Capítulo 10

1497 Words
Maria Clara Passei boa parte da minha vida olhando o mundo por trás de uma janela de hospital. Enquanto as outras crianças corriam na rua, se penduravam nos brinquedos do parquinho e os adolescentes começavam a namorar, eu ficava presa entre paredes brancas, máscara no rosto, tentando não esquecer que cada passo podia ser perigoso. A leucemia roubou minha infância e minha adolescência. Médicos, exames, quimioterapia e um corpo frágil que eu quase não reconhecia. Eu via o sol todos os dias, mas só através do vidro. Quando chovia, ficava horas olhando as gotas descerem pela janela, imaginando como seria correr lá fora, me molhar de verdade. O que pra qualquer pessoa era normal, simples, pra mim era só um sonho. Vi meu cabelo cair, senti a fraqueza de não conseguir fazer nada sozinha, vivi a solidão de não poder abraçar ninguém sem medo de uma infecção. Aquele quarto cheio de desenho era meu mundo. E mesmo assim, nunca deixei de acreditar que um dia eu ia sair dali e ia conseguir viver. Aos dezessete fiz um transplante de medula, aguentei cada etapa, e sobrevivi. Hoje me sinto como uma borboleta que passou tempo demais no casulo, frágil, mas livre. E é por isso que vivo com tanta intensidade. Quero tudo, rir alto, amar sem freio, sentir o vento no rosto, me jogar inteira em cada momento. Não quero e não vou perder a benção de estar viva. Eu vou viver! Meus pais ainda me olham como algo que eles tem medo de perder de novo. Eu entendo. Sou filha única e eles quase me viram partir tantas vezes. Agora eles só querem proteger como se pudessem me guardar do mundo. Não sou perfeita, só sou alguém que quer se agarrar à vida porque sabe exatamente o quanto desejou estar viva. Mas tudo isso ficou pra trás. Hoje, depois do transplante, depois da cura, eu me sinto outra. Saí da ONG em Caxias exausta, ainda sentindo o corpo fraco porque m*l tinha comido, mas fui direto pra clínica. Estacionei a SW4 — sim, blindada, porque meu pai tem certeza que o Rio tá só esperando a chance de me engolir viva. Peguei a bolsa no banco do carona, jaleco na mão e entrei. Cumprimentei a Madalena com um sorriso rápido, acenei pros tutores que esperavam na recepção e segui pro consultório. O calor lá fora tava insuportável, então liguei o ar-condicionado assim que entrei na sala. As horas correram normal. Um atendimento puxando o outro, e quando vi, já era o último. Como eu atendo na ONG de manhã, acabei me enrolando e atrasei toda a agenda. A Madalena me avisou que o último paciente tinha chegado e então eu fui abrir a porta. E lá estava: um rapaz sentado com um macaquinho no colo. Sim, um macaquinho. Olhei a prancheta conferindo o nome do bichinho: Arturo. Nome bonito, diferente. O macaquinho tava todo arrumadinho, roupinha, até um cordãozinho de ouro no pescoço ele tinha. Mais chique do que eu. Então ele colocou ele na mesa e eu comecei a examinar, tentando entender a tal queixa do tutor. Fui examinando, falando baixinho com ele, brincando pra não estressar. Até estranhei um pouco o silêncio do rapaz. Normalmente eles enchem a gente de pergunta mas ele estava quieto. Coisa rara. Ele só me olhava, atento em cada movimento meu. Não achei nada de errado de imediato e então pensei em pedir um exame de sangue. Mas nem deu tempo. . Foi ai que a porta abriu de repente, e tudo aconteceu. Só lembro da arma na minha cara, do cara puxando o meu cabelo, da adrenalina travando meu corpo. Entrei em choque. Quando voltei a entender já não era eu quem tava sendo dominada, era o ladrão. O cara do macaquinho tinha reagido e me salvado. Pisco os olhos, respirando fundo. Conto a cena pela milésima vez pros meus pais tudo que aconteceu durante o dia até o momento do assalto... Eles ficam parados na minha frente. Eles não, minha mãe porque meu pai andava de um lado pro outro, nervoso. Minha mãe segurou meu rosto com carinho, beijando a minha testa, aflita, e eu sorri fechando os olhos por uns segundos, tentando passar calma pra ela. Meu pai explode, nervoso. Como sempre. — E quem é esse cara? — pergunta me encarando firme. Suspiro, porque é a pergunta que