O ginásio estava lotado. A multidão gritava, luzes piscavam em tons frenéticos e os flashes das câmeras transformavam o local em uma espécie de arena de espetáculo. Nicolas Santiago estava ali, no centro de tudo, de luvas calçadas, músculos tensos... e a cabeça em outro lugar.
Enquanto o juiz falava as últimas instruções, os olhos de Nico vagavam para o nada. A voz de Rayca, o sorriso de Nina, a lembrança do envelope em cima da mesa com as contas da casa, os pesadelos que vinham assombrando suas noites... Tudo rodopiava dentro dele como um furacão.
— Foco, Santiago! — gritou seu treinador do canto, cerrando os punhos. — Ele é rápido e vai tentar te tirar do eixo logo de cara!
Mas Nicolas m*l ouviu.
O gongo soou.
O adversário — um boxeador colombiano rápido e agressivo — partiu pra cima. Os primeiros rounds foram uma dança perigosa. Nicolas se esquivava, mas com lentidão. Seus reflexos estavam pesados, como se seus punhos tivessem o dobro do peso.
No quarto round, o golpe veio seco, direto na têmpora.
A cabeça de Nicolas girou. Ele caiu.
O público engasgou num silêncio quase absoluto. Villar, da arquibancada VIP, se levantou, as mãos cerradas sobre a grade de proteção.
— Levanta, i****a. Levanta! — murmurou ele, furioso.
Nicolas se reergueu aos trancos, cambaleante. O juiz contou até oito e autorizou a continuidade da luta, mas qualquer um podia ver que ele não estava ali por completo.
O último round foi uma carnificina. Nicolas tentou reagir, tentou buscar forças no fundo do peito, mas nada parecia suficiente. Quando o gongo final tocou, ele m*l conseguia manter-se em pé.
O resultado foi anunciado segundos depois. Derrota por decisão unânime dos juízes.
Os gritos do público viraram vaias. O treinador saiu caminhando até o vestiário com passos furiosos. E Nicolas… apenas abaixou a cabeça, engolindo a vergonha que parecia pesar mais do que o próprio corpo.
No vestiário, o silêncio era cortante.
Nicolas sentou-se no banco de madeira, respirando com dificuldade, uma toalha encharcada sobre a nuca. Villar entrou com a fúria de uma tempestade.
— O que foi aquilo? — rugiu. — Você estava bêbado? Drogado? Ou decidiu sabotar a própria carreira?
Nico não respondeu. Estava com os olhos fixos no chão.
— Uma derrota como essa, Santiago, pode custar milhões! Você sabe quanto foi investido em você? Quanto eu banquei pra te colocar aqui, no topo?
— Eu sei. — A voz de Nicolas saiu baixa, cansada. — Mas eu sou humano, Villar. E estou cansado de viver como um produto.
Villar riu, irônico.
— Ah, não me venha com essa baboseira de alma sensível. Você quer alma? Vai tocar violão na praça! Isso aqui é o mundo real. E você, meu caro, é um projeto que pode ser facilmente substituído.
Nicolas se levantou devagar, sentindo cada hematoma em seu corpo.
— Substituído? Então faça isso. Mas não pense que vou continuar sendo seu boneco.
— Boneco? — Villar se aproximou, olhos faiscando. — Quem te tirou da cadeia? Quem pagou suas dívidas com aqueles traficantes? Quem te deu um nome, um futuro, uma marca?
— Eu ganhei meu futuro com sangue! Com suor! Você me comprou, Villar. Mas nunca me teve de verdade.
Villar estreitou os olhos.
— Está dizendo isso por causa daquela mulher, não é? Aquela venezuelanazinha te emburreceu. Você estava com a cabeça nela, não no ringue. Foi ela que te derrubou hoje.
— Não fale dela! — a voz de Nicolas explodiu. — Rayca é a única coisa boa que me aconteceu nos últimos anos. A única coisa real.
— E ela vai ser a sua ruína.
Nicolas se aproximou com os punhos cerrados.
— Talvez... Mas se for pra cair, que seja por algo em que eu acredito. E não por contratos, apostas e manipulação.
Os dois se encararam por longos segundos, o ar pesado entre eles. Villar deu um passo para trás, respirando fundo.
— A mídia vai massacrar você. E quando isso acontecer… nem ela vai querer ficar ao seu lado. Acorda, Santiago. Você não nasceu pra ter uma família. Nasceu pra sobreviver. E você sabe como isso funciona.
Villar se virou e saiu, batendo a porta com força.
Nicolas ficou sozinho, cercado de silêncio e suor, com os olhos marejando sem que ele percebesse. Pela primeira vez em muito tempo, ele não sabia o que fazer.
Do lado de fora, os jornalistas já esperavam. Nicolas saiu de cabeça baixa, ignorando perguntas e flashes. Um carro preto o aguardava. Ele entrou no banco de trás e mandou o motorista levá-lo direto para casa.
Durante o trajeto, pensava em Rayca. Em Nina. Em tudo o que estava por vir. Sabia que Villar não estava blefando. Sabia que o sistema estava preparado para esmagar qualquer fraqueza. E, acima de tudo, sabia que o amor que sentia por Rayca estava sendo usado contra ele.
Mas se tinha algo que ele aprendera nas ruas… era a lutar até o fim, mesmo sangrando.
Ele só precisava de um novo plano.