Capítulo 23. Reencontro

800 Words
O relógio da mansão marcava sete horas quando Francesca Cavalcante conduziu Amélie pelos longos corredores de pedra.As janelas altas deixavam entrar a luz fria da manhã, refletindo nos pisos de mármore e nos espelhos dourados.Para Amélie, cada passo parecia ecoar o quanto ela estava longe de casa. — Preste atenção, — começou Francesca, com o tom de quem dita ordens, não conselhos. — Aqui tudo tem seu lugar, e cada pessoa tem o seu dever. Amélie caminhava um passo atrás, as mãos cruzadas à frente do corpo. — Sim, senhora. — Você ajudará na cozinha, limpará o hall principal e manterá as janelas sempre sem poeira. — Francesca falava enquanto deslizava os dedos pela balaustrada. — As criadas mais velhas lhe mostrarão o que for necessário. Ela parou e virou-se, o olhar fixo na moça. — E uma coisa, senhorita Pérez. — O tom suavizou, mas o veneno continuava ali, discreto. — Nesta casa, ninguém menciona o nome do meu filho. Amélie piscou, confusa. — Senhora? Francesca aproximou-se um passo. — Está me ouvindo bem, não está? — disse, com um sorriso que não chegava aos olhos. — Não há motivo para você sequer dirigir-lhe a palavra. Ele é um Cavalcante, e você… é apenas uma empregada. A jovem sentiu o rosto corar, sem saber o que responder. Apenas baixou os olhos. — Entendido, senhora. — Muito bem. — Francesca endireitou a postura. — Agora, vá. A cozinheira a espera. Amélie curvou levemente a cabeça e seguiu em silêncio até a cozinha. O ambiente era amplo e movimentado, com o aroma de pão fresco e ervas pairando no ar.O piso de pedra estava coberto por pequenos rastros de farinha, e uma luz morna entrava pelas janelas altas. A cozinheira, Dona Pilar, uma mulher robusta e bondosa, olhou para ela com curiosidade. — Então é você a nova moça? — Sim, senhora. Amélie Pérez. — Pérez, ah… o homem da madeireira, não é? — perguntou, mas logo balançou a cabeça, sem esperar resposta. — Pegue o balde, menina. Se quiser ficar, comece pelo chão. Amélie obedeceu. Arregaçou as mangas, pegou o pano e ajoelhou-se.A pedra fria sob os joelhos a fez estremecer, mas ela começou a esfregar, em silêncio.Enquanto limpava, pensava nas irmãs, na casa simples, no cheiro do pão que Teresa fazia nas manhãs.Por um instante, a saudade ameaçou fazê-la chorar mas ela respirou fundo e continuou. Foi então que o som de passos firmes ecoou pelo corredor.Um murmúrio entre as criadas fez todas pararem. Estefano Cavalcante acabara de chegar. Vestia casaco escuro, as luvas ainda nas mãos e a expressão distraída.Falava algo com um criado sobre negócios, mas, ao passar pela cozinha, seus olhos se desviaram e pararam. No chão, ajoelhada com o rosto parcialmente coberto por uma mecha de cabelo solto, estava Amélie.O sol que entrava pela janela iluminava seu rosto de perfil, destacando o tom suave de sua pele e o brilho tímido de suor na testa. Por um instante, o tempo pareceu parar. — Amélie… — ele sussurrou, sem perceber. Ela ergueu o rosto, surpresa. O pano molhado escorregou de sua mão.Por um breve momento, nenhum dos dois conseguiu dizer nada. A cozinheira, percebendo o clima, se apressou em disfarçar: — Senhor Cavalcante! Não esperávamos o senhor por aqui. A moça é nova, está aprendendo. Estefano deu um passo à frente, os olhos ainda fixos em Amélie. — Nova…? — murmurou, quase sem voz. — O que ela está fazendo aqui? Antes que alguém respondesse, o som de saltos ecoou pelo corredor.Francesca apareceu na porta, elegante e imponente. — Ora, meu filho… — disse, com um sorriso gélido. — Vejo que já conheceu nossa nova empregada. Estefano virou-se lentamente para ela, o rosto tenso. — Mamãe… o que significa isso? Francesca ergueu o queixo. — Significa que a família Pérez precisava de ajuda, e eu tive a generosidade de oferecê-la. Nada mais justo, não acha? Amélie manteve a cabeça baixa, as mãos trêmulas sobre o balde.O olhar de Estefano alternava entre ela e a mãe, dividido entre incredulidade e raiva. — Isso é errado — disse, por fim. — E a senhora sabe. Francesca apenas sorriu, um sorriso leve e vitorioso. — Não, meu filho… é disciplina. E você, de todos, deveria agradecer. Agora pode vê-la todos os dias e aprender o que significa abaixar os olhos diante de seu próprio nome. Ela se virou, o perfume de jasmim preenchendo o ar, e deixou a cozinha. O silêncio que ficou foi sufocante.Amélie tentou falar algo, mas Estefano apenas olhou para ela, o olhar tomado por uma mistura de dor e fúria. Sem dizer nada, ele saiu atrás da mãe. Amélie ficou sozinha, o pano ainda em mãos, o coração acelerado.E pela primeira vez, ela entendeu o que Francesca queria dizer com “seu lugar”.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD