Elena
O salão principal fervilhava de sombras e sussurros, iluminado apenas por candelabros dourados e dezenas de velas distribuídas em suportes de ferro forjado. Sob o véu n***o de renda que cobria meu rosto, eu sentia cada batida acelerada do meu coração, como se os cristais pendurados no teto reverberassem a tensão em cada reflexo. Era a noite de apresentação aos caporegimes dos Vitale — a aristocracia oculta que governava o submundo com punho de ferro — e, pela primeira vez, eu era parte de seus jogos silenciosos.
Ao cruzar o tapete vermelho, senti os olhares perfurarem meu corpo: homens robustos em smoking e mulheres de vestidos longos, adornados por joias discretas, mas valiosas. Todos usavam máscaras — umas de metal escuro, outras de renda e plumas — para simbolizar que, ali, ninguém se permitia ser o que realmente era. Cada traço de honestidade era enterrado sob uma face de mistério; cada palavra dita, selada em promessas que, invariavelmente, seriam quebradas na primeira traição.
Segurei firme o leque de marfim, fingindo domínio. A sensação friamente calculada era que eu me tornava mais um instrumento na orquestra sinistra dos Vitale. E, naquele instante, eu compreendi que, para sobreviver, precisaria aprender a coreografia sombria daquela dança de máscaras: um passo em falso e eu seria dilacerada pelo silêncio letal de conspiradores.
Uma voz profunda quebrou meus pensamentos.
— Elena, permita-me apresentá-la a alguns de nossos caporegimes — disse Vincenzo, surgindo ao meu lado, envolto em um smoking preto impecável. Seu olhar por trás da máscara de couro, em formato de gaivota, era tão cortante que me fez estremecer. — Este é Marco “O Chacal”, aquele que controla as rotas de contrabando no porto; e ali está Sofia “A Coruja”, mestre em infiltrações e vigilância.
Eu sorri com delicadeza forçada, os lábios se curvando num arco seco.
— É um prazer conhecê-los — murmurei. Minha voz soou trêmula apenas a mim mesma.
Marco inclinou o corpo, trazendo o rosto próximo ao recorte metálico de sua máscara.
— Madame Vitale — afirmou, com tom grave. — Dizem que sua beleza compensa a hosquidade deste lugar.
Sofia inclinou a cabeça, o véu de plumas roçando meu ombro, e sussurrou:
— Espero que sua estadia conosco seja… memorável.
Ambos me deixaram com um arrepio. A impressão era de que me avaliavam como mercadoria — não como pessoa. Procurei o olhar de Vincenzo. Ele observava a cena impassível, as mãos cruzadas atrás das costas, ereto como uma estátua antiga. Por trás daquela fachada glacial, eu pressentia orgulho e frieza, mas também algo que eu ainda não ousava nomear: curiosidade.
— Elena — ele me chamou suavemente. — Siga-me até o salão lateral. Quero presentear-lhe uma dança antes que o coquetel de boas-vindas seja servido.
Minhas pernas protestaram, mas segui-o. Cada passo rumo ao salão lateral era uma contagem regressiva para a rendição da minha vontade. O salão era menor, as paredes cobertas de tapeçaria vermelha e n***a, e o brilho das velas se refletia em lustres de cristais escuros. No centro, um trio de violinos iniciava um tango sombrio, a melodia tão hipnótica que parecia arrancar o ar de meus pulmões.
— Dançaremos — anunciou ele, estendendo a mão enluvada. — Uma única dança.
Aproximei-me, oferecendo-lhe minha palma. Ao senti-lo conduzir-me para o compasso, meu corpo ficou rígido, hesitante. Mas, quando seus dedos envolveram minha mão, uma faísca gelada percorreu meu braço. Ele colocou a outra mão em minha cintura, puxando-me suavemente. Quis recuar, mas o ritmo dos violinos não permitia; eu fui tragada pela dança.
Enquanto me deixava guiar pelos passos magistralmente calculados, meus pensamentos perambulavam entre a tristeza profunda e o desafio silencioso. Eu lembrava dos momentos de minha infância, quando corria pelos campos de nossa pequena propriedade longe de toda essa noite de facetas traiçoeiras. Agora, eu era prisioneira voluntária de um pacto que, embora visasse proteger meu pai, destruía minha liberdade.
— Você se move bem — murmurou Vincenzo, o hálito frio atingindo minha orelha. — Mas é necessário mais do que técnica para sobreviver aqui. É preciso dissimulação.