mais ouvi nas últimas horas. — Não sei, pai. Quer dizer, eu sei, mas não lembro de cabeça o nome dele. Minha mãe me abraça de lado, como se eu ainda fosse aquela menininha frágil no hospital e beija minha testa de novo. Eu fecho os olhos e me encosto, fico quietinha encostada nela, porque sei que ela precisa tanto quanto eu daquele abraço. Mas aí vem meu pai de novo: — Já passou da hora de você mudar essa clínica de lugar. Talvez um local com mais policiamento e mais segurança. E outra, tem que rever sobre tu ficar andando por aí com essa ONG, Maria Clara. Você podia ter morrido! — ele fala me olhando de braços cruzados. E lá vamos nós, de novo. — Pai, já tá tudo bem… — eu encaro ele, que me encara com a postura de promotor, não de pai. — Não, não está. Eu quero as câmeras de segurança da clínica e do quarteirão. Eu vou entregar tudo pra federal. Eu tenho certeza que essa p***a não foi só um assalto. Isso foi um atentado. Pronto. Sumiu meu pai e apareceu o Dr. Eduardo. É nessas horas que eu entendo porque as pessoas temem tanto ele. — Ok — eu me levanto e passo as mãos nos ombros dele, tentando trazer de volta o pai que eu conheço. — Eu te dou o acesso a todas as câmeras, eu repito essa história quantas vezes o senhor quiser, mas me deixa dormir agora, por favor? Eu fiquei a noite inteira naquela delegacia pai. Ainda bem que o Humberto comprou um lanche pra mim porque eu tava morta de fome. E aí minha mãe que tava só observando aproveitou a deixa, óbvio. — Tá ali um rapaz que eu faço gosto de vocês dois juntos. — fala sorrindo, e eu viro o rosto na direção dela rindo. — Não. De jeito nenhum. O Humberto não faz meu tipo, e eu nem quero pensar em namorar agora. Somos amigos e só isso. Mas claro que ela insiste, porque a dona Ruth só falta trancar a gente dentro da igreja e amarrar as nossas mãos. É o sonho dela e da mãe dele. Só não é o meu. Pego minha bolsa, sorrio pra eles, tentando encerrar o assunto. Mas meu pai volta puxa outro assunto. — Quero também o nome do cara que te salvou. Afinal, preciso agradecer a ele de alguma forma. — Tá, eu te passo — digo, caminhando em direção as escadas. — Que tal um jantar? Chama ele pra jantar com a gente hoje à noite — minha mãe solta e eu quase erro os degraus. Paro no meio da escada, olhando pra eles lá embaixo, totalmente travada. Congelada. E, de repente, a lembrança me invade: eu ali, pertinho dele, sentindo a sua respiração roçando a minha pele. Os nossos olhos se encontrando. Foi intenso. Um olhar que parecia segurar o meu, intenso e desconsertante ao mesmo tempo. Nunca tive isso antes. Nunca um homem olhou pra mim daquele jeito. Eu, que sempre fui resguardada, inexperiente, quase infantil nesse tipo de coisa… senti como se o chão fugisse dos meus pés. Um arrepio percorreu as minhas costas, o coração acelerou de um jeito estranho, e a sensação voltou agora, inteira, só de lembrar. Sorrio sozinha, feito uma i****a. i****a mesmo. Tenho certeza de que tô toda vermelha que nem um pimentão. Então meu pai reforça o convite e me tira do meus pensamentos. — Isso. Chama o rapaz pra jantar aqui hoje.— ele fala e eu assinto. Essa é uma ótima oportunidade pra agradecer a ele e também de poder vê-lo outra vez. Subo as escadas quase correndo, fecho a porta do quarto, jogo a bolsa e o jaleco na poltrona e me sento na cama, tirando o tênis e passando o cabelo pra atrás da orelha. Talvez pode ter sido o medo que eu senti ou a sensação de ter sido protegida por ele. Não sei. Mas eu realmente fiquei impressionada com a forma como ele lutou pra me salvar. Eu, a mocinha da trama, e ele… o herói. Olha só a cafonice! Mas foi assim que eu senti. O celular vibra na bolsa e eu vou até lá pegar. É o Humberto. Mensagem: Chegou bem? Tá melhor? Respondo rápido, quase seca: Sim. Amanhã a gente se fala. Mando e já saio da tela. Não quero prolongar assunto. Jogo o celular na cama e vou tomar um banho. ____________________________________________ 🚨 ATENÇÃO, LEITORES! 🚨 É muito importante ter essa troca de energia com vocês. Então comentem bastante e votem.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD