Capítulo 02 - Surpresa

1996 Words
*Jamaica* Já ouviu aquele ditado que diz que quando o urubu tá de azar o de baixo caga no de cima? Pois é, tudo indicava que eu era o urubu azarado. Nunca tinha visto um mês para tanta coisa dar errado de uma vez. Primeiro, teve toda uma confusão com a mulher do patrão, um x-9, a polícia e a facção. A história me atingiu porque, além de ser melhor amigo do patrão e amigo da mina dele, eu sou gerente do morro. Isso quer dizer que estava envolvido no caos que o morro e a vida deles se tornou. Mas tudo bem, porque depois as coisas se resolveram, tá ligado? A mina do patrão ficou de boa, ele voltou a viver no sossego e o x-9 foi sentar no colo do c4peta. Só que aí veio o segundo problema, a Elisa, minha ex melhor amiga e irmã do patrão, era meio apaixonada pelo tal x-9, e o que ela fez quando descobriu que ele era um policial infiltrado e que estava só usando ela? A maluca fingiu que estava bem e foi curtir a p0rra do carnaval. Fazia sete dias que ela não voltava pra casa, sete dias sem fazer mais do que responder as minha mensagens com um “tudo bem” e algum emoji i****a. Eu estava preocupado pra c****e, mas, de novo, até aí tudo bem. Dei minha palavra que deixaria de ser b***a com ela, já bastava ter passado os últimos oito anos correndo atrás e sustentando uma amizade que ela não tinha mais vontade de manter, além de um desejo que ela não correspondia. A Elisa me rejeitou quando eu tinha uns dezessete anos, quando eu, feito um bom i****a, fui todo bobo me declarar para ela. Ela disse que não me queria porque eu tinha entrado pro movimento e ela não ficava com tr4ficante. Mas sabe qual é a ironia? Uma semana depois ela estava pegando um moleque que passava dr0gas aqui na comunidade. E você acha que eu tomei vergonha na cara e esqueci ela depois disso? Não mesmo. Passei os anos seguintes observando de longe, sempre presente pra quando ela precisasse e sempre sendo tratado como um amigo que, depois da rejeição, nem era mais tão amigo quanto antes, já que ela começou a ficar estranha comigo. Só que agora essa parada ia mudar, estava decidido a parar de agir feito um cachorrinho disponível para ela. Decidido a colocar minha vida nos trilhos, tá ligado? Tinha ouvido o Baroni, o dono do morro, e a Pat, a mulher dele, os dois tinham me dado a ideia que estava na hora de superar a Elisa. Se ela queria continuar vivendo a vida doida dela, ela viveria. Se ela não sentia nada por mim, eu não ia mais alimentar nada que sentisse por ela. Foi com essa certeza que eu comecei a semana. Ia cuidar da minha vida, focar na gerência do morro e, quem sabe, arrumar uma mina de boa pra quando a pat inventasse de me arrastar nas saídas dela com o Baroni. Já estava tudo planejado na minha cabeça, mas aí o que a vida fez? Me jogou mais uma questão para fazer tudo virar de cabeça para baixo. A coisa começou a ficar estranha quando um dos vapor chamou no radinho pra comunicar que tinha uma patricinha na entrada do morro me procurando. Já estranhei aí, essas mina nunca apareciam no morro em dia que não tinha baile, muito menos para me procurar. Mesmo estranhando, peguei minha moto e desci para ver o que a mina queria. Assim que cheguei na contenção, eu vi a mulher. Branca, roupa fina, um salto que não combinava com a pista da comunidade, os cabelos lisos, que eu nem sabia se eram dela mesmo, e os olhos azuis atentos. Ela também me viu, consertou a postura e fez menção de se aproximar. Os caras na contenção não deixaram. A regra era clara: ninguém passava dali pro morro sem autorização. Se ela queria chegar perto de mim, ia ter que esperar eu passar pro outro lado. — Quê que tá pegando? — me aproximei, imaginando o tipo de B.O que ia ter que resolver. — Vim te entregar — ela ergueu uma dessas cadeirinhas de bebê que se coloca no carro, que eu nem tinha visto na mão dela, e me olhou com determinação. — Como é que é? — observei o pacotinho todo embrulhado em roupinhas brancas dentro da cadeirinha. O bebê dormia sem fazer ideia de onde a maluca da mãe tinha enfiado os dois. — O bebê é seu, Jamaica. Eu não posso ficar com ele, minha família nem sabe que tive um bebê, não posso esconder isso para sempre, então vim te entregar. O modo como ela falou “isso”, como se o bebê fosse algo r**m, me fez apertar os dentes. Odiei o tom. Como é que ela falava assim da própria cria? — Deixa eu vê se entendi — cruzei os braços, mantendo a voz neutra — Você vem até aqui com um bebê e acha que pode simplesmente entregar ele para mim? É isso? E depois o quê? — Depois eu vou embora e você pode fingir que nunca me viu — ela transbordava convicção, como se não fosse um absurdo aquele papo todo. — Vou te mandar o papo, se essa criança fosse minha, eu ia pegar ela só pra livrar de ter uma v4dia fria feito você como mãe — rebati, já perdendo a paciência. Eu era de boa com tudo nessa vida, era raro me estressar com algo, mas se tinha uma coisa que me desestabilizava era ver qualquer um maltratando uma criança. — É sua — ela enfatizou, balançando a cadeirinha na minha direção. Continuei de braços cruzados. — E o que garante isso? Não me leve a m*l, mas eu não lembro de já ter te visto antes. O que na verdade nem era indicativo de nada. Eu não lembrava