provavelmente incrédulo com a minha audácia. — Quem te contou? — Não importa, o fato é que Rose teve a nossa filha — falo entre dentes e ganho mais um olhar surpresa. — Uma bastarda, tão suja quanto a mãe! — rosna. Não espero que ele termine o insulto e o seguro pelo colarinho, o puxando por cima da mesa. Alguns objetos e papéis que estão sobre ela, vão ao chão. — Sabe a ratinha de esgoto? — rebato, entre dentes. — É tão limpa e tão humana que qualquer pessoa que já conheci na vida. Você, Enrico Fassini é a escória desse mundo, tão podre que não tem nada que se possa comparar, e quer saber mais? — O solto e com a minha mão fechada em punho acerto lhe a face. Enrico Fassini cai no chão sem nenhuma chance de apelo. — Vou encontrá-las, nos casaremos e ela voltará a ser minha! E você, não poderá fazer nada quanto a isso. Estou tendo uma segunda chance e não permitirei que você não e nem ninguém destrua isso. Você não é nada, Enrico Fassini! Do que adianta todo esse império, todas as suas conquistas e todo esse dinheiro, se estará sozinho? Vai para o inferno, Enrico Fassini! — brado e saio do seu escritório com passos largos. Na sala, encontro Doug de prontidão. — Suas malas já estão no carro, senhor Fassini. — Assinto dando uma última olhada na casa. Não sentirei falta desse lugar. Não há nada aqui que me segure e pensando assim, seguro a minha mala que está próximo à porta de saída e dou as costas, saindo em busca da tão instante felicidade. No carro, pego o meu celular e ligo para Vivian. — Senhor Fassini, em que posso ajudá-lo? — Prepare o jatinho, Vivian, estou indo para o Rio de Janeiro. — Pela primeira vez faço um pedido baixo e calmo. — Sim, senhor! — diz e a ligação termina. Durante a viagem faço algumas ligações importantes e descubro que Rose não mora mais no endereço que recebi de Mariana, que a Ana Júlia mora em uma casa próximo ao Leblon e que ela tem três filhos. Um casal de gêmeos e mais um garoto. Meu Deus, eu tenho netos! Sorrio amplamente olhando o relatório em meu e-mail. Não encontro nada sobre Rose Falcão nele. Sei apenas que trabalhou como doméstica em duas casas de família e fazia consertos para uma grife. Além disso, parece que apagaram todos os seus rastros. Estou muito ansioso. Não sei como ela irá reagir a minha presença depois de tantos anos e não faço ideia do que falaram de mim para ela depois que sai da casa dos meus pais, mas o que me aflige mesmo é não saber se me verá com outros olhos. Droga! E se ela se casou, se tiver esquecido de mim? A final já faz muitos anos. Puxo a respiração e tiro um cigarro do bolso lateral do meu terno. Preciso de um, ou explodirei de ansiedade. Olho o meu relógio de pulso. Falta pouco menos de uma hora para a aterrissagem e c****e, as minhas mãos já começam a ficar trêmulas e gélidas! — Precisa de algo, senhor Fassini? — Vivian surge ao lado da minha poltrona e pergunta solicita. — Uma dose generosa de uísque, Vivian, por favor! — peço e ala assente abrindo um sorriso profissional e sai, entrando em um pequeno corredor branco. Acendo o cigarro e já na primeira tragada sinto a nicotina aliviar o meu estresse. Desde que saí de casa a alguns anos atrás, procurei algo que me mantivesse com os pés no chão. Tentei várias drogas na minha mocidade. A maconha foi uma delas e depois apostei na bebida, mas o cigarro foi o único que me manteve sóbrio para alcançar o que eu precisava realmente. Após a faculdade, apostei todas as minhas fichas na indústria de laticínios e construí o meu próprio império. A minha satisfação, é que eu não precisei das mãos sujas do meu pai para fazer isso. — Seu uísque, senhor, mais alguma