O Milagre da Rainha Deusa

1414 Words
Muito distante de onde vivia a tribo das guerreiras Icamiabas, alheios à dimensão paralela à sua, existia uma bela terra chamada Lívia. Seus habitantes tentavam manter a paz insustentável entre os clãs e famílias que ainda existiam em suas verdejantes terras. A disputa se dava por divergências de crenças, o culto dos chamados Deuses Antigos. Contava a lenda sobre aquela terra que havia sido a primeira a ser criada pelo Rei Deus, um dragão dourado que atendia pelo nome de Diamat, ele teria sido responsável por criar todas as dimensões existentes e seu movimento constante, permitindo que a vida e o tempo existisse. Há muitos séculos aqueles que cultuavam o Rei Deus e a Rainha Deusa eram caçados e desapropriados de suas terras. Em muitos casos, eram mortos por aqueles que cultuavam o Verbo Eterno. Os devotos do Verbo Eterno diziam que ele guardava o mistério sobre a criação de tudo que existe e da geração da vida como a conhecem. O culto a Rainha Deusa havia sido praticamente extinto porque muitos a consideravam uma deusa menor ou apenas a companheira do Rei Deus, responsável apenas pelo nascimento de outros deuses, deixando o culto de seus poderes quase completamente esquecido. Apenas um Clã ainda a cultuava em segredo e essa devoção se devia à fé de seu patriarca, um poderoso guerreiro chamado Dinís. Estava amanhecendo nas terras de Lívia. O sol ainda não havia aparecido, Dinís orava ajoelhado em seu modesto altar, sem aparentemente nenhuma divindade. Uma imagem de pedra vermelha, onde uma mulher com cabeça de pássaro e asas ostentava uma grande barriga de gestação, em sua mão direita uma espada e na mão esquerda um arco e flecha, aquela era a imagem da Rainha Deusa. Dinís, mais um dia, orava para sua proteção e daqueles de seu clã, para a fartura em sua mesa, para que o dia fosse de bons negócios. Mais uma vez, ele pedia que a divindade que sempre havia sido muito generosa com ele e seu clã lhe agraciasse com a chegada de uma filha. Sempre desejou ter uma menina para poder ensiná-la toda a tradição das sacerdotisas da Rainha Deusa, não podia pensar em morrer sem ter essa graça. Diariamente, orava com fé, jamais reclamava dos nascimentos dos filhos, eram cinco, todos valorosos que lhe enchiam de orgulho, mas lhe faltava uma filha ou uma neta de sua linhagem, pois apenas nasciam homens em sua família e isso o angustiava. Estava terminando suas orações quando ouviu os passos suaves de sua esposa próximos dele. Rose colocou a mão sobre seu ombro. Dinís separou as mãos de frente do rosto, tocando a mão dela, terminou seus agradecimentos e levantou os olhos verdes para olhá-la. Rose sorriu calorosamente, assistindo-o se levantar e envolver sua cintura com os braços, eles andaram para fora do local onde ficava o altar. Em frente a porta beijou as costas da mão dela, sorriu dizendo-lhe: — Devo sair agora, minha senhora, os moradores próximos ao rio têm reclamado de um fantasma ou animal que apavora a todos. — O que pode ser? — Creio que possa ser algum lobo ou urso ferido, minha senhora. — Não irá sozinho, meu senhor. — Levarei alguns homens comigo, devemos retornar perto do horário da primeira refeição. — O esperarei ansiosamente, meu senhor. Que os deuses os protejam e os tragam a salvo. — Assim será, minha amada. Beijou rapidamente os lábios de sua amada esposa e desceu, saindo rapidamente do local, desaparecendo pelas escadas. Rose fixou seus olhos no chão, seu rosto tomou um ar triste, sabia o motivo das orações do marido. Seu marido orava pela dádiva de ter uma filha, porém desde o nascimento de seu filho caçula, não conseguiu mais engravidar, a curandeira do clã havia lhe dito que depois do parto difícil que havia tido, era pouco provável que conseguisse ter uma nova criança e aquele fato, que mantinha em segredo do marido, partia seu coração. Alisou o vestido com as mãos, disfarçando sua frustração com um sorriso caloroso em seu rosto, precisava cuidar da organização da fortaleza e da preparação da primeira refeição do dia, desceu para a cozinha para verificar como andavam os afazeres dos