A casa estava silenciosa. O ar carregado de tensão. Rayca entrou devagar, os passos ecoando sobre o piso de madeira. Encontrou Nicolas sentado no chão da sala, as mãos nos cabelos, os olhos vermelhos. Um copo vazio tombado ao lado dele.
— Nico?
Ele levantou o rosto devagar. Havia uma dor crua ali, diferente de todas as que ela já vira.
— Você devia ir embora, Rayca.
— Não vou a lugar nenhum — ela respondeu, firme. — O que aconteceu?
Ele não respondeu de imediato. Seus olhos vagavam pelo nada, perdidos em memórias que doíam mais do que qualquer soco.
— Lembra quando você me perguntou o que me tirava o sono?
Rayca assentiu, sentando-se no sofá em frente a ele, as mãos entrelaçadas, esperando.
— Eu menti. Não é a fama. Nem os contratos. Nem o medo de perder uma luta. É isso aqui — ele apontou para o peito. — Um segredo que eu carrego desde os dezessete anos.
Ela engoliu seco.
— Você pode confiar em mim, Nico. Não sou como eles.
Ele respirou fundo, os olhos marejando.
— Eu matei um homem.
Rayca congelou. As palavras pareceram encher a sala, como se ecoassem nos cantos.
— Foi em legítima defesa... mas ninguém quer saber disso. Eu tava morando na rua, tentando sobreviver. Um cara que me explorava tentou me obrigar a fazer algo que eu me recusei. Ele me espancou. Eu consegui pegar um pedaço de ferro e reagi. Ele morreu na hora.
— E... você fugiu?
— Sim. Eu tinha medo. Eu era só um moleque. Passei semanas me escondendo, com fome, com medo. Um dos caras do tráfico me ajudou a sumir com o corpo. Em troca, virei entregador de droga. Foi nessa época que a polícia me pegou pela primeira vez.
Rayca abaixou os olhos.
— Por isso você vive olhando por cima do ombro...
— Aquele passado nunca morreu. E agora... alguém desenterrou tudo. Um vídeo, uma pista, não sei. Mas eles vão me destruir com isso.
— Por que está me contando agora?
Nico se aproximou. Seu rosto estava desarmado, nu, cheio de cicatrizes invisíveis.
— Porque eu confio em você. E porque, se eu tiver que perder tudo, quero que você saiba quem eu sou de verdade. Sem máscara, sem mídia, sem glamour. Só... Nico.
Rayca sentiu os olhos arderem. Ela estendeu a mão e tocou o rosto dele.
— Você foi só um menino tentando sobreviver. E hoje é um homem tentando fazer o certo. Isso não apaga nada... mas também não te condena.
— Você ainda me vê com os mesmos olhos?
— Agora, mais do que nunca.
Ele a abraçou com força, como se tivesse encontrado, finalmente, um porto seguro em meio à tempestade.