coisa? — pergunta, segurando uma pequena bandeja de inox com um copo sobre ela. Eu pego o copo da bandeja e tomo um pequeno gole da bebida. — Não, Vivian, obrigado! — Ela faz um gesto de cabeça. — Certo, vamos aterrissar em alguns minutos. Com o tempo bom não tivemos imprevistos — avisa. — Ok. — A garota sai me deixando sozinho com os meus pensamentos. Concentro-me na minha bebida e olho pela pequena janela redonda. Minutos depois estamos aterrissando em solo carioca. Minutos depois, sou abraçado pelo calor da cidade, por um céu límpido e azul, e o doce sabor da liberdade. Sorrio. Vida nova. Penso. No carro observo atentamente as pessoas indo e vindo no calçadão da praia. — Para o hotel Copacabana, Charles — ordeno, sem tirar os meus olhos da belíssima paisagem. Olho as praias, as pessoas felizes... São outros ares e confesso que era disso que eu precisava. Quando chego ao hotel, tenho toda uma equipe pronta para me servir. Para isso conto com a minha assessora, Agnes Solano. Seu segundo nome? Eficiência. Ela sabe como gosto das coisas e faz tudo sem eu precisar lhe pedir. No quarto de hotel tomo um banho relaxante e demorado e quando termino, faço o pedido de almoço e sigo para um dos sofás da sala luxuosa. Abro o meu MacBook e de cara já percebo um e-mail da Agnes. Clico no arquivo e mergulho de cabeça nas mais novas e intensas sensações. São fotos, muitas delas. As imagens fazem os meus olhos queimarem em lágrimas quando vejo a sua imagem no meio de tantas outras. Baixo uma pesquisa completa com nomes, endereços. Está tudo aqui, mas, mais uma vez não encontro nada sobre a minha pérola n***a. Nada sobre Rose Falcão. Suspiro quando o meu celular tocar ao meu lado. — Agnes? — falo assim que atendo. — Recebeu o pacote? — Ela vai direto ao assunto. — Sim, mas só vejo dados sobre a minha filha e sua família. — Desculpe, senhor Fassini, mas só tivemos informações sobre Rose até o ano de 2011. Tudo o que conseguimos, passamos para o senh… — É pouco! — A corto bruscamente. — Pagarei o triplo do valor para o investigador. Só… encontre-a! — ordeno e desligo o celular. Ponho o MacBook sobre a mesinha de centro e me deito no sofá. Logo o corpo cansado reclama as noites m*l dormidas. O computador permanece ligado e eu fico aqui, quieto e olhando as imagens brilhando na tela, até que finalmente, sou vencido pela exaustão. Desperto com o celular tocando ao meu lado no sofá e me forço a abrir os olhos cansados e noto que estou rodeado pela escuridão do lugar. Anoiteceu. Constato. p***a, dormi o dia todo! Desnorteado, me sento no sofá e esfrego os olhos para despertar, pego o celular e atendo sem olhar a tela. — Fassini falando. — Desculpe incomodá-lo, senhor! — Minha assessora pede do outro lado da linha. — Sem problemas, Agnes, alguma novidade? — Sim, sua filha, está com a família no shopping, bem próximo ao seu hotel — informa, e se havia algum vestígio de sonolência em mim, ela acabou de se dissipar. — A quanto tempo? — Procuro saber. — Eles acabaram de entrar em um evento infantil, senhor. — Desligo o celular sem esperar ela terminar e ansioso vou para o quarto, entro no closet e procuro uma roupa para esse momento. Depois de vestido, jogo o celular e a carteira no bolso interno do meu terno e saio com passos apressados. No elevador, ligo para o meu motorista. — Charles, me aguarde na frente do hotel. Preciso ir ao shopping. Espero impaciente que o elevador chegue logo ao térreo e quando as portas duplas finalmente se abrem, eu saio como um raio para o lado de fora do hotel. No carro ensaio algumas palavras para dizer a minha filha. p***a! O que dizer para uma filha que você nunca conheceu? Que