Eu estava queimando de raiva.
O relatório dos meus homens era frio e direto, um punhal no meu controle.
Ela me enganou. Aurora foi para a cidade como havia pedido, mas se esgueirou por vielas e becos com uma facilidade perturbadora, desaparecendo no meio da multidão.
É isso que dá, baixar a guardar. E é por isso que eu nunca abaixo.
Meus homens a rastrearam até a zona velha, um lugar que eu havia esquecido. Sei que Aurora se encontrou com um homem.
Um homem sem conexões, um fantasma do passado. Um velho.
Coloquei pessoas para entender o que estava acontecendo. Eu não podia ter nenhuma espécie de venda nos olhos se eu quisesse enfrenta-la.
O incêndio de vinte anos atrás. Foi disso que ela foi atrás. Mas por que?
Ela não tem nada a ver com essa história.
Minhas fontes me disseram que o incêndio de vinte anos atrás foi um incidente isolado, um aviso, nada que a Máfia Valente não pudesse resolver. Nada que eu precisasse me preocupar. Esses "avisos" eram comuns em meu meio. E foi resolvido. Não envolviamos inocentes.
Mas a garota que eu trouxe para minha casa estava lá, mexendo em feridas que deveriam ter permanecido seladas.
A inquietação dela, a distância nos últimos dias, o silêncio... tudo fazia sentido agora.
Ela não estava me temendo; ela estava me investigando.
Eu a esperei em meu escritório, em frente à minha coleção de mapas, o símbolo da minha ordem. Minha mão estava no balcão de madeira polida, meus nós brancos de raiva.
Eu me senti traído. Eu dei a ela tudo – segurança, uma nova vida, até mesmo um vislumbre do meu refúgio na cozinha – e ela usou a oportunidade para se tornar uma espiã.
Levo meus olhos até Aurora quando a vejo passar pela porta. Eu sentia raiva. Ninguém me engana dessa forme.
Não havia mais palavras gentis, nem a fachada de uma parceria. Apenas a certeza fria de que ela era uma inimiga sob meu teto.
— Você mentiu para mim— controlei meu tom de voz. Eu não precisava gritar. A dureza do olhar e das palavras ditas de forma pausada soam muito mais perigosa e fria.
A vi encolher os ombros , uma demonstração de ousadia que beirava a insanidade. Ela não parecia preocupada, com medo e muito menos parecia alguém que se importava em não sair mais viva daqui de dentro.
— E o que isso faz de mim que você já não seja? — sua palavras me atingiu. Havia uma cala disfarçada, e sua posição era uma afronta a mim.
Eu me levantei, cruzando a distância entre nós com um passo. Embora já soubesse de tudo, eu ainda queria ouvir dela. O queria saber o quão longe ela iria.
— Eu quero a verdade. Onde você esteve? E com quem?
— Comprei o que precisava — ela respondeu, a voz perigosamente plana. — Eu não tenho obrigação de relatar cada passo que dou.
— Você tem a obrigação de ser leal — eu rosnei. Ou está se esquecendo do nosso acordo?
— Não. Mas parece que o acordo não valeu muito para a minha família, não é? — O sutil veneno em sua voz me fez parar.
Eu vi em seus olhos a mesma mentira que eu havia lido em centenas de homens ao longo dos anos, mas desta vez, a mentira me machucou de uma forma inesperada.
Eu usei a informação que meus homens haviam me dado para quebrar sua fachada.
— Você foi ao Beco da Fênix, não foi? — perguntei, e seu rosto ficou branco como papel. O nome que ela achava que era segredo a atingiu com força. — Você encontrou o velho, Francisco.
Seus olhos se arregalaram. A máscara dela havia finalmente caído, revelando a dor crua por baixo.
— Por quê? — eu exigi, minha voz vibrando com fúria. — Por que você foi lá? O que ele te disse que fez você me olhar como se eu fosse um monstro?
O silêncio dela me torturou. Ela estava escondendo algo grande, algo que tinha o poder de destruir a única coisa que eu havia construído com ela. Eu avancei, prendendo-a entre a minha fúria e o balcão.
— Fale! Do que é que você está indo atrás?
A espada da verdade pendia sobre nossas cabeças. Eu podia sentir o cheiro do medo dela, misturado ao cheiro da minha própria incerteza. E eu não sabia se a revelação me mataria, ou se mataria para sempre a frágil faísca de humanidade que ela havia despertado em mim.