6. A Verdade Que Faltava (Parte III)

1732 Words
Depois que Theo saiu, o corredor voltou a ficar silencioso. Eu sentei na cadeira antiga perto da parede, respirando devagar, tentando organizar tudo o que tinha ouvido. Era muita coisa para um único dia. Mas, pela primeira vez, eu tive a sensação de que não estava mais andando no escuro. A porta abriu devagar. Maria entrou. — A diretora chamou ele de novo? — ela perguntou, já sabendo a resposta. — Sim. Toda vez que ele tenta falar, alguém aparece. — Não é coincidência, Livi. — Maria disse, séria. — Você sabe disso. Assenti. — Eu sei. Ela se aproximou e sentou ao meu lado. — E aí? Ele te contou alguma coisa nova? — Sim. Respirei fundo. — Ele contou o que o irmão da Júlia fez… e por que ela acreditou nele. Maria cruzou os braços. — Então o irmão está tentando repetir tudo com você? — Exato. Mas tem algo que não faz sentido. Maria virou o rosto na minha direção. — O que não faz sentido? Eu peguei o celular e abri o print com o nome “J. Duarte”. — Ele sempre se escondeu antes, e agora, do nada, deixou o nome aparecer numa denúncia oficial. Maria franziu a testa. — Então ele quer que vejam que é ele. Quer que o Theo perceba. — Sim. Ele está puxando o Theo para o conflito. E foi aí que algo dentro de mim acendeu. Uma sensação. Um detalhe. Algo que eu não tinha percebido antes. — Maria… A diretora disse que havia duas denúncias. Certo? — Certo. — Mas só uma estava com o nome do J. Duarte. Maria piscou, começando a entender. — A outra então… Não foi ele? Meu coração acelerou. — Não. Não foi ele. Maria se endireitou na cadeira. — Quem você acha que fez? — Não sei. — respondi. — Mas se uma denúncia é dele… e a outra não. Então tem outra pessoa alimentando isso. Maria ficou em silêncio, chocada. — Parece muita coincidência ter duas denúncias sobre você e o Theo, feitas por duas pessoas diferentes. — Não é coincidência. É planejamento. Nesse exato momento, a porta abriu novamente. Era o professor com quem eu tinha conversado antes. Assim que me viu, ele fez um sinal sério. — Lívia… posso falar com você um momento? Levantei devagar. Maria ficou na porta, observando. O professor me guiou até o final do corredor, onde ninguém passava naquela hora. Ele parecia agitado, mas não assustado — o olhar dele era de quem tinha acabado de descobrir algo importante. — Acabei de sair de uma conversa com a diretora. — ele disse. Meu peito apertou. — E? Ele segurou a prancheta contra o corpo. — Encontramos um detalhe que nos chamou atenção. E a diretora pediu para eu falar com você antes de falar com o Theo. Meu estômago virou. — Comigo… primeiro? — Sim. Porque a informação envolve você diretamente. Minha respiração acelerou. — O que é? Ele inspirou fundo. — A segunda denúncia… Não foi registrada hoje. Meu coração deu um pulo. — Como assim? — Ela foi registrada ontem.vAntes de qualquer boato aparecer hoje cedo. Eu senti as pernas ficarem fracas por um instante. — Então… alguém já sabia que tudo isso ia começar? — Sim. — o professor confirmou. — Alguém sabia antes de todo mundo. Engoli seco. — Mas… quem? Ele hesitou por um segundo, como se tivesse medo do impacto. — A denúncia foi registrada por um aluno atual. Alguém da sua turma. O ar ficou mais pesado. Meu peito apertou. Maria, que escutava de longe, ficou completamente imóvel. — Quem da turma? — perguntei, com a voz baixa. O professor consultou a prancheta. Virou a página. E disse: — O nome do aluno é… A porta do outro corredor bateu forte. Theo apareceu, ofegante, como se tivesse corrido. — Lívia! — ele chamou. O professor virou para ele, tenso. Theo veio na nossa direção rápido. — A diretora me disse agora. — ele falou, sem respirar direito. — A segunda denúncia… Não foi do irmão da Júlia. Eu já sabia. — Theo… — murmurei — ele acabou de me contar. Theo respirou fundo. — E você sabe quem foi? O professor levantou a prancheta. Pronto para dizer o nome. Maria olhava de longe, segurando a respiração. Eu senti meu coração bater no pescoço. O professor finalmente falou: — A segunda denúncia foi registrada por um aluno chamado… Gabriel Amaral. Meu corpo gelou. Theo ficou completamente imóvel. E foi naquele instante — naquele segundo de silêncio absoluto — que tudo mudou. Porque eu e Theo sabíamos exatamente quem era esse nome. E sabíamos que ele não era desconhecido. Era alguém que convivia com a gente. Todos os dias. Alguém que sempre esteve perto. Observando. Escutando. Anotando. E, principalmente… Alguém que tinha motivo pra querer que eu e o Theo nunca nos aproximasse. ****** Gabriel Amaral. O nome ficou parado no ar. Pesado. Direto. Inesperado. A sensação foi como levar um impacto silencioso no peito. Maria levou a mão à boca, surpresa. O professor observava nossas reações com atenção, mas sem interferir. E Theo… Theo