você se quer sabia da sua existência? De qualquer forma, o que tenho para lhe dizer será impactante, tanto para mim quanto para ela. O carro para no estacionamento do shopping e eu saio do veículo movido pela ansiedade, o medo e o nervosismo. São os sentimentos que me assolam agora. Sigo para a escada rolante que me levará ao segundo andar do imenso e movimentado prédio, na grande maioria crianças acompanhadas de suas famílias. Respiro fundo. A p***a do tempo não anda. Parece que estou dando um passo para frente e dois para trás. Ponho os meus pés na segunda escada rolante com o coração galopando freneticamente. p***a, não posso enfartar sem conhecê-la. Pego o lenço no bolso lateral e enxugo o suor que começa a borbulhar na minha testa. A minha boca fica seca de repente. Um passo… Estou a um passo de distância dela. Observo de longe a Ana encostada ao seu marido, ambos sentados em um banco de madeira, pintado de branco. Luís Renato Alcântara, um conhecido CEO das indústrias de hoteleira e construtora. A emoção me abate quando vejo os meus netos brincando felizes a uma distância considerável dos seus pais. p***a eles são lindos demais! Em algum momento uma das crianças corre para uma das escadas rolantes e movido por um instinto protetor, eu corro em seu socorro, mas não consigo alcançá-lo a tempo, pois recebo um impacto violento e inesperado contra o meu corpo. Eu seguro a garota antes que ela vá ao chão e… Por Deus, é ela! Contenho as minhas emoções e seguro as minhas lágrimas, sentindo o meu corpo gelar imediatamente. p***a, tão parecida com a mãe! Minha pequena pérola n***a. Linda e jovial. O tempo parece parar ao nosso redor. Ruídos, sons de conversas e risadas, nada existe mais, mas tudo parece escapar das minhas mãos quando ela se afasta e se recompõe me encarando com preocupação. — O senhor está bem? — Me pergunta com voz suave. c*****o, sua voz é igual a de sua mãe. Tão parecidas, não tenho palavras. Essas simplesmente fugiram da minha boca. Eu tinha tanto para lhe dizer e agora eu simplesmente não digo nada. — Eu… eu… — balbucio, mas não digo nada. Isso é simplesmente patético, ridículo. — Me desculpe! — Consigo dizer e tento me afastar, mas ela segura em meu braço e no minuto seguinte estou sentado a uma mesa, de frente para minha filha e com a sua família ao meu redor. — Como se chama? — indaga com o seu calmo. Aproveito para revelar quem sou de verdade. — Edgar. — Ana me encara atônita. — Me chamo Edgar Fassini. — O pouco do seu sorriso se vai e Ana fica séria, pálida. Seus olhos escuros lacrimejam e a sua reação me deixa perdido. Ela sabe de mim? De repente me sinto sufocar. — Você é… — Eu sou seu pai, Ana. — Completo sua frase. — Oh, meu Deus! — Ana sussurra levando a mão a boca, enquanto as suas lágrimas ganham proporções e escorrem pelo rostinho afilado. — Você sabe de mim? — indaga emocionada. Sua voz soa tão baixa e embargada que tenho vontade de abraçá-la e de acalmá-la, mas em tom baixo. Não tenho tempo de se quer responder a sua pergunta, porque seu marido parte para cima de mim como se fosse um trator desgovernado. Contenho-me para não esmurrar a sua cara, a final ele está protegendo a minha única preciosidade. — Luís para! — Ela pede exasperada e entra em nosso meio. — Ele é… o meu pai — balbucia com um fio de voz. Luís para a agressão e parece impactado com a revelação. — Mas, como? — Ele pergunta e olha de mim para a esposa. Ela dá de ombros. — Não faço ideia — sibila. Após nos acalmarmos, votamos a sentar a mesa e para a minha surpresa, marcamos um almoço em sua casa para o dia seguinte.
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