capítulo 02 - William

1496 Words
William narrando capítulo 02 Acordei antes do despertador, como sempre. A casa ainda cheirava a lembrança recente. Faz pouco mais de dois meses que ela foi embora, mas ainda tem roupa dela em alguma gaveta, perfume grudado na toalha, e o eco da voz dizendo que não dava mais. Cinco anos e meio resumidos em uma frase. “A gente parou de se reconhecer.” Talvez ela tenha razão. Ou talvez eu só tenha cansado de tentar. De pé na cozinha, encostei no balcão com a caneca quente nas mãos, olhando pela janela o céu meio alaranjado .A cidade começava a acordar, buzinas distantes, o som dos ônibus, o caos rotineiro de quem mora proximo de tudo no Rj . E eu tentando lembrar em que momento tudo começou a desandar. O casamento, a carreira, eu. A verdade é que eu sempre fui bom em manter as aparências. O professor sério, o homem estável, o marido que cumpre o papel. Até que a rotina virou prisão, e o que era costume virou vazio. Marina dizia que eu vivia mais pros outros do que pra mim. Talvez vivesse. Eu carrego esse peso de ser exemplo no trabalho, na família, até nas pequenas conversas. E, no fim, acabei esquecendo o que me fazia respirar de verdade. Hoje, o que me sobra é a sala de aula. O único lugar onde o tempo desacelera. Onde ainda sinto que algo vale a pena. Coloquei a pasta sobre o sofá e ajeitei a gola da camisa antes de sair. O mesmo ritual de sempre. A camisa social preta que parece que uso a mesma todos os dias , o relógio no pulso, o cabelo penteado pra trás. A aparência de quem tem o controle de tudo. Ironia pura. No caminho pra faculdade, deixei o rádio tocar qualquer coisa, mas a cabeça tava longe. Não era sobre Marina, nem sobre o divórcio. Era sobre a sensação de recomeço. Essa linha entre o que eu quero e o que eu posso. E, ultimamente, o que eu quero tem nome, olhos Claros e um olhar que me desmonta cada vez que se cruza com o meu. Luna. Desde a primeira aula, tem algo nela que me desestabiliza. Não é só beleza e ela tem de sobra , é o silêncio. O tipo de silêncio que diz mais do que qualquer palavra. Tem gente que grita sem abrir a boca, e ela é uma dessas. Observa como quem carrega segredos demais pra idade que tem. E talvez carregue. Eu tento não reparar, juro que tento, mas o olhar dela me persegue mesmo quando desvio. E quando ela finge que não tá me olhando, sei que tá. É impossível não sentir. No estacionamento, desliguei o carro e fiquei uns segundos olhando o próprio reflexo no retrovisor. É só uma aluna , eu me repeti pela décima vez essa semana. Mas a verdade é que eu já ultrapassei essa linha em pensamento há muito tempo. E isso me assusta. Não sou moleque, sei das consequências. Um erro, uma atitude impensada, e tudo que construí pode ruir. Só que tem coisa que a razão não controla e o desejo é uma delas. Entrei na sala cedo, antes de todos. Organizei os papéis sobre a mesa, liguei o projetor, respirei fundo. Um professor pronto pra mais uma aula. Um homem tentando fingir que não sente. O barulho das cadeiras sendo arrastadas me avisou que o turno tinha começado. Um a um, os alunos foram entrando. Vozes, risadas, o cotidiano normal de uma turma de Letras. Até que ela apareceu. Luna.Cabelo solto em ondas , roupa colada , olhar atento. Fingindo distração, mas eu percebo. Ela sempre chega antes da maioria e senta no mesmo lugar primeira fileira, à esquerda. É impossível não notar. - Bom dia, turma. A voz saiu firme, apesar da tensão nos ombros. - Bom dia, professor. Alguns responderam. Ela não. Só me olhou. Por um segundo, o tempo parou, umideci os labios sob o olhar atento dela . Comecei a explicar sobre a estrutura narrativa, tentando me manter concentrado, mas bastava ela cruzar as pernas, mexer no cabelo ou morder o lábio inferior que tudo dentro de mim bagunçava. Eu me odeio por isso.Parece que estou querendo uma aventura pós divórcio. Mas, no fundo, sabia que parte de mim gosta dessa guerra interna. - Luna, qual é a resposta? Perguntei, de propósito, tentando quebrar o clima. Ela piscou, assustada. Não tinha prestado atenção. O resto da