ficou completamente imóvel — não piscou, não respirou fundo, não moveu os ombros. Ele parecia ter entendido algo que ainda não tinha se formado totalmente em mim. — Theo…? — murmurei. Ele não respondeu de imediato. Apenas passou a mão no rosto, como se tivesse levado um golpe interno. Depois disse, com a voz baixa, mas firme: — Eu sabia que ele estava estranho… mas não pensei que fosse isso. Meu estômago apertou. — Você conhece ele? — perguntei. Theo olhou para mim como se estivesse revisando memórias que tentou esquecer. — Mais do que eu gostaria. Ele estava na minha sala no ano passado. Um arrepio frio percorreu minhas costas. — No caso da Júlia? Theo assentiu. — Sim. Ele via tudo de perto, sabia do que estavam falando dela, sabia dos boatos, das mensagens, das acusações. E mesmo assim nunca disse nada. Nunca perguntou nada. Nunca se envolveu. Ele só... observava. Maria cruzou os braços, alarmada. — Quer dizer que ele estava lá quando tudo aconteceu? Theo confirmou com um aceno lento. — Ele viu a Júlia sofrer. Viu a escola inteira enlouquecer, viu o irmão dela interferindo. — E viu eu tentar ajudar e ser destruído junto. O professor ouviu tudo com seriedade crescente. Eu senti o chão sumir um pouco. — Theo… — falei, tentando entender — ele era seu amigo? Theo riu de forma amarga. Um riso cansado, sem humor. — Não. Ele era o tipo de colega que nunca fala, mas sempre sabe. Ele olhou para mim. — Sabe o tipo? Quieto demais. Atento demais. Sempre no canto certo pra ouvir a conversa errada. Eu senti o coração bater mais rápido. — Mas por que ele faria isso comigo? — perguntei. Theo respirou fundo. Era o tipo de respiração que vem antes de uma frase difícil. — Porque ele já tentou se aproximar de você antes. Eu parei. Maria também. Até o professor arregalou levemente os olhos. — Como assim? — perguntei, confusa. Theo passou a mão pelos cabelos, inquieto. — Ele te observa desde o começo do ano. Primeiro de longe, depois ele foi mandando indiretas, daí perguntando sobre você pros outros. Ele te viu com a Maria no pátio, te viu chegando sozinha no primeiro dia e tentando não chamar atenção. Eu fiquei gelada. — Mas eu… nunca falei com ele. Theo assentiu, tenso. — Você não. Mas ele te viu falar comigo. A frase caiu como um choque silencioso. Theo continuou: — E na cabeça dele… Eu sou o mesmo cara que ele idealizou em sua mente no caso da Júlia. As peças começaram a se encaixar sozinhas. — Então ele acha que você vai machucar outra pessoa? — perguntei, incrédula. — Ele acha que eu sou o problema de tudo. Que eu sou o “causador” de qualquer coisa que uma menina sinta ou viva perto de mim. — Mas isso não tem lógica. — eu disse. — Não tem. — Theo concordou. — Mas ele acredita. É isso que importa. Maria balançou a cabeça. — Então ele fez a denúncia achando que estava te “protegendo” de novo? Theo olhou para ela, depois para mim. — Sim. Só que dessa vez, ele não está protegendo alguém. Está protegendo a própria narrativa sobre quem eu sou. Uma sensação forte de injustiça subiu dentro de mim. Fui até Theo um passo. — Ele não tem esse direito. Theo me olhou como se aquela frase tivesse caído no lugar exato onde ele guardava a dor. — Não tem. Mas ele teve nas mãos por um ano inteiro, sem os outros desconfiarem. E agora quer de volta. O professor respirou fundo, interrompendo: — Nós vamos investigar isso. Agora que sabemos do envolvimento dele, tudo muda. Mas, por favor, vocês dois precisam tomar cuidado. Ele não parece estar pensando de forma equilibrada. Nos entreolhamos. O professor saiu, deixando tempo para a informação assentar. Maria se aproximou. — Vocês acham que ele pode… tentar algo de novo? Theo respondeu antes de mim: — Ele já tentou. A denúncia, o boato e a montagem. Ele está construindo uma história em que eu sou o culpado. E a Lívia é a vítima que “não percebe” nada que ocorre ao seu redor. Maria olhou para mim, alarmada. — É exatamente o que ele fez com a Júlia. Assenti. O ar parecia mais pesado. Não por medo, mas por clareza. Eu senti meu coração bater mais forte. Olhei para Theo e disse: — A história está se repetindo… mas não do jeito que ele quer. Theo sustentou meu olhar. — Não mesmo. Porque agora você sabe de tudo. E porque agora… eu não vou deixar aquilo acontecer de novo. O silêncio que veio depois não era vazio. Era um silêncio que preparava o próximo passo. E então, bem baixinho, Theo completou: — E tem mais uma coisa que você precisa saber sobre o Gabriel. Algo que eu nunca contei pra ninguém. Meu coração parou por um segundo. Theo respirou fundo. E disse a frase que fecharia o capítulo e abriria a próxima ferida: — A Júlia confiava nele. E foi ele quem contou pra ela a maior mentira sobre mim. A porta do corredor bateu. O som ecoou.
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