Capítulo 14. Pensando em você

900 Words
A casa estava mergulhada em silêncio.As velas já se apagavam, uma a uma, e o som do vento que soprava pelas frestas fazia as cortinas se moverem suavemente, como se a própria noite respirasse dentro daquele lar cansado. Amélie permanecia sentada à beira da cama, os cotovelos sobre os joelhos e o olhar perdido no chão de madeira.As irmãs já dormiam, mas o sono não vinha para ela. Desde o momento em que o senhor Estefano Cavalcante deixara a casa, seu coração não encontrava descanso. Passou as mãos pelos cabelos curtos, respirando fundo. — Por que estou pensando nele? — murmurou, quase sem voz. A lembrança dele estava viva em cada detalhe: a postura ereta, o olhar firme e educado, o tom grave da voz e, sobretudo, o modo como ele a olhara.Não com desprezo, como tantos outros faziam por saberem de sua condição.Mas com algo que ela não sabia nomear… curiosidade, talvez. Ou compaixão. Fechou os olhos e recordou o instante em que seus olhares se encontraram. Havia sentido o coração apertar, mas não de medo de algo mais profundo, que a fez corar sem entender por quê. Mas, junto com esse calor estranho, vinha também o medo.Porque o nome Cavalcante carregava histórias que corriam sussurradas pela vila.Homens poderosos, implacáveis, capazes de destruir quem lhes devia. E, ainda assim…—pensou Amélie, ele não parecia c***l. O rosto de Estefano lhe voltava à mente com insistência. O modo como ele dissera “espero que sua família encontre uma solução que não envolva sofrimento” — não havia ali ironia, nem ameaça.Havia algo humano.Verdadeiro. Amélie ergueu o olhar para a janela. Lá fora, o céu estava limpo e a lua banhava o campo com um brilho pálido e frio.Ela se aproximou, apoiando as mãos no parapeito. De onde estava, podia ver o vilarejo dormindo em silêncio e, ao longe, a colina onde se erguia a mansão Cavalcante. Mesmo de longe, as luzes da propriedade brilhavam como se vigiassem tudo.Como se lembrassem a todos de quem detinha o poder. — Um homem como ele jamais olharia para mim — sussurrou ela, triste. — E se olhar, é apenas porque quer algo em troca. Mas enquanto dizia isso, uma parte dela a parte mais inocente, mais esperançosa não acreditava.Sentia que havia algo diferente em Estefano, algo que fugia à crueldade e à soberba de seu sobrenome. Ficou ali por longos minutos, até o vento apagar a lamparina.E mesmo no escuro, com o coração inquieto, um pensamento persistiu. Na colina, a mansão dos Cavalcante dormia em silêncio imponente, fria, cercada por jardins perfeitamente alinhados e portões que mais pareciam grades douradas. Mas, em um dos aposentos do andar superior, a luz ainda permanecia acesa. Estefano estava diante da janela, o olhar perdido no horizonte.De lá, podia ver as luzes distantes do vilarejo, pequenas e tremulentas e, em meio a elas, uma em particular chamava-lhe a atenção: aquela que vinha da casa simples dos Pérez. Ele cruzou os braços e respirou fundo, tentando afastar a imagem de Amélie que insistia em voltar à mente.Mas era inútil. Desde o momento em que ela abrira a porta, parecia que algo dentro dele havia se quebrado uma certeza antiga, talvez, de que o mundo era feito apenas de hierarquias e deveres. “Ela é tão bonita,” —pensou. Não apenas pela beleza serena, mas pela dignidade silenciosa que carregava, mesmo cercada de medo e pobreza. Nos olhos dela havia algo que o fazia sentir… pequeno, os olhos mel dela não saiam de sua cabeça, eram profundos, pareciam convidá-lo. Sentou-se à escrivaninha, apoiando a cabeça nas mãos. O papel à sua frente trazia cálculos, contratos, dívidas o império de seu pai, construído sobre o controle e o medo.Mas, pela primeira vez, nada daquilo lhe parecia grandioso. — Por que me importo? — murmurou para si mesmo. — Ela é filha de um homem falido. Uma moça simples, sem dote, sem nome. Fechou os olhos, frustrado.Mas, quanto mais tentava afastar o pensamento, mais forte era a lembrança do olhar dela. A doçura sem artifícios. O modo como ela havia se dirigido a ele sem bajulação, sem medo apenas com sinceridade. Levantou-se e voltou à janela. O vento noturno agitava as cortinas, e a lua cheia prateava a paisagem como um testemunho silencioso de sua inquietação. — E se… — sussurrou — eu não aceitasse as regras deles? A ideia era absurda. Um Cavalcante desafiando o próprio sangue por uma moça sem posição social?Mas o absurdo nunca lhe parecera tão certo. A voz de Francesca, sua mãe ainda ecoava na memória: "O poder não tolera fraquezas." Estefano cerrou o punho.Endireitou-se, o olhar determinado. Sabia que a sociedade o ridicularizaria, que as famílias ricas o tratariam como um t**o romântico, e que sua mãe jamais perdoaria tal mancha no nome Cavalcante. Mas, pela primeira vez, isso não o importava. — Amélie será minha.— murmurou, firme. Porque algo dentro dele já havia decidido: Amélie Pérez não seria uma simples peça de negociação. Ela seria a mulher ao seu lado não por conveniência, mas por escolha. E, ao olhar uma última vez para a luz distante na casa dela, sentiu um calor no peito que nenhuma riqueza poderia substituir. Naquele instante, Estefano Cavalcante o herdeiro do império mais temido da região fez a promessa silenciosa que mudaria o destino de ambos: enfrentaria o mundo inteiro, se fosse preciso, para fazê-la sua.
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