O relógio antigo da mansão marcava sete e meia da noite.
A família Cavalcante jantava sob a luz dourada dos candelabros, e o som dos talheres e taças era o único ruído que quebrava o silêncio pesado do salão.
Amélie, pálida como o linho da toalha, se movia com lentidão controlada entre os lugares, servindo vinho e recolhendo pratos com as mãos trêmulas.Já era o segundo dia sem comer e embora tentasse disfarçar, o corpo começava a fraquejar.As pernas pareciam de chumbo, e a vista, por vezes, escurecia nas bordas.
Ela mantinha o rosto sereno, como havia aprendido a fazer desde que chegara àquela casa.Sabia que Francesca a observava de perto, avaliando cada gesto, pronta para puni-la de novo ao menor deslize.E sabia também que Estefano, sentado ao lado da mãe, não conseguia disfarçar o desconforto.Seu olhar a seguia a cada passo preocupado, impotente, furioso em silêncio.
Mas Amélie não ousava erguer os olhos.
Não podia.
Francesca notaria.
O jantar parecia interminável. O cheiro dos assados e do vinho misturava-se com o zumbido distante do cansaço que ecoava em sua cabeça.Cada movimento exigia esforço.Cada respiração, controle.
Quando foi recolher o último prato da mesa, um zumbido agudo tomou seus ouvidos.Ela piscou, tentando focar.
O chão pareceu balançar levemente.A bandeja escapou-lhe das mãos e o som do metal batendo no chão ecoou pelo salão como um trovão.
Todos olharam ao mesmo tempo.
Amélie cambaleou, tentando se equilibrar, mas as pernas cederam.O corpo dela tombou de lado, e em um instante o mundo escureceu.
— Amélie! — o grito de Estefano cortou o ar.
Ele se levantou de súbito, empurrando a cadeira para trás, e correu até ela.As criadas se entreolharam, hesitantes, sem saber o que fazer.Francesca ficou imóvel por um segundo o rosto impassível, mas o olhar faiscando.
Estefano ajoelhou-se ao lado da jovem, segurando-a pelos ombros.
— Amélie… — murmurou, desesperado. — Acorde, por favor.
Ela não respondeu. O rosto dela estava pálido, os lábios sem cor.Ele percebeu, horrorizado, a leve tremedeira de suas mãos e o quão magra ela parecia.
— O que aconteceu com ela? — ele exigiu, olhando para as criadas. — Tragam água! Rápido!
Ninguém se moveu.Todas olhavam para Francesca, esperando uma ordem.
A matriarca, com voz gelada, finalmente se levantou.
— Levem-na para o quarto dos empregados. — disse com calma. — É apenas fraqueza.Amanhã estará bem.
Estefano se ergueu de súbito, furioso.
— Fraqueza? — sua voz ecoou pelo salão. — Isso é resultado de algum maldito castigo, não é?
Francesca manteve o olhar fixo nele, firme.
— Cuide do seu tom, Estefano.
— Ela está desmaiada no chão, mãe! — gritou ele, a raiva transbordando. — Sem forças, por sua culpa! Que tipo de pessoa está se tornando por pura ganância.
Francesca não respondeu.Os convidados haviam se calado, tensos.Ela apenas o olhou com frieza e respondeu:
— Se ela é fraca a esse ponto, talvez nunca devesse ter pisado nesta casa.
Foi demais.
Estefano, tomado de raiva e repulsa, abaixou-se novamente, pegou Amélie nos braços e sem dizer mais nada, saiu do salão diante de todos.O som de suas botas ecoou pelos corredores, e ninguém ousou impedi-lo.
Francesca ficou parada, o olhar fixo na porta por onde o filho desaparecera com a criada nos braços.Seu semblante era o de uma mulher ferida não por remorso, mas por desobediência.
Ela pousou lentamente a mão sobre o colar de pérolas no pescoço, respirou fundo e disse, com frieza contida:
— Ele acaba de escolher o lado errado.