Na manhã seguinte, o sol m*l despontava por entre as janelas altas da mansão Cavalcante quando Francesca recebeu a notícia.
A criada de sua confiança, sempre ávida por agradar a patroa, se aproximou enquanto ela tomava o café da manhã na varanda.A mulher mais velha, elegante e fria como o mármore, levantou o olhar apenas o suficiente para demonstrar interesse.
— Fale logo.
— Senhora... ontem à noite, depois do jantar, eu vi algo — começou, hesitante, com um brilho de malícia nos olhos. — Vi o senhor Estefano... no jardim... com a moça Pérez.
Francesca pousou a xícara sobre o pires com um tilintar seco.
— Tenha cuidado com o que diz.
— Eu juro, senhora. Eles estavam conversando... muito perto. Parecia... — ela parou, como se a própria ousadia a fizesse corar — íntimo.
O silêncio que se seguiu foi sufocante.
O olhar de Francesca, duro como aço, fixou-se em um ponto distante.Por dentro, a raiva queimava em ondas controladas.Mas do lado de fora, ela manteve a calma.
— Muito bem. — disse por fim, num tom gelado. — Pode ir.
A mulher fez uma reverência e desapareceu depressa.
Francesca ficou imóvel por alguns segundos, o vento brincando com as fitas do seu vestido.Depois, levantou-se lentamente, ajeitando as luvas.
—Eu lhe dei abrigo, comida, uma chance de redimir a vergonha do pai… e ainda assim ousa se aproximar do meu filho?
A frase ecoava dentro dela, acompanhada de uma raiva amarga,pessoal.Para Francesca, Amélie havia ultrapassado um limite sagrado: o da posição social, o da obediência, o da hierarquia.
Horas depois, Amélie estava na cozinha, lavando panelas, quando Rosa entrou apressada, o rosto pálido.
— Amélie... a senhora Francesca mandou um recado pra você.
A jovem se virou, o coração já apertando.
— O que foi agora?
Rosa abaixou o olhar, constrangida.
— Disse que... está proibida de se alimentar por três dias.
Amélie arregalou os olhos.
— O quê?
— Ela mandou trancar a despensa. Disse que é punição por “desobediência e comportamento impróprio”.
Por um instante, Amélie não conseguiu reagir.As palavras pareciam flutuar no ar, distantes, irreais.Depois, ela deixou a escova cair na pia, o som ecoando como um estalo.
— Ela... sabe do jardim, não é? — murmurou, mais para si do que para Rosa.
A criada confirmou com um gesto tímido.
— Uma das moças contou pra ela.
Amélie passou a mão no rosto, tentando conter as lágrimas que ameaçavam surgir.A fome seria suportável já a humilhação, não.Ser privada da comida não era apenas castigo físico; era uma mensagem clara:
Você é menor. Você deve saber o seu lugar.
Rosa se aproximou e pousou uma mão no ombro dela.
— Eu... posso tentar trazer algo escondido.
— Não — respondeu Amélie, a voz trêmula, mas firme. — Se ela descobrir, vai te punir também.
Ficaram em silêncio por um instante.O som do fogo crepitando no fogão preencheu o espaço.
Amélie respirou fundo e ergueu o queixo.
— Eu vou aguentar. Já passei por coisa pior.
Rosa enxugou discretamente os olhos.
— Você é forte, menina... mas cuidado. A senhora Francesca não esquece.
No andar de cima, Francesca observava o jardim pela janela, o mesmo onde o filho e a criada haviam sido vistos.O olhar dela era fixo, frio, calculado.Entre os dedos, girava lentamente o anel dourado da família, como quem planeja um movimento em um jogo de xadrez.
—Vamos ver até onde vai a coragem dessa garota.— Murmurou para si mesma—
E até onde Estefano está disposto a desobedecer.
Ela sorriu de leve um sorriso sem doçura, apenas poder.