A Fera

1020 Words
A sexta-feira daquela semana chegou como um súbito. Imagino que seja porque eu estava ansiosa, temendo o que aconteceria. Eu não podia contar com mais ninguém. E agora já estava feito. Meu plano era: fazer esse encontro acontecer e finalmente me livrar dele. O que na teoria, parece ser bem fácil. Addison adorava o balé. Ela faz desde os 2 aninhos de idade, assim que começou a andar firmemente no chão. Eu lembro o quanto ela adorava dar piruetas em cima da cama e o Jasper sugeriu que eu a colocasse em algum esporte como ginástica rítmica ou balé. Na nossa cidade não tinha nenhum ginásio de ginástica para crianças então optamos por balé no fim das contas. Todos os anos nós nos deliciávamos em suas apresentações, eram como um bálsamo para nossas almas vê-la dançar tão delicada e suavemente pelo salão. Todo natal, elas ensaiavam um musical para dançar, a desse ano era A Bela e a Fera. Addison está ensaiando para se tornar a Bela, mas eu já alertei-a que não seria fácil conseguir, já que outras garotinhas da sua turma também estavam tentando muito. Addison era extremamente compreensiva, apesar de competitiva, então "perder" não era um problema para ela. Eu coloquei a roupinha de balé nela, por volta das 14 horas. Prendi seu cabelo em um coque bailarina e pus suas sapatilhas. Por fim, entramos no carro. — Como vai o ensaio, querida? — Questionei, enquanto dirigia. Ela deu uma mordida no seu bolinho de saia e respondeu: — Bem cansativo. Eu ergui uma sobrancelha, indagando onde ela havia aprendido aquela palavra nova. — É assim mesmo. — Confortei. — Você acha que vai conseguir ser a Bela? Ela pensou bem dando mais uma mordida no bolo e depois um gole do suquinho de caixa. — Acho que sim, mas eu não queria, mamãe. Eu olhei o seu rosto para entender o que ela estava tentando dizer. — Como assim? — Não gostei da dança da Bela. É chato! — Bufou a garotinha. — E quem você gostaria de ser? — A FERA! — exclamou. Eu gargalhei, mas parei logo quando percebi que ela estava sendo 100% sincera. — Bom... — Pigarreei — Acho que posso conversar com a sua professora e ver o que ela pode fazer então. — Decidi. Addison abriu um sorriso de orelha a orelha, demonstrando que estava contente a ponto de deixar o bolinho de lado para aplaudir o que tinha escutado. Nós estacionamos em frente da academia de artes. Ela me deu um beijo na bochecha e correu para dentro do salão. Não era permitido pais ou responsáveis assistirem as aulas, mas como eu não tinha nada mais para fazer, fiquei esperando encostada no carro. No intervalo, chamei a professora e expliquei a ela o que havia acontecido. Ela me lançou um olhar de reprovação. — Mas ela seria uma Bela perfeita. — Retrucou. — O problema é que ela acha chato. E se minha filha quer ser A Fera, eu preciso apoiar isso. A professora sorriu. — Safira, nós respeitamos a liberdade artística dos nossos alunos, mas não podemos apoiar as suas libertinagens. — Libertinagem? O que quer dizer com isso? Minha filha não é libertina! — Exclamei. — Eu sinto muito. — Respondeu, sem me dar ouvidos, e entrou novamente no salão. Eu estava furiosa! Qual o problema se ela quer interpretar A Fera? Seria menos "feminina" por isso? Em que século estamos, afinal? Vi Adam se aproximar na sua moto preta, diferente da que era alguns anos atrás. Eu comecei a suar frio, faltavam apenas 30 minutos para Addison ser liberada da aula. — Oi. — Cumprimentou. Eu sorri, falsamente. — O que houve? — Perguntou ele. — A Addison está ensaiando para uma peça i****a da Bela e a Fera, o qual ela decidiu que não quer ser a Bela e sim a Fera. — Irado! Ela tem personalidade própria. De quem será que ela puxou isso? Eu revirei os olhos. — Enfim, isso não importa porque a professora não deixou. — Concluí. Ele fez uma expressão de desapontamento, mas preferiu não dizer mais nada. Alguns minutos depois, Addison caminhou para fora do salão, junto dos outros alunos. Ela veio até mim com o rostinho vermelho, e me deu um abraço, pedindo colo. Eu coloquei ela nos braços e ela deitou a cabecinha nos meus ombros. Adam coçou a garganta, estava ansioso para conversar com ela. — Filha, quero que conheça o amigo da mamãe... — Preferi não citar seu nome, só caso ela queira dizer mais tarde. Addison levantou a cabeça e encarou o Adam por alguns longos segundos. A menininha arregalou os olhos e disse: — Mamãe, é ele! Meu coração disparou. Eu não lembrava que ela já havia o visto na escola antes. — Ele quem, amor? — Perguntei, me fazendo de desentendida. Adam continuava sorrindo. — O homem que eu brinquei na escola. — Claro que não. — Retruquei — É só alguém muito parecido com ele... — Não, mamãe. Eu tenho certeza! — Afirmou — É você, não é? — Addison perguntou ao Adam. — É, sou eu. — Ele confirmou. De uma maneira autêntica e espontânea, Addison se joga dos meus braços para abraçá-lo, como se fossem bastante amigos. — Que bom que eu não sou doida — Sussurrou. Adam deu risada. — Você não é doida. É só uma garotinha bastante inteligente. — Meu nome é Addison. — Ela disse. — Meu nome se parece muito com o seu. É Adam — Confessou, para minha tristeza. — Sim, só que sem o "ison" — Addison reparou, achando divertido. — Como se fôssemos pai e filha. Eu empurrei Adam com os ombros e ele percebeu que estava passando dos limites. A menina abriu um sorriso, e então alguns dos seus colegas passaram correndo na sua frente. Ela olhou para mim e indagou: — Mamãe, posso brincar com eles um pouco? — Claro, amor. — Respondi. — Mas só um pouco, tudo bem? Seu pai chegará em casa logo. Ela aquiesceu, desceu dos meus braços e saiu correndo atrás das outras crianças.
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