Os Segredos de Lorenzo

1064 Words
Depois daquela noite, dormir tornou-se um desafio ainda maior. O beijo. O toque. A forma como meu corpo respondeu a ele com tanto… fogo. Era como se Lorenzo tivesse entrado sob minha pele. Uma praga, um veneno, um desejo enraizado que eu não conseguia arrancar. Eu o odiava. Mas a raiva nunca impediu o desejo — só tornava ele ainda mais perigoso. Levantei cedo naquela manhã, mesmo sem ter dormido direito. Precisava respirar longe dele, longe da mansão sufocante que parecia me observar com olhos invisíveis. Ao invés de descer para o café, fui direto para a biblioteca. Um dos únicos lugares em que ele parecia não entrar. E também, talvez, o único onde eu ainda podia pensar. A sala era gigantesca. Prateleiras altas tocando o teto, escadas rolantes, poltronas de couro e cortinas pesadas protegendo do sol. O cheiro de livros antigos me deu uma paz que eu não sentia desde o começo de tudo. Comecei a andar pelos corredores de madeira, arrastando os dedos pelas lombadas de couro. Então, algo chamou minha atenção. Uma estante nos fundos estava entreaberta. Como se alguém a tivesse movido recentemente. Me aproximei, curiosa, e percebi um detalhe que antes me escapara: havia rodinhas no móvel. Era… móvel mesmo. Empurrei com cuidado e, para minha surpresa, ela deslizou suavemente para o lado. Atrás, uma porta de ferro. Trancada com senha. Franzi a testa. O que Lorenzo esconderia atrás de uma porta secreta em sua biblioteca particular? Tentei alguns números óbvios — 0000, 1234, datas do casamento, da fundação Salvatore. Nada funcionou. – Curiosa tão cedo, esposa? Quase pulei de susto. Me virei de súbito e lá estava ele. Lorenzo, encostado na lateral da estante, braços cruzados, usando uma camisa de algodão branca parcialmente aberta e calça preta. O cabelo ainda bagunçado de sono. Os olhos escuros presos nos meus, com aquela expressão perigosa e divertida que ele adorava exibir quando me pegava fazendo algo que não devia. – Você me seguiu? – Eu moro aqui. E ouvi o som da estante se movendo. – Você tem uma porta escondida na biblioteca. Esperava o quê? Que eu fingisse que não vi? – Que tivesse noção do risco. – Risco? – Alina – ele disse, se aproximando lentamente. – Alguns segredos deviam continuar trancados. – E você não é bom em me convencer a respeitar seus limites – retruquei, firme. Ele parou a poucos passos de mim. O cheiro dele me envolveu. Quente, amadeirado. Uma mistura de provocação e perigo. – O que tem atrás dessa porta? – Nada que você precise saber. – Então por que esconder? – Porque foi ali que seu pai destruiu a minha família. Engoli em seco. – O quê? – Aquela sala… foi onde ele me tirou tudo. – Você está falando de negócios? – Estou falando de muito mais do que isso. Os olhos dele arderam por um momento. E, pela primeira vez, vi algo além da raiva. Vi dor. Real, crua, m*l curada. – Meu pai pode ter cometido erros, mas ele não era um monstro. – Não? – Lorenzo se aproximou até seu rosto ficar a centímetros do meu. – Você sabe o que é ver sua mãe implorar pra salvar a casa em que nasceu? Ver sua irmã fugir do país por medo de escândalo? Ter que reconstruir tudo do zero enquanto era chamado de ladrão na imprensa? Porque o seu pai jogou minha família no fogo e ainda sorriu depois? Fiquei em silêncio. – Você acha que eu casei com você só por vingança? – ele murmurou, mais baixo agora. – Não. Eu casei porque quero controlar o que me tiraram. Quero cada centímetro da sua paz. E no fundo… você também quer isso. – Você está delirando – sussurrei, a respiração entrecortada. – Estou te conhecendo – ele respondeu, mais perto. – E estou vendo exatamente onde sua força termina. – Eu não sou fraca. – Mas é humana. Ele segurou meu queixo com dois dedos, gentil, mas firme. – Você quer respostas, Alina? Cuidado com o que deseja. Porque, às vezes, a verdade é pior do que a mentira. – Me deixa em paz – falei, com a voz trêmula. – Não consigo – ele disse, quase como uma confissão. E então saiu. Deixou-me ali, sozinha, no meio da biblioteca, com o coração batendo forte e uma porta trancada gritando perguntas que eu ainda não sabia como responder. Passei o dia tentando evitar Lorenzo. Andei pela mansão, explorei o jardim, conversei brevemente com Marta — que continuava me tratando como se eu fosse uma hóspede temporária. Cada canto da casa me fazia sentir mais deslocada. À tarde, enquanto organizava as roupas no closet, encontrei uma gaveta secreta no armário do quarto de hóspedes. Dentro, havia uma caixa de veludo preto. E dentro dela… fotos. De mim. Não de agora. De anos atrás. Eu, na faculdade. Eu, com Daniel. Eu, entrando no hospital onde estagiei. Arfei. O sangue gelou nas minhas veias. Lorenzo estava me observando há mais tempo do que eu imaginava. – Você não devia mexer nas minhas coisas. A voz dele veio da porta. Virei com as fotos na mão. – Isso é doentio! – É precaução. – Você já me conhecia antes disso tudo. Antes do casamento. Você estava me seguindo! – Eu precisava saber quem você era. O que você queria. Se era tão inocente quanto parecia. – E o veredito? Ele se aproximou devagar, até me encurralar contra a parede. Sua presença era como uma tempestade silenciosa. – O veredito é que você não é nada do que imaginei. – Ótimo. Agora se afasta. – Não quero me afastar. – Você me odeia, Lorenzo. – E ainda assim, quero te beijar de novo. O que isso diz sobre mim? – Que você é pior do que eu pensava. – Ou que você está mais dentro da minha cabeça do que deveria. Ele se inclinou, os lábios quase tocando os meus. Minha respiração falhou. Meu corpo inteiro congelou. Mas, dessa vez, ele não me beijou. Apenas sorriu. – Quando você descobrir tudo, Alina… vai implorar para sair daqui. Mas talvez seja tarde demais. E saiu, me deixando tremendo de novo, com mais perguntas do que nunca. Naquela noite, não dormi. Na minha mente, uma única pergunta ecoava: O que Lorenzo Salvatore esconde… e por que sinto que tem tudo a ver comigo?
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