Capítulo 11. Prazo

1134 Words
O sol ainda nascia quando Amélie abriu as janelas da pequena casa. O ar fresco da manhã invadiu o ambiente, misturando-se ao cheiro de café recém-passado. As irmãs tentavam começar o dia como sempre, escondendo a apreensão com sorrisos frágeis e pequenos gestos de rotina. Clara amassava o pão com vigor, batendo a massa na mesa como se pudesse descarregar nela toda a angústia que a corroía. Teresa, a mais velha, varria o chão, mas seus pensamentos estavam longe dali. E Isabel, a segunda irmã, remendava uma blusa com olhos marejados. Amélie observava cada uma, sem entender por que o silêncio parecia mais pesado do que nunca. — Alguém quer mais café? — perguntou ela, tentando soar alegre. Ninguém respondeu. Apenas o estalar da lenha no fogão e o som dos pássaros lá fora quebravam o vazio. De repente, ouviu-se um bater firme na porta. Um som forte, preciso não era o toque tímido de um vizinho, nem o toque de um amigo. Teresa e Isabel trocaram um olhar rápido. — Eu atendo — disse Amélie, limpando as mãos no avental. Ao abrir a porta, deparou-se com um homem de terno escuro, chapéu elegante e expressão impassível. Trazia um selo dourado no envelope que segurava. — Mensagem para o senhor Frederic Pérez, — anunciou o homem, sem sequer olhar para ela. — Em nome da família Cavalcante. O coração de Amélie disparou. Ela pegou o envelope, hesitante. — Eu… eu entrego a ele. O homem inclinou a cabeça em um gesto breve e se afastou sem dizer mais nada. Amélie fechou a porta devagar.Atrás dela, as irmãs já a observavam. — Quem era? — perguntou Clara, com a voz tensa. Amélie estendeu o envelope. — Um mensageiro. Dos Cavalcante. O silêncio que se seguiu foi cortante. Teresa aproximou-se e tomou o envelope das mãos dela, examinando o selo dourado com o emblema da serpente. — Eles finalmente vieram cobrar… — murmurou, a voz embargada. Isabel deixou a agulha cair no chão. — Oh, meu Deus… o papai ainda não conseguiu pagar? — Não — respondeu Teresa, seca. — E pelo visto, agora eles estão perdendo a paciência. Amélie mordeu o lábio, inquieta. — O que vamos fazer? Teresa respirou fundo e colocou o envelope sobre a mesa. — Vamos esperar ele chegar. Só ele pode abrir isso. As horas passaram arrastadas até o final da tarde, quando Frederic entrou em casa cambaleando, com o rosto cansado e as mãos cheirando a serragem. Amélie correu para ajudá-lo, mas ele ergueu o braço, afastando-a. — Não preciso de ajuda — resmungou. — Papá… — Teresa tentou intervir, — chegou uma carta para o senhor. Ele parou. O olhar turvou-se de imediato.Amélie notou o leve tremor nas mãos do pai quando ele pegou o envelope. Durante alguns segundos, o som do papel sendo rasgado pareceu ecoar como um trovão na sala silenciosa. Frederic leu rápido, os olhos se movendo com pressa… até que pararam. O rosto dele empalideceu. O silêncio se fez pesado, e o homem levou uma das mãos à testa, sentando-se pesadamente na cadeira. — O que foi, papá? — perguntou Amélie, se aproximando. — O que diz a carta? Ele não respondeu. Apenas largou o papel sobre a mesa, e Isabel o pegou antes que caísse. Os olhos dela percorreram as linhas, e o coração gelou. — Eles… eles deram um prazo de três dias para o pagamento — disse, a voz trêmula. — Ou… — Ou o quê? — insistiu Amélie. Isabel engoliu seco. — Ou propõem… uma aliança. — Aliança? — repetiu Amélie, confusa. — Que tipo de aliança? Antes que alguém respondesse, Frederic ergueu-se com dificuldade, os olhos marejados e a voz pesada de culpa. — Uma aliança que… custaria muito mais do que o dinheiro que devo. Ele olhou para a filha mais nova, e Amélie sentiu o chão desaparecer sob os pés. Naquele olhar cansado e triste, havia algo que a fez estremecer um pressentimento sombrio de que ela era, de alguma forma, o centro daquela proposta. O silêncio após aquelas palavras era quase sufocante. O vento que entrava pela janela fazia o papel na mesa tremular, como se até ele se recusasse a permanecer em paz naquele ambiente carregado. Isabel foi a primeira a reagir, apertando o envelope entre as mãos. — Papá… o que quer dizer com isso? Que tipo de aliança é essa? Frederic manteve o olhar baixo, os ombros pesados. Clara, com a voz embargada, insistiu: — Fale conosco, por favor. Não podemos viver sem saber o que está acontecendo. Teresa deu um passo à frente, o tom firme, quase autoritário: — Eles ameaçaram o senhor? Foi isso? Frederic levantou o olhar, e por um instante parecia prestes a responder.Mas o brilho de vergonha e desespero em seus olhos falava antes das palavras. — Não entendem… — murmurou ele, a voz rouca. — Eu não tive escolha. Amélie, parada perto da janela, sentiu o coração apertar. — Não teve escolha para quê, papá? — perguntou com delicadeza. — O que eles querem? Frederic desviou o olhar, incapaz de encará-la.O silêncio dele doía mais do que qualquer resposta. Teresa deu um passo à frente, a raiva tomando o lugar do medo. — Por Deus, papá! Já não basta esconder as dívidas, agora vai esconder de nós o que pretende fazer? Frederic se levantou bruscamente, a cadeira arrastando-se no chão com um estrondo. — Chega! — gritou ele, batendo o punho na mesa. — Não me julguem! Eu fiz o que pude! As três irmãs recuaram, assustadas.Amélie ficou imóvel, os olhos marejados. Frederic respirava com dificuldade, as mãos tremendo. — Não falem mais disso — ordenou, a voz quebrada. — Nenhuma de vocês. Ele pegou o casaco pendurado na parede, o movimento brusco denunciando a pressa de fugir dali. — Papá, espere! — Amélie correu até ele, segurando-lhe o braço. — Por favor, diga o que está acontecendo. Frederic hesitou. Por um instante, pareceu que ele cederia.Mas então, os olhos dele se encheram de lágrimas e ele simplesmente murmurou: — Se ao menos tua mãe estivesse aqui… Com isso, soltou o braço da filha e saiu, batendo a porta com força. O som reverberou pela casa, ecoando entre as paredes e o coração de cada uma delas. Teresa caiu em uma cadeira, pressionando as mãos contra o rosto. — Ele vai beber outra vez… Isabel pegou o envelope amassado e o olhou com ódio. — E tudo por causa dessa maldita família Cavalcante. Amélie permaneceu de pé, olhando para a porta fechada. Sentia-se culpada, confusa e, de algum modo, envolvida em algo que ainda não compreendia. O vento frio da noite começou a entrar pela janela, apagando parte das velas. E no peito de Amélie, uma certeza silenciosa começou a crescer: Aquela dívida não terminaria com dinheiro.
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