Capítulo 45

1161 Words
Abriu as portas da sua casa sem pensar duas vezes, sem medir consequência nenhuma, sem se importar com quem a gente era. E olha que ela correu um risco imenso do meu pai fazer o mesmo que fez com o Iago — inventando aquelas histórias, acusando de sequestro, de tortura, de todas aquelas coisas. Mesmo correndo risco, ela quis nos ajudar. Costuma falar que só fez o que um dia fizeram por ela. Até hoje eu não entendo por que o Dr. Eduardo não fez nada dessa vez. Porque, juro, fiquei esperando o momento em que a polícia ia subir aqui atrás da gente. Mas, por incrível que pareça, dessa vez eles não vieram. Porque será, né? Vai ver que, dessa vez, não era interessante pra ele que a polícia subisse e visse o que ele fez. O rosto da mulher dele todo arrebentado, as marcas na perna da minha mãe, os pontos na minha testa... Conveniente demais ficar calado justo quando o errado era ele. Engraçado como quem grita o tempo todo por “justiça” fica mudo quando é o vilão da história. A gente ficou na casa da Manu por uns dias, até decidir procurar um cantinho nosso aqui no morro. O problema nem era ela — a Manu é um amor, de verdade. O problema era o marido dela, o Terror. Ele nunca foi grosso comigo, mas dava pra sentir no ar que a nossa presença incômodava ele. Sabe quando a pessoa nem precisa abrir a boca porque o olhar já diz tudo? Pois é. Era bem isso. Ele olhava pra mim e pra minha mãe como quem queria que a gente sumisse logo dali. A Manu jurava que era coisa da minha cabeça, mas não era. Ele tem os dois pés atrás comigo e não é difícil entender o motivo. Como eu já tava agoniada pra sair de lá, ela acabou comentando com os meninos que a gente tava procurando uma casa pra morar aqui no morro. Mas que fosse num canto mais sossegado, né? Porque eu e minha mãe não queríamos confusão. Aí o Juninho, aquele mesmo que ajudou a gente quando chegou, falou que a mãe dele tinha uma casinha que tinha acabado de vagar. Pronto. Foi Deus. A Manu foi lá, conversou com a dona Sílvia e resolveu tudo. A mulher só pediu dois meses adiantado. Mas a Manu, doida do jeito que é, foi lá, pagou e ainda comprou os móveis. Quando chegou pra me dar a notícia, já tava com tudo certo e até a entrega dos móveis já tava marcada. Em pouco tempo, eu e minha mãe já estávamos na nossa casinha. Eu tava tão feliz, mesmo sendo um lugar simples. Era meu, poxa. Nosso, na verdade… ou pelo menos era pra ser. Porque não durou muito até minha mãe decidir voltar pra casa do meu pai. E o pior: ela foi sem me avisar. Um belo dia eu acordei e ela já tinha ido embora. Só me deixou um bilhete em cima da mesa, escrito que tava fazendo aquilo por mim — pra que eu não tivesse a vida que ela teve. Pediu pra eu não ir atrás, me desejou boa sorte e deixou a marca de um beijo de batom rosa no papel. Li aquilo chorando, me tremendo toda, e até hoje me sinto super m*l só de lembrar que ela tá lá naquela casa, sozinha. O começo foi difícil, mas agora já me acostumei com a ideia de morar sozinha. Me acostumei com a liberdade que eu nunca tive: a dormir a hora que eu quero, comer miojo no café da manhã e trocar água por coca-cola… luxo puro. Quando cheguei lá em cima, dei de cara com a casa da Manuela. E olha... impossível fingir costume. A casa é um absurdo de linda. Enorme, toda murada e com um portão largo que parece mais a entrada de uma mansão de revista. Por fora não dava pra ter ideia de quão linda era a parte interna da casa. Tudo é impecável. Tudo tem a cara da Manu. Ajeitei o cabelo e fui caminhando até me aproximar. Na frente, tinham uns três caras encostados na parede, duas motos e dois carros parados. Eles me olharam de cima a baixo, de cara fechada. Parei, meio sem graça, segurando o dinheiro no bolso, pensando se não era melhor dar meia-volta e sumir. Mas já que eu tinha vindo até aqui, né… Pedi pra avisarem a Manu que eu queria falar com ela e me encostei no carro. Foi exatamente assim que eles fizeram. Um deles avisou lá dentro que eu tava esperando e depois voltaram a conversar entre si. De vez em quando soltavam uma risadinha, olhando pra mim. Mas eu fingia que não percebia — por dentro, meu Deus, eu só queria sumir dali. O coração tava até acelerado, a mão suando, aquele medo de acontecer alguma coisa r**m comigo. Fiquei na minha até que eles começaram a puxar assunto comigo do nada, jogar umas piadinhas, me elogiando e perguntando meu nome. Na hora eu já fui me afastando devagar, tentando disfarçar o pânico. Desencostei do carro pronta pra descer correndo. Mas, bem na hora, ouvi o barulho do portão abrindo atrás deles. Olhei e era ela. Ufa. Senti meu corpo até amolecer de alívio. Manuela vinha cantarolando e sorrindo, toda bonita num vestido azul-marinho justo, o cabelo solto, pulseiras finas balançando no braço. Toda linda. Por um segundo, até esqueci das piadinhas que os caras tavam fazendo antes dela aparecer. — Ué, por que não entrou direto? — ela riu, vindo toda animada. — Tava preocupada com você. Sumiu... Ri também, meio sem saber onde enfiar a cara. — Vim te pagar antes que eu gaste tudo. — estendi o dinheiro enrolado na mão. — Eu vou ser grata eternamente a você, mas não quero te deixar no prejuízo. Ela olhou pro dinheiro, depois pra mim, e deu um risinho de quem acha graça. — Tá maluca, Maria Clara? Eu lá quero isso? — balançou a cabeça, descrente. — Me poupe. — Eu sei que não quer, mas eu quero te pagar. — insisti, meio rindo também. — Tu já fez demais por mim. — Demais o quê? — suspirou, mas acabou pegando o dinheiro. — Fiz nada demais, Maria Clara. Mas como eu sei que se eu não pegar esse dinheiro tu vai ficar aí se martirizando... eu vou pegar, tá bom? — piscou e completou: — Mas, em troca, tu vai entrar pra conhecer a minha afilhada. — Ah, não... — ela me olhou, rindo, e veio me puxando pelo braço antes que eu terminasse de responder. — Bora, anda. Deixa de graça. — Mas eu tô toda suada, Manuela... — reclamei baixinho, tropeçando atrás dela. — Todo mundo aqui tá suado, ninguém vai reparar nisso não. — continuou me arrastando, o vestido justo marcando o corpo dela, toda perfumada e rindo. — Vem logo, menina.
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