Meu amor em fuga

1157 Words
Noah era tudo o que ela pensava, filho de um gênio da tecnologia e de uma lutadora tão mortal quanto uma noite na selva. Ele cresceu sendo a melhor parte de ambos. Quando soube que a menina tinha se oferecido para aquele acordo de casamento, o rapaz não perguntou, nem chorou, muito menos sentiu raiva como Anne acreditava. Ao contrário, decidiu que impediria aquela loucura mesmo que precisasse morrer tentando. Acordou meio zonzo, perdido entre a realidade crua de ter sido apagado pela própria mãe e a ausência dolorosa de Anne. Olhou para Lis com o coração cheio de decepção. A mãe sempre tinha sido seu porto seguro, a melhor amiga, o colo gentil, mas também as broncas que duravam horas e horas. E justamente ela tinha feito aquilo que jurou nunca fazer. — Não vou tirar nada de você, fedido. Vou te avisar o perigo, vou sangrar se você chorar, mas nunca vou te impedir de fazer nada. Então, não me faça sangrar ou eu te quebro a cara. Para qualquer um podia soar como uma ameaça, ele sabia que era uma declaração de amor e confiança. Algo que ela quebrou no instante em que o impediu de fazer a única coisa que realmente queria, que sempre quis. Abraçar Anne. Subiu as escadas da casa em que morava pulando os degraus de dois em dois. Enquanto o computador iniciava... Ele ligou para a namorada, precisava de um endereço, só isso. Homens mortos não se casam com ninguém e Rafael Treviño morreria, ele e qualquer outra pessoa que ousasse machucar aquela menina. A respiração difícil, a mesma mensagem inútil indicando que o telefone estava fora de área. Jogou o aparelho na parede com tanta força que os pedaços se espalharam em uma pequena explosão. Voltou para o computador, tentou de tudo, mas nada dava resultado. O silêncio na tela, o grito preso no peito. — Cadê você, corujinha? Noah cresceu conhecendo o pior dos seres humanos, a própria mãe era uma sobrevivente. Uma história feia, tão feia que ele ouviu uma única vez e que ainda ecoava na mente dele. Não aconteceria com Anne! Não se ele estivesse vivo para impedir. Foi treinado desde criança, entre códigos, respirou fundo, afastou da mente a violência e focou no que precisava. Digitou tão rápido que outra pessoa jamais acompanharia com os olhos. Primeiro acessou o e-mail dela. Parou um instante quando descobriu que a senha dela era o nome dele. — Linda! Passou os olhos, não havia nada. Então foi para o histórico de localização no Google. Nada. Tudo zerado! A última localização tinha sido exatamente ali, no condomínio. Quase como se ela tivesse sido tragada por aquelas montanhas. Puxou os backups. A nuvem sempre guarda mais do que promete. Conseguiu metadados de uma selfie enviada há dias. Extração latitude, longitude, modelo do aparelho, nível da bateria. Abriu a foto, era para ele. Uma foto linda, uma marca vermelha no seio da garota e a mensagem. — Pensando na gente. Ele tinha deixado aquela marca ali, e só ele faria isso! Enquanto um script rodava no plano de fundo acessando câmeras públicas da região, ele cruzava dados de transporte privado e transferências bancárias. Invadiu o sistema de vigilância de várias companhias aéreas, mas foi por um translado que ele desconfiou. Clonou o número do motorista, usou a voz dele pra entrar em contato com a central da empresa e pedir os dados da corrida. Simulou uma falha de sistema. Copiou todos os logs em tempo real. Estava quase acessando os registros dos hotéis de Fernando de Noronha quando a voz de Lis o interrompeu. — Fedido. Não parou de digitar. — Estou ocupado, mãe. Lis tinha certeza de que sim, sabia exatamente o que o filho faria, assim como também sabia que mais cedo ou mais tarde, Noah encontraria a namorada. Ele era bom, tão bom quanto o pai. Eles não liam códigos como hackers comuns, eles sentiam aquilo como um músico sente cada uma das notas que saem de um instrumento. Colocou o endereço de Anne sobre a mesa. — Nem todas as respostas estão atrás de uma tela, sabia? Contou que Anne havia sido enviada pelo pai para uma ilha brasileira e que estava protegida por dois dos soldados mais respeitados da organização. Tank e Nick cuidariam pessoalmente da segurança da filha de Sombra, ainda assim, para Noah aquilo não tinha a menor importância. Só ele podia cuidar dela! E Lis concordava. — Vai buscar a minha nora, vai. Vocês são perfeitos juntos. Noah descobriu muitas coisas naquele dia, mas a principal foi que ele não era tão bom em camuflar provas como acreditava ser. Lis sabia do romance escondido dele com a menina há muito tempo, no começo ele achou que a mãe estava se afastando dele, agora entendia ser respeito. Antes dele começar a namorar, Lis sempre passava pelo quarto do filho, deitava com ele na cama por alguns instantes. Conversavam sobre o dia. Coisas bobas como um jogo de futebol ou um prêmio de tecnologia. Noah amava aqueles momentos, em seguida o pai aparecia e roubava a esposa. Pablo era o responsável pelo controle noturno de todas as operações cibernéticas da máfia. E isso incluía muitas coisas. Lis seguia o marido, passava a noite com ele no centro de controle, eram tão colados que o rapaz cresceu sonhando exatamente com aquele tipo de amor. Não funcionou. Terminou apaixonado por uma garota que ele achava quase inalcançável. Já tinha tentado de tudo, mais horas de exercícios para deixar os músculos ainda maiores, andar sem camisa no meio do condomínio, fingir estar bravo, tentar ser doce. Mas a reação de Anne era sempre a mesma. Durante o dia era fria como a Antártida e a noite quente como o núcleo da terra. E ele achava entender, ela era bonita demais para querer um cara comum. Noah era só um dos atiradores, nada além disso. Enquanto ela era a filha do Presidente do Conselho, tinha o corpo mais perfeito que ele já tinha visto, os olhos de um anjo e o sorriso de um demônio. Noah agarrou o papel com tanta força que quase não sentiu os dedos, correu, perdeu um dos tênis no degrau, tombou por cima do corrimão e caiu com as costas no chão. Doeu, mas não soltou o papel. Lis passou do pânico para a incredulidade quando viu Noah se levantar e continuar correndo sem o tênis. Decidiu acompanhar o filho até o aeroporto, ele não tinha condições nenhuma para dirigir. Havia puxado ao pai, sentia tudo com loucura. E essa era uma péssima herança. Apesar disso, ajudou. Comprou agasalhos em uma loja de conveniência, esperou até que o avião partisse e voltou para casa pensando que Anne tinha muita sorte. E há mais de oito mil quilômetros de distância dali, a menina pensava exatamente o oposto enquanto puxava uma mala pesada demais para o tamanho dela e um coração despedaçado de saudade.
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