– Você vai ao meu lado. Use vermelho.
Foi tudo o que Lorenzo disse ao me entregar o convite, poucas horas antes do evento.
Não me perguntou se eu queria ir. Não perguntou se eu estava preparada. Apenas me informou.
O cartão dourado trazia letras elegantes: Gala Beneficente da Fundação Salvatore.
Meu “marido” era o anfitrião da noite. E eu, a boneca nova que ele pretendia exibir.
Voltei ao quarto com o papel nas mãos, o estômago apertado. Marta, a governanta, já me esperava com quatro vestidos espalhados sobre a cama, como se tudo já estivesse ensaiado.
Todos em tons de vermelho.
Escolhi o menos chamativo, embora todos tivessem decotes generosos. O tecido era justo, moldava minhas curvas com precisão e terminava logo acima do joelho. Me vesti em silêncio, sentindo o coração acelerar a cada segundo.
Não era só o vestido.
Era o medo do que estava por vir.
Eu sabia que aquela noite não seria apenas uma apresentação. Seria um teste. Um palco.
E o público era c***l.
O salão da gala parecia saído de um filme. Lustres de cristal, música ao vivo, garçons impecáveis, mulheres com vestidos de milhares de reais e homens de terno sorrindo falsamente. Um mundo que eu nunca tinha pisado — e que agora fazia parte da minha nova realidade.
Lorenzo estava ao meu lado, impecável em um terno preto com gravata vinho. Seu braço estava ao redor da minha cintura, firme, possessivo. Para os fotógrafos, éramos o casal perfeito.
Para mim, éramos apenas uma encenação disfarçada de pesadelo.
– Lembre-se do seu papel – ele murmurou, próximo demais do meu ouvido. – Esposa sorridente. Orgulhosa. Submissa, se possível.
– Submissão não faz parte do pacote – respondi entre dentes, sem olhar para ele.
– Então seja convincente. Ou vai sofrer mais do que já imagina.
Avançamos juntos entre os convidados. Flashs estouraram. Pessoas nos cumprimentavam com sorrisos forçados. “Parabéns pelo casamento!” “Que casal lindo!” “Quando foi a cerimônia?” – perguntas que eu respondia com frases decoradas e olhos apertados.
Até que, é claro, Mirella apareceu.
Ela usava um vestido dourado colado ao corpo, salto agulha e um sorriso venenoso.
– Alina – disse ela, me puxando para um abraço falso. – Que prazer vê-la em um evento… civilizado.
– O prazer é todo meu – respondi, mantendo o sorriso. – Imaginei que estaria em outro lugar. Um com menos espelhos.
Ela soltou uma risadinha e segurou minha mão, fingindo gentileza.
– O anel é lindo. Fico feliz que ele tenha te dado o mesmo que me deu, anos atrás. Economizou bem.
Minha expressão endureceu. Antes que eu respondesse, ela se virou para Lorenzo.
– A Fundação agradece sua presença, querido. Sempre generoso com suas... esposas.
Ele não respondeu. Apenas sorriu, como se estivesse se divertindo. E isso me irritou ainda mais.
Seguimos por mais alguns minutos entre sorrisos e bajulações. Até que Lorenzo me deixou sozinha por alguns instantes para conversar com investidores, me prometendo voltar logo.
Foi aí que os abutres vieram.
Três mulheres se aproximaram, todas elegantemente maquiadas, todas sorrindo com falsidade. Eu já tinha visto o tipo.
– Então você é a nova Sra. Salvatore – disse uma, com voz doce demais.
– De onde se conhecem? – perguntou outra. – Faculdade? Ou… trabalho?
– Nem uma coisa, nem outra – respondi. – Apenas um golpe de sorte.
– Dizem que seu irmão tem problemas com a justiça – comentou a terceira, segurando a taça de champanhe com delicadeza. – Que coincidência ele ter sido libertado justo quando você se casou com Lorenzo.
Engoli em seco. O veneno era sutil. Mas real.
– Coincidências acontecem, não é? Por exemplo, eu coincidentemente estou tendo que ouvir esse tipo de comentário vindo de três estranhas entediadas.
Os sorrisos desapareceram por um segundo. Até que uma delas se aproximou mais.
– Só um aviso, querida. Mirella nunca perde o que quer. Nem mesmo quando outra mulher tenta pegar.
– Eu não peguei nada. Tudo que tenho… foi oferecido.
Antes que a conversa piorasse, uma presença firme surgiu ao meu lado.
Lorenzo.
Ele pousou a mão nas minhas costas com firmeza, olhando para as mulheres.
– Algum problema?
– Nenhum – respondeu uma delas, engolindo o orgulho. – Estávamos apenas conhecendo sua nova esposa.
– Que bom. Mas a próxima vez que quiserem conhecê-la, marquem uma hora. Ela não é parte do cardápio.
Elas se afastaram, visivelmente desconcertadas.
– Você devia ter me deixado responder – murmurei. – Eu não sou sua boneca indefesa.
– Eu sei. Mas hoje você é minha esposa. E ninguém humilha minha esposa. A não ser eu.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. Depois, ele me ofereceu a taça de champanhe.
– Beba. Vai precisar.
Peguei, mas não bebi.
– Você está gostando disso, não está?
– Gosto de te ver nervosa. Você fica… encantadora quando está prestes a explodir.
– E você é um i****a.
– Um i****a rico, poderoso… e agora, seu marido.
O jantar foi servido em seguida. Sentamos à mesa principal, diante de dezenas de olhares curiosos. Senti o peso dos olhos da mãe dele, que me analisava como um inseto sob lupa. Mirella, do outro lado, sorria com o canto dos lábios, como se esperasse que eu cometesse um erro a qualquer momento.
Lorenzo, por sua vez, parecia no controle de tudo. Respondia perguntas, fazia discursos, apertava mãos. Era um rei no próprio castelo.
E eu? Uma rainha sem trono, lutando para não desmoronar.
Depois do jantar, Lorenzo me puxou discretamente para um canto reservado do salão. Uma sacada com vista para a cidade.
– Está indo bem – disse ele, aproximando-se. – Melhor do que eu esperava.
– Que bom que te surpreendi – murmurei. – Pena que não me importa.
Ele segurou meu queixo, fazendo meu rosto se erguer para o dele. Seu toque era quente. Firme. Intimidador.
– Você vai se importar, Alina. Quando menos esperar.
– Não se iluda. Eu nunca vou te amar.
– Amor? – ele riu. – Isso nunca fez parte do contrato. Mas desejo… isso é inevitável.
– Está sonhando.
– Estou te observando – sussurrou, os olhos cravados nos meus. – E você está começando a se perder, Alina. Cada vez que eu encosto em você, seu corpo fala mais alto que sua boca.
Meu coração disparou. Tentei desviar, mas ele me puxou pela cintura.
– Me solta.
– Não – disse, encostando os lábios no meu pescoço. – Você é minha esposa agora. Pode me odiar à vontade. Mas o que seu corpo sente... não mente.
Fechei os olhos por um segundo. Maldito seja. O pior era que ele estava certo. Por mais que eu o odiasse, meu corpo reagia. A tensão entre nós era como uma corda prestes a arrebentar.
– Um dia, Lorenzo – sussurrei. – Eu ainda vou te fazer implorar.
Ele sorriu contra minha pele.
– Promessa tentadora.
E então me soltou. Frio, calculado, como se nada tivesse acontecido.
Mas algo tinha acontecido.
E, infelizmente, eu sentia isso em cada centímetro do meu corpo.