Escolha

1050 Words
As palavras de Lorenzo me atormentaram. Um m*l menor. Eu queria gritar, mas a lógica fria dele, a forma como ele usava a ordem para justificar o caos, era perturbadora. Ele era um tirano, mas o tirano mantinha a cidade funcionando. Eu o odiava, mas eu o via. — Você não sabe — nem eu acreditava nas minhas próprias palavras. — Pode não gostar, mas o fato é que você está aqui agora. No fundo sabe que eu falo a verdade. Pode me condenar, pelo que aconteceu, mas sabe que eu não estou tão errado assim. Essa aqui é minha vida, o império da minha família. Tenho obrigações e... — Minha família foi um efeito colateral, certo? — a raiva na minha fala — Você não perdeu o que eu perdi Lorenzo... — Não, não perdi... Mas porque a gente não perde o que nunca teve... As coisas para nós dois são diferente. Sinto muito pelo que passou, mas não estava no meu controle na época... — Seria diferente se estivesse? Teria poupado pessoas inocentes se pudesse? Seus olhos estavam em mim, ele não precisava responder com palavras, eu sabia a resposta. Me odiava por compreender que aquela era a vida dele. Depois que somos jogados em algumas situações, alguns momentos só nos resta seguir a maré. — Se eu pudesse, sim — embora baixa, posso ouvir com clareza sua resposta. Talvez porque estejamos perto o bastante. Seus dedos ainda tocavam minha pele. Estava dividida. Sim, eu sentia raiva, mas sim, ele estava certo no que disse. Não era só isso. — Pode procurar o que quiser nos papeis. Mas você já sabe a verdade. — Ainda preciso de respostas — afirmo. — Precisa aceitar o que tem e seguir em frente. Sei o que minha família fez, sei o quanto me odeia. Mas estará segura do meu lado. Talvez, essa seja a forma dele de dizer que ficaremos bem. Preciso de ar. — Já acabei aqui, vou pro meu quarto. Me afasto, fazendo com que ele tenha que tirar sua mão de mim. — Aurora... — Vou para o meu quarto — aviso. Não posso deixá-lo me afetar dessa forma. Mas como impedir que ele consiga entrar por em mais pedaços em mim? Passei o restante do dia analisando documentos e quando cansei, me dei o luxo de apenas deitar na minha cama e dormi. Era manhã do dia seguinte quando ele mandou me chamar. Era um reste. Mas de uma forma que eu não esperava. Não era sobre a Máfia; era sobre o seu "mundo legal". — Tenho uma reunião com o CEO de um banco que nos deve um favor — ele disse, enquanto colocava o terno caro. — Você virá comigo. Você vai se sentar ao meu lado e observar. Não fale. Apenas observe as falhas. Concordei, e fui me vestir. Eu me vesti com o traje elegante que ele me havia comprado. Pude ver seus olhos caírem sobre mim. Ignorei, mas admito que foi difícil não fazer o mesmo com ele. Chegamos ao escritório do CEO, um homem nervoso e excessivamente cortês. — Sabe o que tem que fazer — sussurrou. Deu um breve aceno e portei ao seu lado. Em silêncio e fazendo o que sei de melhor: analisar pessoas. Lorenzo exigiu algo simples: a aprovação de um empréstimo gigantesco para uma das suas empresas de fachada. O CEO, Dr. Almeida, suava. Enquanto Lorenzo falava, a mente do CEO estava em outro lugar. Seus olhos desviavam para o relógio a cada trinta segundos. Ele olhava para a porta. E a sua mão segurava uma caneta, mas os nós dos seus dedos estavam brancos. — Algum problema, Doutor Almeida? — Lorenzo perguntou, com a voz calma, mas cheia de aço. O CEO balançou a cabeça, forçando um sorriso. — Claro que não, Sr. Valente. Estamos apenas nos ajeitando com o... hã... o novo protocolo de empréstimos. Eu sabia que ele estava mentindo. Ele estava adiando algo. Me inclinei ligeiramente para Lorenzo e sussurrei: — Ele está esperando alguém. Está ganhando tempo para uma intervenção. Lorenzo me ignorou completamente. Ele se virou para o CEO e sorriu, um sorriso que não chegava aos olhos. — Eu não gosto de esperar, Doutor. Você assina este documento agora, ou eu garanto que sua família vai se sentir muito desconfortável na sua casa de campo no próximo fim de semana. O CEO ficou branco e agarrou a caneta. Mas eu sabia que a intervenção estava a caminho. Eu tinha a escolha ali: deixar Lorenzo cair na armadilha ou salvá-lo. Se ele caísse, eu estaria livre. Mas se ele caísse, ele poderia morrer, e a verdade sobre meus pais morreria com ele. Eu agi. Não pela lealdade a ele, mas pela minha vingança. Pelo menos era isso que dizia a mim mesma. — Doutor — disse, falando pela primeira vez, ignorando o olhar de surpresa de Lorenzo. — O seu carro está estacionado em uma vaga de invalidez. A multa deve ser alta. O CEO piscou, confuso. — O quê? Não, não é minha.. — É a sua esposa que está esperando lá, não é? — eu perguntei. — Você está esperando que ela venha te resgatar. Ela está lá embaixo, no carro, te esperando para fugir. O CEO desabou, olhando para a porta. — Como você sabe disso? Lorenzo, percebendo a manobra, sorriu. Um sorriso de puro triunfo. Ele se levantou, sem olhar para mim. — Parece que o Doutor precisa de um empréstimo maior do que pensávamos. Não para o banco, mas para a sua fuga. — Ele pegou o documento, e o CEO assinou em pânico. — Por favor... — Deveria tomar mais cuidado com as manobras que faz doutor. — Lorenzo disse lhe dando as costas. Na porta, Lorenzo me encarou. — Por que você me salvou, Aurora? Você teve a chance de se livrar de mim. Eu o encarei de volta. — Eu não te salvei. Eu salvei a única pessoa que tem as chaves para a minha verdade. Era mentira. Eu sabia e ele também, seu sorriso demonstrava justamente isso. Mas a verdade era mais complexa. Eu o odiava. Mas meu corpo ainda se lembrava do calor dele, e o meu instinto de sobrevivência era ainda mais forte. Eu precisava de Lorenzo Valente vivo.
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