O sol do fim da manhã dourava as fachadas antigas da pequena cidade.O burburinho do mercado ecoava pelas ruas de pedra o tilintar das moedas, o cheiro de pão fresco, o murmúrio das vozes misturado ao canto distante de um violão.
A família Cavalcante andava em cortejo elegante, como se a cidade inteira lhes pertencesse.
Na frente, Don Alonso Cavalcante, o patriarca, de terno escuro e bengala, caminhava com passo firme, cumprimentando friamente os comerciantes.
Ao lado dele, Francesca, a esposa, ereta e altiva, com um vestido de renda azul, jóias tão reluzentes e caras que zombavam da pobreza a seu redor e olhar que parecia medir tudo e todos.
Atrás, Estefano, impecável, o porte seguro e olhar frio e atento.
Ele não ouvia o que os pais diziam.
O murmúrio da multidão se dissolvia em ruído indistinto… até que algo chamou sua atenção.
Do outro lado da praça, em frente a uma banca de flores, estavam Amélie e suas irmãs.
Teresa segurava um cesto de legumes, Isabel falava com a florista, Clara cheirava alguma s flores exóticas, e Amélie distraída segurava um pequeno ramo de lavandas, observando-o com ternura.
O tempo pareceu parar.
A luz do sol tocava seus cabelos curtos, fazendo-os brilhar como cobre.O vestido simples balançava com o vento, e havia nela uma delicadeza tão natural que fez o coração de Estefano apertar.
Sem perceber, ele parou de andar.
— Estefano? — a voz grave de Alonso o trouxe de volta. — O que foi?
O jovem disfarçou.
— Nada... apenas pensei ter visto alguém conhecido.
Mas já era tarde.
Francesca seguiu o olhar do filho e viu.Seu rosto endureceu imediatamente.
— Aquela é a filha de Pérez, não é? — perguntou em voz baixa, quase um sibilo. — O devedor?
Alonso voltou-se também, os olhos estreitando-se ao reconhecer.
Um sorriso irônico surgiu em seus lábios.
— Ah, sim… o homem que deve mais do que pode pagar.
Francesca pousou a mão no braço do marido.
— Estefano, espero que não haja… simpatia alguma entre você e aquela moça pobre.
O rapaz respirou fundo, tentando manter a compostura.
— Eu apenas a conheço de vista, mamãe.
Mas a mentira soou fraca, e Francesa o percebeu.
— De vista? — repetiu, com uma risada curta. — Espero que continue assim. Um Cavalcante não se mistura com o lixo dos endividados.
As palavras foram como uma facada.
Estefano cerrou o punho discretamente, controlando a raiva.Mas antes que pudesse responder, algo o fez conter o fôlego: Amélie o viu.
Ela levantou o olhar, e os dois se encontraram por um instante um segundo que pareceu uma eternidade.
O olhar dela era hesitante, mas não tímido.
Tinha vergonha, sim, mas também uma força serena como se dissesse que não se deixaria envergonhar por ele.
Estefano inclinou levemente a cabeça em cumprimento, um gesto quase imperceptível.
Amélie, por sua vez, apenas lhe ofereceu um sorriso sutil de canto.
Francesca percebeu o gesto.
— Dio mio… — murmurou, irritada. — Ela ousou olhar para você!
Alonso ergueu o queixo, com um sorriso c***l.
— Talvez devêssemos lembrar ao senhor Pérez o lugar que ele ocupa.
Mas Estefano o interrompeu, a voz baixa, porém firme:
— Já deixamos o bastante claro, pai. Não é necessário humilhar ninguém em praça pública.
Francesca lançou-lhe um olhar gélido.
— Está se tornando sentimental, Estefano. Isso me preocupa.
— Eu sou um homem, não um animal. — respondeu o filho, encarando-a de volta.
Francesca desviou o olhar, constrangida pelo desafio do filho.Os transeuntes fingiam não ouvir, mas o murmúrio se espalhava pela praça poucos ousavam presenciar um Cavalcante contrariando sua família.
Alonso, por fim, deu um passo, com o orgulho ferido.
— Vamos embora. Já vi o suficiente de miséria por hoje.
Estefano os seguiu em silêncio, o rosto sereno, mas o coração em chamas.
Antes de virar a esquina, olhou uma última vez para trás.
Amélie ainda estava ali, observando discretamente.
E quando seus olhos se encontraram de novo mesmo que por um breve instante algo entre eles se selou em silêncio: uma promessa silenciosa, feita em meio ao barulho do mundo.