turma riu. Eu não. - Pode repetir o que eu disse? completei, mantendo o tom neutro. Ela desviou o olhar, envergonhada, e respondeu baixo. -Desculpa, professor. Me distraí. “Me distraí.” A palavra ficou martelando. Eu devia seguir a aula, fingir indiferença. E fiz isso. Mas bastou o lápis dela cair, o toque rápido dos nossos dedos, o arrepio involuntário ,pra eu entender que não e coisa só da minha cabeça. No fim da aula, esperei todos saírem. Fiquei sozinho na sala por alguns minutos, olhando pro quadro ainda coberto de anotações. Cinco anos e meio de um casamento sem chamas, e bastaram algumas semanas pra uma garota me fazer sentir vivo de novo. Mas também me fazer lembrar por que o desejo é perigoso. Porque ele sempre cobra um preço. Fechei o notebook e suspirei. Ainda não sei o que é pior o silêncio da casa vazia, ou o som da voz dela dizendo meu nome. E o mais louco é que, mesmo sabendo o tamanho do abismo, tem uma parte de mim que quer ver até onde dá pra pisar . Saí da sala com a cabeça fervendo. Aquele tipo de cansaço que não vem do corpo, mas da mente. Do que você tenta esconder e não consegue. Passei o crachá na catraca, desci as escadas. O campus já começava a esvaziar, e o barulho dos alunos indo embora misturava-se com meus pensamentos, que insistiam em voltar pra ela. Luna. O meu olhar procurou algum vestígio dela por ali mais como sempre ela é uma das primeiras a chegar e a ir embora . Toda vez que digo o nome dela, mesmo em silêncio, algo em mim se move. Eu não queria isso. Não devia. Já vi colegas perderem tudo por muito menos. E, ainda assim, aqui estou, vivendo esse conflito em silêncio, como se fosse adolescente outra vez. O problema é que ela não faz nada. Não provoca, não força, não joga. É só ela simples, curiosa, intensa no olhar e distante na fala. E talvez seja isso o que mais me atinge. Não é o corpo dela, é o mistério. A sensação de que existe um mundo por trás daquele olhar quieto, e eu quero descobrir o que tem ali. No estacionamento, sentei no carro, mas não liguei o motor. Fiquei parado, só ouvindo o barulho dos estudantes rindo do lado de fora, da vida que segue fácil pra quem ainda não carrega tanto peso. Peguei o celular, abri a galeria, fechei. Abri de novo. Não sei o que procurava. Às vezes, a saudade de Marina bate, não por amor, mas por hábito. Por saber o que esperar. Agora, tudo parece incerto. Liguei o carro, saí devagar, o trânsito da Tijuca já embolado. No sinal fechado, uma lembrança me atravessou a primeira vez que vi Luna. Ela tava debruçada na carteira, anotando tudo o que eu dizia com uma concentração absurda. Os outros conversavam, riam, e ela parecia em outro tempo. Eu pensei que era só mais uma aluna aplicada. Até ela levantar o olhar e me pegar observando. Ali começou o problema. Estacionei em frente ao prédio e fiquei um tempo dentro do carro, sem vontade de subir. O apartamento parecia mais frio a cada dia. Abri a porta e o silêncio veio me receber, como sempre. As fotos nas molduras ainda me julgavam da estante um casamento sorridente que já não fazia sentido. Peguei uma delas, encarei por uns segundos e guardei dentro de uma gaveta. Talvez fosse hora de parar de fingir que ainda existia algo ali. Abri um vinho, sem taça, direto no copo de água. Sentei no sofá e deixei o som do relógio preencher o vazio. Eu sei que tô brincando com fogo. Sei também que tem algo errado em desejar quem eu não devia. Mas o que eu sinto quando ela me olha... não tem nome. É impulso, é lembrança de quem eu fui antes de virar esse homem controlado. Amanhã tem aula de novo. E eu sei que vou acordar pensando nela. Que vou olhar pra primeira fileira e tentar disfarçar o que sinto. Fingir que é só mais uma aluna. Fingir que eu ainda sou o mesmo.Mas cada vez que o olhar dela cruza o meu, essa farsa vai ruindo um pouco mais. E no fundo, talvez eu nem queira impedir. Vamboraaaaa meus amores adicionem na biblioteca as atualizações diária começam dia 27/10 ajude a autora de vcs ,indique pra amiguinha e vem surta ....
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