O eco de seu comentário disparou minha insegurança. Olhei para seus olhos penetrantes, e vi, por um segundo, um lampejo de aprovação — como se ele reconhecesse algum potencial inexplorado em mim. Mas, ao mesmo tempo, havia a advertência: qualquer emoção verdadeira seria penalizada.
— Eu aprenderei — respondi, permitindo que minha voz tremesse só o suficiente para parecer vulnerável. — Mostre-me.
Ele conduziu-me até o centro do salão. Os outros casais formavam um círculo ao redor, observando. Vincenzo girou-me com um movimento suave, e a ponta de meu sapato raspou levemente o tapete, arrancando um riso contido de uma dama mascarada. Senti-me exposta, mas mantive o controle.
— Agora — disse Vincenzo, a voz baixa — deixe o véu cair.
Ele pressionou, e minha máscara de renda deslizou até minha testa. Percebi o choque coletivo: minhas feições ficaram à mostra, pálidas e tensas. O silêncio diminuiu o impulso dos violinos por um instante. Eu podia sentir cada olhar subindo pelo meu corpo, mensurando não apenas minha beleza, mas minha coragem — ou imprudência.
— Elena… — murmurou ele, com um tom indecifrável. — Você ousou mostrar-se sem proteção.
Desejei enterrar o rosto nos ombros de meu vestido, mas a cabeça permaneceu ereta.
— Prefiro encarar o mundo de frente — respondi, fechando o punho em volta do tecido. — Do que me perder em mentiras.
As notas do tango retomaram intensidade, e Vincenzo me conduziu para longe do círculo. Eu esperava repreensão, talvez até um castigo sutil, mas ele apenas manteve o ritmo consigo, concentrado na dança. Quando a melodia chegou ao clímax, ele conduziu o passo final com elegância c***l: puxou-me para perto, de modo que nossos rostos ficaram lado a lado.
— Interessante — sussurrou-me. — Não costumam mostrar essa audácia nas noites de gala.
Eu sentia o bafo quente de sua respiração; a proximidade era tão intensa que parecia anunciar um perigo iminente. Porém, antes que eu pudesse responder, ele me afastou com um gesto brusco, terminando a dança num corte seco.
— Muito bem — disse, recuando um passo para observar-me. — Você aprendeu rápido.
Ao lado do trio, os convidados se dispersaram num leve aplauso contido. Voltei a prender a máscara, dessa vez sem a mão tremer. Estava envergonhada, mas um fio de orgulho percorreu meu peito: eu havia, ao menos por alguns segundos, desafiado a rigidez daquele mundo.
— Obrigada — murmurei, a voz ainda embargada.
Ele não respondeu. Em vez disso, estendeu o braço e convidou-me a seguir em direção à mesa de coquetel. Enquanto caminhávamos, pensei na ironia daquela noite: eu, presa a um casamento de conveniência, conseguira libertar um pouco de minha verdade sob o olhar letal de Vincenzo. Mas, ao mesmo tempo, sabia que o preço dessa ousadia seria caro.
No balcão, ele pediu champanhe. A garçonete, com máscara de plumas brancas, serviu-nos. Ao receber a taça, senti os dedos gélidos de Vincenzo roçarem os meus. Meus lábios secaram; eu engoli em seco.
— Aproveite a noite, Elena — disse ele, por fim, sem tirar os olhos dos meus. — Mas não se esqueça: aqui, cada sorriso tem um objetivo, cada palavra, uma armadilha.
Assenti, tentando sorrir. Enquanto tomava um gole do líquido borbulhante, percebi que aquelas palavras não eram apenas um lembrete, mas uma promessa de que nossos próximos encontros seriam ainda mais perigosos e reveladores.
Assustada e excitada ao mesmo tempo, segurei a taça firme. A máscara protegia meu rosto, mas não meus sentimentos — e aqueles se agitavam num turbilhão de tristeza, medo e uma curiosa centelha de determinação. A dança de máscaras havia começado; eu já não sabia onde terminava a farsa e começava a minha vontade de lutar.
O convite para o baile continuava pairando no ar: dançar mais uma valsa com o herdeiro c***l dos Vitale? Ou sair correndo enquanto ainda me sobrasse coragem? A resposta, eu sabia, só viria quando o último suspiro daquela noite fosse dado.
E, então, descobrirei se minha alma é forte o bastante para sobreviver ao próximo movimento desse jogo mortal.