O relógio da mansão marcava sete horas quando Francesca Cavalcante conduziu Amélie pelos longos corredores de pedra.As janelas altas deixavam entrar a luz fria da manhã, refletindo nos pisos de mármore e nos espelhos dourados.Para Amélie, cada passo parecia ecoar o quanto ela estava longe de casa.
— Preste atenção, — começou Francesca, com o tom de quem dita ordens, não conselhos. — Aqui tudo tem seu lugar, e cada pessoa tem o seu dever.
Amélie caminhava um passo atrás, as mãos cruzadas à frente do corpo.
— Sim, senhora.
— Você ajudará na cozinha, limpará o hall principal e manterá as janelas sempre sem poeira. — Francesca falava enquanto deslizava os dedos pela balaustrada. — As criadas mais velhas lhe mostrarão o que for necessário.
Ela parou e virou-se, o olhar fixo na moça.
— E uma coisa, senhorita Pérez. — O tom suavizou, mas o veneno continuava ali, discreto. — Nesta casa, ninguém menciona o nome do meu filho.
Amélie piscou, confusa.
— Senhora?
Francesca aproximou-se um passo.
— Está me ouvindo bem, não está? — disse, com um sorriso que não chegava aos olhos. — Não há motivo para você sequer dirigir-lhe a palavra. Ele é um Cavalcante, e você… é apenas uma empregada.
A jovem sentiu o rosto corar, sem saber o que responder.
Apenas baixou os olhos.
— Entendido, senhora.
— Muito bem. — Francesca endireitou a postura. — Agora, vá. A cozinheira a espera.
Amélie curvou levemente a cabeça e seguiu em silêncio até a cozinha.
O ambiente era amplo e movimentado, com o aroma de pão fresco e ervas pairando no ar.O piso de pedra estava coberto por pequenos rastros de farinha, e uma luz morna entrava pelas janelas altas.
A cozinheira, Dona Pilar, uma mulher robusta e bondosa, olhou para ela com curiosidade.
— Então é você a nova moça?
— Sim, senhora. Amélie Pérez.
— Pérez, ah… o homem da madeireira, não é? — perguntou, mas logo balançou a cabeça, sem esperar resposta. — Pegue o balde, menina. Se quiser ficar, comece pelo chão.
Amélie obedeceu. Arregaçou as mangas, pegou o pano e ajoelhou-se.A pedra fria sob os joelhos a fez estremecer, mas ela começou a esfregar, em silêncio.Enquanto limpava, pensava nas irmãs, na casa simples, no cheiro do pão que Teresa fazia nas manhãs.Por um instante, a saudade ameaçou fazê-la chorar mas ela respirou fundo e continuou.
Foi então que o som de passos firmes ecoou pelo corredor.Um murmúrio entre as criadas fez todas pararem.
Estefano Cavalcante acabara de chegar.
Vestia casaco escuro, as luvas ainda nas mãos e a expressão distraída.Falava algo com um criado sobre negócios, mas, ao passar pela cozinha, seus olhos se desviaram e pararam.
No chão, ajoelhada com o rosto parcialmente coberto por uma mecha de cabelo solto, estava Amélie.O sol que entrava pela janela iluminava seu rosto de perfil, destacando o tom suave de sua pele e o brilho tímido de suor na testa.
Por um instante, o tempo pareceu parar.
— Amélie… — ele sussurrou, sem perceber.
Ela ergueu o rosto, surpresa.
O pano molhado escorregou de sua mão.Por um breve momento, nenhum dos dois conseguiu dizer nada.
A cozinheira, percebendo o clima, se apressou em disfarçar:
— Senhor Cavalcante! Não esperávamos o senhor por aqui. A moça é nova, está aprendendo.
Estefano deu um passo à frente, os olhos ainda fixos em Amélie.
— Nova…? — murmurou, quase sem voz. — O que ela está fazendo aqui?
Antes que alguém respondesse, o som de saltos ecoou pelo corredor.Francesca apareceu na porta, elegante e imponente.
— Ora, meu filho… — disse, com um sorriso gélido. — Vejo que já conheceu nossa nova empregada.
Estefano virou-se lentamente para ela, o rosto tenso.
— Mamãe… o que significa isso?
Francesca ergueu o queixo.
— Significa que a família Pérez precisava de ajuda, e eu tive a generosidade de oferecê-la. Nada mais justo, não acha?
Amélie manteve a cabeça baixa, as mãos trêmulas sobre o balde.O olhar de Estefano alternava entre ela e a mãe, dividido entre incredulidade e raiva.
— Isso é errado — disse, por fim. — E a senhora sabe.
Francesca apenas sorriu, um sorriso leve e vitorioso.
— Não, meu filho… é disciplina. E você, de todos, deveria agradecer. Agora pode vê-la todos os dias e aprender o que significa abaixar os olhos diante de seu próprio nome.
Ela se virou, o perfume de jasmim preenchendo o ar, e deixou a cozinha.
O silêncio que ficou foi sufocante.Amélie tentou falar algo, mas Estefano apenas olhou para ela, o olhar tomado por uma mistura de dor e fúria.
Sem dizer nada, ele saiu atrás da mãe.
Amélie ficou sozinha, o pano ainda em mãos, o coração acelerado.E pela primeira vez, ela entendeu o que Francesca queria dizer com “seu lugar”.