Helena narrando
capítulo 04
Tem gente que entra na tua vida e muda tudo sem nem precisar falar muito. A Luna foi assim. Desde pequena, eu já sabia que a gente não era só amiga, era tipo alma dividida em dois corpos diferentes. Ela é o silêncio que pensa antes de agir, eu sou o impulso que fala antes de pensar. E mesmo assim, a gente se completa como se tivesse nascido pra se equilibrar.Lembro da primeira vez que vi ela chorar e olha que a Luna não chora fácil. Tava sentada na escadaria da casa dela, o rosto sujo de pó e os olhos marejados, enquanto lá embaixo o som das sirenes cortava o ar. Eu sentei do lado dela, não disse nada, só fiquei ali. E desde aquele dia, decidi que onde ela tivesse, eu ia estar também. Mesmo que o mundo desabasse, mesmo que o morro pegasse fogo.
Crescer no Cruzeiro é aprender rápido o que é lealdade. Aqui a gente não escolhe o que vai enfrentar, mas escolhe quem vai estar do lado quando tudo desandar. E eu escolhi ela.Luna é filha do homem mais temido do morro, e isso faz o nome dela pesar. Todo mundo respeita, mas também se afasta. Só que eu sei que por trás desse sobre nome tem um coraçao de uma menina que sente, que sonha, que quer viver outra vida longe das armas e dos segredos. Ela é forte pra caramba, mas às vezes eu vejo no olhar dela um cansaço que ninguém percebe. Um tipo de solidão que vem de carregar o sobrenome que tem .
A gente sempre quis mais. Desde que estudava à luz de vela quando o tiroteio cortava a energia, até as madrugadas em que ficava imaginando o futuro. A Luna dizia que queria ser invisível, eu dizia que queria ser professora pra fazer o mundo ouvir a voz de quem nunca teve chance. E de algum jeito, a gente tá fazendo acontecer. A faculdade e tipo um milagre pra nós duas. Ver ela sentada na primeira fileira, toda concentrada, me dá um orgulho que nem sei explicar. Ela tenta se esconder, mas não dá. A Luna tem uma presença que faz o tempo parar, até quem não conhece sente. E eu percebi que o professor William também sentiu.
Não sou cega fico do fundo so de olho, nao passa batido como.os dois se olha . O olhar dele pra ela não é o de um simples professor. E o dela pra ele… é o de quem tá brincando com fogo. Eu brinco, faço piada, mas no fundo fico com medo. Porque sei que quando o coração se envolve, não é de leve. Mesmo assim, eu entendo. Quem sou eu pra julgar? A gente cresceu cercada de perigo, mas tem coisa que é mais perigosa que bala sentimento. E a Luna tá pisando nessa linha sem nem perceber.
Mas não importa o que aconteça, eu vou estar aqui. Pra segurar a mão dela se der medo, pra rir quando ela quiser fingir que nada tá acontecendo, pra lembrar que mesmo no meio da merda toda, a gente ainda tem uma à outra.
Ela é minha irmã de alma. Minha metade calma. Minha âncora quando eu quero sair voando.E se um dia o mundo virar as costas pra ela, eu viro junto. Porque amizade, pra mim, não é estar só nos dias bons é ficar nos dias em que o chão parece sumir.
Então, se ela quiser se arriscar nesse sentimento proibido, que se arrisque meu pano são de todas as cores pra passar pra ela .
Depois que deixamos ela em casa , minha mãe parou em frente à nossa casa e eu desci falei que ia joga uma agua no corpo e desce pra comprar um açaí, o olhar desconfiado como ela sempre faz . Mas tambem nem falou nada ela sabe que acai e meu vicio.Minha mãe e aquela que quer sempre quer saber de tudo , mas nem tudo dá pra contar mesmo ela sendo minha amiga pra todas as horas , ela é um exemplo de mulher forte e destemida , a mulher que teve que se reinventar depois da morte do meu pai , ela é quem tenta suprir todas as necessidades, mas a falta que ele me faz nunca ninguém vai suprir. Meu herói não usava capa, ele usava um colete e uma fuzil atravessada ,mas nem isso fez com que tirasse ele de nois .Eu sinto tanta falta, eu sei que ela também, tem dias que só pelo olhar dela eu sei que ela chorou de saudade, mesmo ela negando so pra nao me deixar m*l . Seguimos assim , a dor da saudade nunca passa, ela parece esmagar o coração como se tivesse espremendo a fruta pro suco sabe ? mais eu sei que onde ele estiver está olhando por nós.
Tava de shortinho jeans e croped , cabelo solto e havainas no pe . Peguei o dinheiro e desci a viela sentindo o vento da tarde batendo no rosto. O morro tava naquela calmaria estranha, de quando parece que tudo tá em paz, mas a gente sabe que qualquer coisinha pode virar o jogo. Fone no ouvido, cabeça cheia, só pensando no açaí geladinho pra aliviar o calor e a saudade que sempre vem quando penso no meu pai. Dobrei a esquina e, antes mesmo de chegar na vendinha, ouvi a voz que eu conhecia bem.
- E aí, professora do morro... nem cumprimenta mais os cria? o Mano G encostado na moto, sorriso de canto, aquele mesmo ar de quem sabe o efeito que causa. Revirei os olhos, mas não consegui segurar o riso.
- Vai começar, G? Tô com pressa, quero só pegar meu açaí e vazar.Revirei os olhos, mas não consegui segurar o riso.Ele riu, deu um passo pra frente e, como quem não quer nada, fechou o caminho com o corpo.
- Ih, calma, nem falei nada demais. É que faz tempo que cê nem olha pra mim... pensei que tivesse esquecido.
-Esqueci não, só aprendi a escolher melhor por onde eu ando. Cruzei os braços, tentando disfarçar o nervoso.O olhar dele desceu devagar, me analisando como quem lê um livro antigo que já decorou, mas ainda gosta de folhear.
- Tá bonita, Hel... sempre teve esse jeito marrenta, mas cê sabe que isso me chama atenção.
- E você continua o mesmo falador . rebati, tentando passar pelo lado, mas ele se moveu de novo, brincando.
-Calma aí, princesa, não precisa fugir. Só queria trocar uma ideia, lembrar dos velhos tempos...Suspirei fundo, meio rindo, meio irritada.
- Velhos tempos, G, ficam onde tem que ficar no passado.Ele fez um biquinho fingindo ofensa, mas o olhar entregava o deboche.
- Mas se quiser relembrar, eu ainda tô por aqui, hein? Só chamar.Balancei a cabeça, passando por ele com firmeza.
- Você não muda, né?
- Pra quê mudar se do jeito que eu sou já te tirava do sério? - ele respondeu, rindo alto.
Dei um meio sorriso, sem olhar pra trás. O coração ainda acelerado, mas não era mais o mesmo de antes. Eu sabia exatamente o tipo de perigo que o Mano G representava , e não era só de bala perdida. Era o tipo de perigo que mexe com a cabeça da gente, faz lembrar o que já devia ter sido esquecido.Com o copo de açaí na mão e a mente bagunçada, voltei pra casa pensando em como, nesse morro, até os reencontros têm cheiro de pólvora e saudade.
Vamboraaa meus amores add na biblioteca ....