O sol ainda nascia quando Amélie abriu as janelas da pequena casa. O ar fresco da manhã invadiu o ambiente, misturando-se ao cheiro de café recém-passado.
As irmãs tentavam começar o dia como sempre, escondendo a apreensão com sorrisos frágeis e pequenos gestos de rotina.
Clara amassava o pão com vigor, batendo a massa na mesa como se pudesse descarregar nela toda a angústia que a corroía.
Teresa, a mais velha, varria o chão, mas seus pensamentos estavam longe dali.
E Isabel, a segunda irmã, remendava uma blusa com olhos marejados.
Amélie observava cada uma, sem entender por que o silêncio parecia mais pesado do que nunca.
— Alguém quer mais café? — perguntou ela, tentando soar alegre.
Ninguém respondeu.
Apenas o estalar da lenha no fogão e o som dos pássaros lá fora quebravam o vazio.
De repente, ouviu-se um bater firme na porta.
Um som forte, preciso não era o toque tímido de um vizinho, nem o toque de um amigo.
Teresa e Isabel trocaram um olhar rápido.
— Eu atendo — disse Amélie, limpando as mãos no avental.
Ao abrir a porta, deparou-se com um homem de terno escuro, chapéu elegante e expressão impassível. Trazia um selo dourado no envelope que segurava.
— Mensagem para o senhor Frederic Pérez, — anunciou o homem, sem sequer olhar para ela. — Em nome da família Cavalcante.
O coração de Amélie disparou.
Ela pegou o envelope, hesitante.
— Eu… eu entrego a ele.
O homem inclinou a cabeça em um gesto breve e se afastou sem dizer mais nada.
Amélie fechou a porta devagar.Atrás dela, as irmãs já a observavam.
— Quem era? — perguntou Clara, com a voz tensa.
Amélie estendeu o envelope. — Um mensageiro. Dos Cavalcante.
O silêncio que se seguiu foi cortante.
Teresa aproximou-se e tomou o envelope das mãos dela, examinando o selo dourado com o emblema da serpente.
— Eles finalmente vieram cobrar… — murmurou, a voz embargada.
Isabel deixou a agulha cair no chão.
— Oh, meu Deus… o papai ainda não conseguiu pagar?
— Não — respondeu Teresa, seca. — E pelo visto, agora eles estão perdendo a paciência.
Amélie mordeu o lábio, inquieta.
— O que vamos fazer?
Teresa respirou fundo e colocou o envelope sobre a mesa.
— Vamos esperar ele chegar. Só ele pode abrir isso.
As horas passaram arrastadas até o final da tarde, quando Frederic entrou em casa cambaleando, com o rosto cansado e as mãos cheirando a serragem.
Amélie correu para ajudá-lo, mas ele ergueu o braço, afastando-a.
— Não preciso de ajuda — resmungou.
— Papá… — Teresa tentou intervir, — chegou uma carta para o senhor.
Ele parou. O olhar turvou-se de imediato.Amélie notou o leve tremor nas mãos do pai quando ele pegou o envelope.
Durante alguns segundos, o som do papel sendo rasgado pareceu ecoar como um trovão na sala silenciosa.
Frederic leu rápido, os olhos se movendo com pressa… até que pararam.
O rosto dele empalideceu.
O silêncio se fez pesado, e o homem levou uma das mãos à testa, sentando-se pesadamente na cadeira.
— O que foi, papá? — perguntou Amélie, se aproximando. — O que diz a carta?
Ele não respondeu.
Apenas largou o papel sobre a mesa, e Isabel o pegou antes que caísse.
Os olhos dela percorreram as linhas, e o coração gelou.
— Eles… eles deram um prazo de três dias para o pagamento — disse, a voz trêmula. — Ou…
— Ou o quê? — insistiu Amélie.
Isabel engoliu seco.
— Ou propõem… uma aliança.
— Aliança? — repetiu Amélie, confusa. — Que tipo de aliança?
Antes que alguém respondesse, Frederic ergueu-se com dificuldade, os olhos marejados e a voz pesada de culpa.
— Uma aliança que… custaria muito mais do que o dinheiro que devo.
Ele olhou para a filha mais nova, e Amélie sentiu o chão desaparecer sob os pés.
Naquele olhar cansado e triste, havia algo que a fez estremecer um pressentimento sombrio de que ela era, de alguma forma, o centro daquela proposta.
O silêncio após aquelas palavras era quase sufocante.
O vento que entrava pela janela fazia o papel na mesa tremular, como se até ele se recusasse a permanecer em paz naquele ambiente carregado.
Isabel foi a primeira a reagir, apertando o envelope entre as mãos.
— Papá… o que quer dizer com isso? Que tipo de aliança é essa?
Frederic manteve o olhar baixo, os ombros pesados.
Clara, com a voz embargada, insistiu:
— Fale conosco, por favor. Não podemos viver sem saber o que está acontecendo.
Teresa deu um passo à frente, o tom firme, quase autoritário:
— Eles ameaçaram o senhor? Foi isso?
Frederic levantou o olhar, e por um instante parecia prestes a responder.Mas o brilho de vergonha e desespero em seus olhos falava antes das palavras.
— Não entendem… — murmurou ele, a voz rouca. — Eu não tive escolha.
Amélie, parada perto da janela, sentiu o coração apertar.
— Não teve escolha para quê, papá? — perguntou com delicadeza. — O que eles querem?
Frederic desviou o olhar, incapaz de encará-la.O silêncio dele doía mais do que qualquer resposta.
Teresa deu um passo à frente, a raiva tomando o lugar do medo.
— Por Deus, papá! Já não basta esconder as dívidas, agora vai esconder de nós o que pretende fazer?
Frederic se levantou bruscamente, a cadeira arrastando-se no chão com um estrondo.
— Chega! — gritou ele, batendo o punho na mesa. — Não me julguem! Eu fiz o que pude!
As três irmãs recuaram, assustadas.Amélie ficou imóvel, os olhos marejados.
Frederic respirava com dificuldade, as mãos tremendo.
— Não falem mais disso — ordenou, a voz quebrada. — Nenhuma de vocês.
Ele pegou o casaco pendurado na parede, o movimento brusco denunciando a pressa de fugir dali.
— Papá, espere! — Amélie correu até ele, segurando-lhe o braço. — Por favor, diga o que está acontecendo.
Frederic hesitou. Por um instante, pareceu que ele cederia.Mas então, os olhos dele se encheram de lágrimas e ele simplesmente murmurou:
— Se ao menos tua mãe estivesse aqui…
Com isso, soltou o braço da filha e saiu, batendo a porta com força.
O som reverberou pela casa, ecoando entre as paredes e o coração de cada uma delas.
Teresa caiu em uma cadeira, pressionando as mãos contra o rosto.
— Ele vai beber outra vez…
Isabel pegou o envelope amassado e o olhou com ódio.
— E tudo por causa dessa maldita família Cavalcante.
Amélie permaneceu de pé, olhando para a porta fechada.
Sentia-se culpada, confusa e, de algum modo, envolvida em algo que ainda não compreendia.
O vento frio da noite começou a entrar pela janela, apagando parte das velas.
E no peito de Amélie, uma certeza silenciosa começou a crescer:
Aquela dívida não terminaria com dinheiro.