O inverno chegou com um vento cortante que percorria as ruas e avenidas da pequena cidade, trazendo consigo uma atmosfera de solenidade e elegância.
A mansão Cavalcante preparava-se para um novo baile, desta vez um evento ainda mais grandioso: o Baile de Inverno dos Cavalcante, onde famílias ricas e influentes seriam recebidas, reforçando alianças e mostrando o poder e o prestígio da família.
Lustres brilhavam no salão principal, aquecendo o ambiente com sua luz dourada refletida no mármore polido. Cortinas pesadas, tapeçarias luxuosas e flores frescas compunham a decoração, criando um cenário de requinte e sofisticação.
Enquanto os convidados chegavam, Amélie percorria os corredores, carregando bandejas de vinho. Seu vestido simples e as mãos marcadas pelo trabalho a deixavam invisível aos olhos da maioria, mas seu coração batia acelerado a cada passo, temerosa de ser notada por alguém que pudesse humilhá-la ou, pior, criticar sua presença ali.
— Mais cuidado com a bandeja, senhorita Pérez! — gritou uma criada mais velha, passando por ela apressada. — Não quero ver taças quebradas durante a recepção!
Amélie respirou fundo, segurando a bandeja com firmeza, tentando não derramar nada enquanto caminhava entre os convidados que conversavam, riam e brindavam com champanhes e vinhos finos.
Mesmo imersa naquele mundo de luxo, a jovem sentia-se isolada, lembrando-se de cada olhar de censura que já tivera de Francesca e das outras criadas.
Enquanto caminhava pelo salão, carregando outra bandeja, Amélie percebeu Estefano no meio dos convidados.
Ele conversava de maneira cortês com alguns homens da alta sociedade, mas a atenção dele parecia dispersa, como se buscasse algo ou alguém.
Quando os olhos de Amélie se encontraram com os dele por um instante, ela sentiu um pequeno fio de segurança, uma lembrança das promessas, quando ele a protegeu, até mesmo do beijo que ela jamais admitiria que gostou.
O coração acelerou, mas ela manteve a postura, evitando qualquer gesto que pudesse chamar atenção da mãe dele ou dos convidados.
— Senhorita Pérez! Mais vinho para a mesa do canto! — gritou a criada mais velha, lembrando-a de seu dever.
Ela respirou fundo e seguiu, sabendo que cada movimento era observado, cada gesto avaliando sua postura.
Mesmo invisível aos convidados, a sensação de estar sob os olhares atentos de Francesca e das famílias ricas a deixava alerta, quase sufocada.
Enquanto passava pelo salão, levou uma rápida olhada para Estefano, que a viu de relance. O olhar dele transmitiu uma mensagem silenciosa: “Estou de olho. Nada de errado vai acontecer enquanto eu puder evitar.”
Amélie assentiu discretamente, quase imperceptível, e seguiu para entregar o vinho, o corpo cansado, mas o coração carregado de uma mistura de medo, ansiedade e… uma pequena chama de esperança.
O salão principal da mansão Cavalcante estava cheio de risos contidos, de conversas afiadas e de passos ritmados sobre o piso polido.
Amélie ainda caminhava entre as mesas, levando taças e garrafas de vinho, mas não podia deixar de observar os detalhes ao seu redor.
As jovens das famílias ricas deslizando pelo salão, vestidas com sedas finas, veludos e bordados delicados, os cabelos presos em penteados elaborados, adornados com joias que brilhavam à luz dos candelabros. Os pares dançavam graciosamente ao som de valsas, sorrindo e curvando-se com elegância, enquanto os olhares atentos da sociedade avaliavam cada gesto.
Amélie parou por um instante atrás de uma coluna, escondendo a bandeja e observando.
O que via lhe apertava o peito: aquela vida de luxo, de liberdade para dançar, sorrir e ser admirada, era algo que ela nunca poderia ter.
“Eu… nunca poderia usar vestidos assim… nem participar das danças… nunca ser alguém que eles respeitam…”, pensou, com a voz da própria tristeza ecoando dentro dela.
Ela sentou-se rapidamente em um degrau discreto perto da parede, escondendo-se das vistas, e deixou escapar um suspiro pesado.
As mãos ainda seguravam a bandeja, mas o olhar se perdia nos movimentos daquelas mulheres, imaginando como seria ser livre para escolher seu próprio lugar naquele mundo.
Ao redor, os risos, os flertes, as pequenas conversas sobre alianças e negócios faziam Amélie se sentir ainda mais deslocada.
Ela não era invisível apenas por vestir roupas simples era invisível porque aquela vida jamais seria dela, e a cada minuto que passava observando, a distância entre ela e o mundo luxuoso parecia insuportável.
Tudo isso é bonito… mas não é para mim,” murmurou baixinho, sentindo o coração apertar.
“Eu só posso servir… e permanecer à margem, sempre.”
Mesmo com o cansaço e a tristeza, ela respirou fundo, tentando recompor-se e levantar-se.
Cada passo no salão era agora mais pesado não apenas pelo trabalho, mas pelo peso da percepção de que, enquanto todos dançavam, sorrindo, ela apenas observava, aprisionada pela posição que Francesca e a sociedade haviam decidido para ela.