serviçais. No pátio externo, Dinís se juntou com um grupo de cinco guerreiros que lhe acompanhariam em sua incursão pelo animal que estava amedrontando as pessoas de seu clã. Montou no cavalo e olhou para o céu do amanhecer com suas cores rosas e laranjas, o sol da primavera aparecia preguiçoso, começando a surgir no céu, olhou ao redor e viu que o grupo de guerreiros estavam todos prontos, fez o sinal com a mão para o vigilante. Todos partiam cavalgando em silêncio, sabiam que o patriarca de seu clã evitava falar antes da primeira refeição e todos respeitavam. A cavalgada até o local foi rápida, nas proximidades do rio, não foi difícil achar de onde o som assustador vinha, oito moradores estavam do lado de fora de suas casas tentando espiar para dentro de uma gruta. Os sons agudos e constantes assustavam os moradores, que obviamente não possuíam coragem o suficiente para entrar na gruta para observar o que se tratava. Dinís desceu do cavalo fazendo uma saudação com a cabeça para os moradores, todos o observavam atentamente chegando até a entrada da gruta, ouviu o som agudo ecoando de dentro do local, uma anciã aproximou-se explicando: — Patriarca, tenha cuidado, os aldeões têm certeza de que se trata de um cérbero ou outro ser demoníaco... Dinís baixou a cabeça ouvindo os risos de seus homens atrás de si, olhou sobre o ombro para o grupo de soldados e não pôde deixar de sorrir divertido, olhou para a idosa supersticiosa na sua frente e disse: — Tranquilize-se anciã, seja o que for, não poderá mais importuná-los. A idosa fez um sinal de proteção com as mãos, ao ver Dinís e seus guerreiros entrando na gruta, o patriarca do clã desembainhou sua espada e seguiu cuidadosamente para o interior. As paredes do local possuíam uma luz natural esverdeada, o chão era feito de pedra lisa, algumas gotas de água caiam do teto no pequeno lago. Uma cesta chamou a atenção de Dinís, moveu-se cuidadosamente, fazendo sinal para que seus guerreiros ficassem afastados, cutucou aquele cesto de tamanho pequeno, quase uma caixa de bordado das mulheres de seu clã. Cutucou o cesto com o pé e ouviu algo balbuciar, olhou para dentro do recipiente, observou um belo tecido que jamais havia visto outro semelhante em sua vida e pegou com cuidado a ponta do pano de cor vermelha, como as das pétalas de uma rosa. Sentiu uma pata muito pequena tocar em seu dedão, ficou surpreso e levou a mão novamente para dentro do cesto, percebendo a cabeça de um felino todo cheio de pintas lhe encarando curiosamente, fazendo um som parecendo um miado. Dinís riu, achando graça do medo dos aldeões de um filhote de gato miando de fome, retirou o pano vermelho de dentro do cesto por completo e caiu de joelhos ao perceber seu conteúdo, todos os guerreiros se agitaram, ele fez um sinal de mão. Seus olhos não podiam acreditar no que estava vendo, além dos dois pequenos felinos havia um bebê gracioso que esticava seus braços na direção dele, abriu um grande sorriso, ele segurou a criança para fora do cesto e, nesse momento, as lágrimas rolaram de seus olhos em cascata. Era uma menina, seus cabelos negros eram iguais ao de sua esposa, preso em seu pescoço estava uma joia verde no formato de um felino que Dinís não conhecia. Para ele, aquele era o sinal da Rainha Deusa, ela havia lhe concedido a benção de ter uma filha, abraçou a menina contra o peito, protegendo seu corpo com o tecido vermelho, disse em voz baixa junto ao corpo da criança: — Agradeço humildemente pela graça recebida, Rainha Deusa, ensinarei tudo o que sei para que seu culto jamais deixe de existir. Homens tragam o cesto e os felinos, voltaremos à fortaleza. Quando estava saindo disse a um dos guerreiros: — Vá à frente e avise a minha senhora que lhe levarei uma bênção. O guerreiro, que era um pouco mais que um adolescente, viu o bebê de cabelos negros se mexendo no colo do patriarca envolto em um tecido vermelho e fez um sinal de positivo com a cabeça. Montando em seu cavalo, voltou até a casa principal com muita pressa, aquela benção traria muita alegria a matriarca do clã.
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