A viela era estreita e silenciosa.
O som distante do mercado se misturava ao bater leve do vento entre as casas de pedra.
Amélie caminhava ao lado de Estefano, com o cesto apertado contra o peito e o coração pulsando alto demais dentro do corpo.
Ele parou junto a um pequeno portão de ferro enferrujado, encostou-se ao muro e tirou as luvas com calma.
Por um instante, nenhum dos dois falaram.Foi Amélie quem rompeu o silêncio, angustiada.
— Eu quero saber — disse ela, sem rodeios, embora a voz saísse trêmula — quanto meu papá deve.
Estefano ergueu o olhar para ela, surpreso pela franqueza.
Os olhos cor de mel dela estavam fixos nele, sem medo aparente apenas uma firmeza dolorosa, que o fez respeitá-la ainda mais.
— É uma quantia alta senhorita— respondeu, por fim. — Alta demais para um homem nas condições dele.
— E o senhor pretende tirar nossa casa? — perguntou, direta, sem hesitar.
A pergunta o atingiu como um golpe.Estefano desviou o olhar por um momento, observando o chão de pedras.Não era um homem acostumado a ser questionado e menos ainda por alguém que, teoricamente, deveria temê-lo.
— Não é minha intenção fazer m*l à sua família, senhorita Pérez — disse ele, com voz baixa. — Mas inha família tem negócios, todos que se envolvem conosco estão cientes das consequências.
Amélie deu um passo à frente.
— É o senhor seu pai quem manda em tudo ou o senhor ?
Estefano suspirou, encarando-a novamente.
Nos olhos dele havia um misto de exaustão e tristeza o olhar de quem carrega o peso de um nome que o sufoca.
— Meu pai construiu o império Cavalcante sobre dívidas e obediência, senhorita. E espera que eu o mantenha.
Ela hesitou, mas não recuou.
— E o senhor vai manter? Mesmo que isso destrua outras pessoas?
O ar entre eles pareceu se condensar.Estefano deu um meio sorriso não de ironia, mas de admiração.
— A senhorita fala como quem não tem medo de mim.
— Tenho — respondeu ela, com sinceridade. — Mas tenho mais medo do que pode acontecer com meu papá… com minhas irmãs, são tudo que tenho, senhor.
Por um instante, o silêncio voltou.Estefano olhou para ela de verdade e viu mais do que a filha de um homem endividado.Viu coragem. Viu genuidade. Viu algo doce demais para explicar.E algo nele, antes frio, se aqueceu perigosamente.
— Eu não quero tirar a casa de vocês, Amélie — disse, deixando escapar o nome dela pela primeira vez. — Nem quero que suas irmãs sofram por erros que não são de vocês.
O coração dela disparou ao ouvi-lo pronunciar seu nome daquele jeito.
— Então… o que o senhor quer? — perguntou, quase num sussurro.
Estefano se aproximou, o suficiente para que ela sentisse o perfume amadeirado de sua roupa.
Ele respondeu devagar, cada palavra pesando entre eles:
— Quero encontrar uma forma de fazer isso terminar… sem que vocês percam tudo.
— E isso é possível? — ela perguntou, com a voz embargada.
Estefano hesitou e, por um momento, a verdade cintilou em seus olhos: ele não sabia.
— Talvez não — murmurou. — Mas eu juro que tentarei, senhorita.
Amélie o observou em silêncio, sentindo algo dentro de si se dividir entre desconfiança e esperança.
E antes que qualquer um dissesse mais, passos se aproximaram na esquina vozes conhecidas do vilarejo.
Ela deu um passo atrás, assustada.
— Eu… preciso ir. Se nos virem juntos, vão comentar, senhor.
Estefano assentiu.
— Não se preocupe. Mas… — ele parou, olhando-a nos olhos uma última vez — se algo acontecer, me procure. Entendeu?
Amélie apenas acenou com a cabeça, sem confiar na própria voz.Depois, virou-se e saiu apressada, desaparecendo entre as ruelas.
Estefano ficou ali por alguns segundos, observando-a se afastar, até que o som leve dos passos dela se perdeu no vento.Então, apertou as luvas novamente e murmurou, como um voto silencioso:
— Antes que alguém toque um fio de cabelo seu, Amélie… eu impedirei.