A casa estava mergulhada em silêncio.As velas já se apagavam, uma a uma, e o som do vento que soprava pelas frestas fazia as cortinas se moverem suavemente, como se a própria noite respirasse dentro daquele lar cansado.
Amélie permanecia sentada à beira da cama, os cotovelos sobre os joelhos e o olhar perdido no chão de madeira.As irmãs já dormiam, mas o sono não vinha para ela.
Desde o momento em que o senhor Estefano Cavalcante deixara a casa, seu coração não encontrava descanso.
Passou as mãos pelos cabelos curtos, respirando fundo.
— Por que estou pensando nele? — murmurou, quase sem voz.
A lembrança dele estava viva em cada detalhe:
a postura ereta, o olhar firme e educado, o tom grave da voz e, sobretudo, o modo como ele a olhara.Não com desprezo, como tantos outros faziam por saberem de sua condição.Mas com algo que ela não sabia nomear… curiosidade, talvez. Ou compaixão.
Fechou os olhos e recordou o instante em que seus olhares se encontraram.
Havia sentido o coração apertar, mas não de medo de algo mais profundo, que a fez corar sem entender por quê.
Mas, junto com esse calor estranho, vinha também o medo.Porque o nome Cavalcante carregava histórias que corriam sussurradas pela vila.Homens poderosos, implacáveis, capazes de destruir quem lhes devia.
E, ainda assim…—pensou Amélie, ele não parecia c***l.
O rosto de Estefano lhe voltava à mente com insistência.
O modo como ele dissera “espero que sua família encontre uma solução que não envolva sofrimento” — não havia ali ironia, nem ameaça.Havia algo humano.Verdadeiro.
Amélie ergueu o olhar para a janela. Lá fora, o céu estava limpo e a lua banhava o campo com um brilho pálido e frio.Ela se aproximou, apoiando as mãos no parapeito.
De onde estava, podia ver o vilarejo dormindo em silêncio e, ao longe, a colina onde se erguia a mansão Cavalcante.
Mesmo de longe, as luzes da propriedade brilhavam como se vigiassem tudo.Como se lembrassem a todos de quem detinha o poder.
— Um homem como ele jamais olharia para mim — sussurrou ela, triste. — E se olhar, é apenas porque quer algo em troca.
Mas enquanto dizia isso, uma parte dela a parte mais inocente, mais esperançosa não acreditava.Sentia que havia algo diferente em Estefano, algo que fugia à crueldade e à soberba de seu sobrenome.
Ficou ali por longos minutos, até o vento apagar a lamparina.E mesmo no escuro, com o coração inquieto, um pensamento persistiu.
Na colina, a mansão dos Cavalcante dormia em silêncio imponente, fria, cercada por jardins perfeitamente alinhados e portões que mais pareciam grades douradas.
Mas, em um dos aposentos do andar superior, a luz ainda permanecia acesa.
Estefano estava diante da janela, o olhar perdido no horizonte.De lá, podia ver as luzes distantes do vilarejo, pequenas e tremulentas e, em meio a elas, uma em particular chamava-lhe a atenção:
aquela que vinha da casa simples dos Pérez.
Ele cruzou os braços e respirou fundo, tentando afastar a imagem de Amélie que insistia em voltar à mente.Mas era inútil.
Desde o momento em que ela abrira a porta, parecia que algo dentro dele havia se quebrado uma certeza antiga, talvez, de que o mundo era feito apenas de hierarquias e deveres.
“Ela é tão bonita,” —pensou.
Não apenas pela beleza serena, mas pela dignidade silenciosa que carregava, mesmo cercada de medo e pobreza.
Nos olhos dela havia algo que o fazia sentir… pequeno, os olhos mel dela não saiam de sua cabeça, eram profundos, pareciam convidá-lo.
Sentou-se à escrivaninha, apoiando a cabeça nas mãos.
O papel à sua frente trazia cálculos, contratos, dívidas o império de seu pai, construído sobre o controle e o medo.Mas, pela primeira vez, nada daquilo lhe parecia grandioso.
— Por que me importo? — murmurou para si mesmo. — Ela é filha de um homem falido. Uma moça simples, sem dote, sem nome.
Fechou os olhos, frustrado.Mas, quanto mais tentava afastar o pensamento, mais forte era a lembrança do olhar dela.
A doçura sem artifícios.
O modo como ela havia se dirigido a ele sem bajulação, sem medo apenas com sinceridade.
Levantou-se e voltou à janela.
O vento noturno agitava as cortinas, e a lua cheia prateava a paisagem como um testemunho silencioso de sua inquietação.
— E se… — sussurrou — eu não aceitasse as regras deles?
A ideia era absurda.
Um Cavalcante desafiando o próprio sangue por uma moça sem posição social?Mas o absurdo nunca lhe parecera tão certo.
A voz de Francesca, sua mãe ainda ecoava na memória:
"O poder não tolera fraquezas."
Estefano cerrou o punho.Endireitou-se, o olhar determinado.
Sabia que a sociedade o ridicularizaria, que as famílias ricas o tratariam como um t**o romântico, e que sua mãe jamais perdoaria tal mancha no nome Cavalcante.
Mas, pela primeira vez, isso não o importava.
— Amélie será minha.— murmurou, firme.
Porque algo dentro dele já havia decidido:
Amélie Pérez não seria uma simples peça de negociação.
Ela seria a mulher ao seu lado não por conveniência, mas por escolha.
E, ao olhar uma última vez para a luz distante na casa dela, sentiu um calor no peito que nenhuma riqueza poderia substituir.
Naquele instante, Estefano Cavalcante o herdeiro do império mais temido da região fez a promessa silenciosa que mudaria o destino de ambos:
enfrentaria o mundo inteiro, se fosse preciso, para fazê-la sua.