da maioria das mina do asfalto que eu já tinha f0dido. Elas normalmente apareciam nos bailes, tentavam chamar atenção dos aliados e, sinceramente, eu era um dos que não negava fogo quando uma mina dessa aparecia. Só que entre f0der com elas e lembrar do nome ou da cara no dia seguinte, tinha muita diferença. Pode me chamar de b4baca, tá de boa, eu realmente só queria me divertir, mas sempre garantia que a mina com quem ficava também quisesse o mesmo. E, claro, também garantia que elas nunca saíssem insatisfeitas do processo. Eu não era de todo r**m, só não queria compromisso, sabe? A única com quem eu já quis algo sério tinha me ensinado como é uma m3rda bem f0dida levar um pé na bund4. — A gente se conheceu no baile em abril do ano passado — ela começou a falar — Vocês tinham deixado a entrada de mulheres livre, eu vim com uma amiga minha. Eu estava usando um vestido rosa que você disse que deixava o meu corpo maneiro — não tinha um pingo de sentimento em nada que dizia, na verdade só parecia apressada para terminar a história, deixar o bebê e dar no pé — Você estava usando uma blusa verde de botões na frente. Eu lembro dos botões porque os de cima estavam abertos e eu vi uma parte da tatuagem de tigre que você tem no peito — nessa hora comecei a prestar mais atenção no que ela dizia, porque pelo menos na blusa e na tatuagem ela acertou — A minha amiga conseguiu ir para o camarote, acho que por causa de um cara que ela estava ficando, não sei. Enfim, a gente foi apresentado por esse cara, você perguntou se eu não queria ir para um lugar mais reservado, eu estava meio bêbada e te achei bem bonito, então topei e você me levou para um dos quartos no corredor do lado de fora do camarote — ela não hesitava, não dava a mínima pros caras da contenção ouvindo a história toda — Já acredita no que estou falando ou quer que conte mais detalhes? Posso dizer quantas tatuagens você tem no corpo, eu lembro da maioria delas. Inclusive os dados e a alerquina na sua coxa, e... — Beleza — interrompi, antes que começasse a descrever coisas demais — Já ficou claro que eu te comi, mas isso não garante que o bebê seja meu. Ela demonstrou alguma coisa pela primeira vez desde que chegou. Parou, como se minhas palavras tivessem surtido efeito, fechou a expressão e abriu a boca para rebater, mas depois só suspirou como se estivesse saturada do papo. — Quer saber? Cansei. Não vou ficar com o bebê. Se você não quer assumir, por mim tudo bem, eu deixo ela em algum abrigo por aí — e pra enfatizar que estava falando sério, deu as costas. Meu corpo todo retesou com a atitude. Qual era a p0rra do problema dela? — Você só pode tá de brincadeira — segurei ela pelo braço, sem medir a força, já estava de saco cheio daquela postura de merda. — Não, estou falando sério — ela virou para me olhar — Não posso ficar com o bebê, a minha família não aceitaria, eu nunca poderia dizer quem é o pai e eu tenho uma vida toda pela frente. Preciso estudar, quero viajar pelo mundo, não tem espaço para isso na minha vida. Vai querer ficar com ela ou não? O que eu queria mesmo era arrebentar a cara daquela put4 por tá chamando o bebê de “isso” daquele jeito enojado. Travei o maxilar pra controlar a vontade de fazer alguma besteira e tentei raciocinar, não era possível que ela realmente fosse tão indiferente a própria filha. — Tu acha que deixar a criança no morro é uma boa ideia? Mesmo se ela fosse minha filha… — Ela é sua filha — a mina me interrompeu, quase rosnando — Mas se você não quer, não tem problema, pelo menos não vai poder me julgar. — Me dá o bebê — rebati no automático quando ela voltou a se afastar. Não que eu quisesse um bebê, na maioria das vezes eu não sabia o que fazer comigo mesmo, imagina com uma criança. Mas não consegui pensar em outra coisa para dizer quando vi que ela ia mesmo dar no pé com aquela ideia absurda na mente. Não dava pra deixar ela dar a cria assim em qualquer abrigo, ainda mais com a chance de eu ser o pai. Eu podia ter muitos defeitos, mas ser um pai irresponsável era algo que nunca admitiria que entrasse na lista. A d3sgraçada virou na mesma hora e estendeu a cadeirinha, assim que eu peguei, ela fez menção de dar as costas pra se afastar. — Vou te dar um aviso — falei com a voz cheia de raiva, agarrando o braço dela de novo — O bebê vai ficar comigo, mas se algum dia você sequer pensar em voltar, eu meto uma bala na sua cabeça. E acho melhor você dá o fora logo, porque eu tô me segurando pra não fazer isso agora. Ela não respondeu, manteve o olhar indiferente, mas eu vi quando engoliu em seco antes de eu soltar e ela voltar a andar, muito mais rápido que antes. Ainda estava com o olhar grudado nas costas dela quando o bebê acordou e começou a chorar, e só aí me dei conta do que eu tinha acabado de fazer. Eu tinha aceitado um bebê. O que é que eu ia fazer com um bebê? Qual é, eu não fazia ideia de como ser pai, essa possibilidade nunca passou pela minha cabeça, era exatamente por isso que sempre me protegia no sexo. E mesmo assim, agora eu tinha um bebê sem mãe. Parecia loucura, né não? Mas acredite, a coisa só ia ficar ainda mais louca depois daquilo, só que disso eu ainda não sabia.
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