CAPÍTULO 01
A armadura do General era pesada, feita de metal em algumas partes para proteger os órgãos vitais do homen e de couro nas partes que exigiam certa maleabilidade. A couraça (parte que protege o dorso) era de metal, moldada para encaixar perfeitamente no seu peitoral largo e em cada um dos músculos do seu abdômen, deixando a armadura mais confortável e esteticamente mais bonita (Argon não dava a mínima para esse último ponto). Ele estava sem as manoplas (as luvas metálicas que protegiam seus punhos e dedos), mas não havia dispensado os espaldares, não querendo lesionar os ombros em hipótese alguma.
Quando havia sido promovido à general e deixado de ser um dos soldados da linha de frente, à pouco mais de oito anos atrás, o rei Érato queria colocá-lo em uma chamativa e elaborada armadura de ouro, mas a ideia foi rapidamente descartada depois que Argon tensionou rapidamente o maxilar e negou com um duro e simples "NÃO". Ouro era um metal estupidamente maleável e não serviria para nada em uma batalha, onde uma estocada certeira com uma espada o atravessaria como atravessaria uma folha de papel. Até mesmo as armaduras de Argon que eram feitas de uma liga bastante resistente de cobre e titânio não era o suficiente para parar alguns golpes (as grandes cicatrizes superficiais que ele colecionava por todo o corpo eram uma boa prova de disso).
O general descartava uma armadura à cada par de meses, quando elas estavam danificadas o suficiente para serem inúteis. Aquela que ele estava usando agora, por exemplo, seria descartada dali pouco tempo, pois já possuía ranhuras profundas contra toda a região do seu peitoral e dorso, onde os inimigos miravam certeiramente para perfurar o seu coração, ou pelo menos algum órgão vital ali próximo.
O exército comandado por Argon havia voltado poucas horas antes, depois de uma vitória rápida e sangrenta, sem não mais do que cem baixas para o seu reino, Arlant, e cerca de oitocentas para o excerto inimigo, que havia fugido covardemente ao verem que não tinha mais chance alguma de vencer. Aquela era apenas uma das centenas de batalhas travadas desde o início da guerra, anos atrás. As disputas pelas cidades e terras das fronteiras estavam ainda mais sangrentas, enquanto Arlant e Arandônia (Que centenas de anos antes haviam sido o mesmo reino) disputavam por parcelas de território. Argon tinha orgulho de saber que seu reino estava com uma vantagem sobre o rival, e que ele tinha grande influência nisso.
O general só havia tido tempo para limpar o sangue do corpo e tirar pelo menos boa parte da sujeira e fuligem que estava acumulada sobre a pele, antes de finalmente ir falar com seu exército. Comemorar com ele. Argon vestia uma túnica simples de linho branco e sem mangas (naquele momento ela já não estava mais tão branca assim), que deixava a mostra as suas pernas musculosas e poderosas, assim como seus braços grossos como troncos de árvores.
O enorme forte em que estava agora ficava um pouco afastado da cidade, com espaço para treinamento de campo e de modo com que houvesse espaço para armar tendas e barracas para aquele batalhão, que tinha cerca mil soldados. O forte era uma construção de pedra cinzenta e simples, diferente do castelo real, para onde seguiriam dalí semanas, que era uma construção de mármore estupidamente elaborada, complexa e requintada demais Argon, que preferia coisas mais simples.
Enquanto o general saia da fortaleza, os soldados mais novos que estavam de guarda curvaram-se em reconhecimento para ele rapidamente, mostrando respeito para aquele homem que nos últimos anos havia sido o segredo do sucesso de Arlant para continuar vencendo aquela guerra. Argon era responsável pela parte estratégica, liderança, treinando e supervisão, além de ser um soldado na linha de frente de todas as batalhas, e talvez fosse justamente isso que o fazia ser tão adorado por seus homens. Os soldados gostavam de ter um líder que estava ali para morrer com eles se fosse necessário, e não um homem que simplesmente lhes passasse informações sobre a batalha e voltasse para o conforto da sua casa, longe do perigo, logo em seguida.
A brisa quente vindo das dunas bateu no rosto do general assim que ele colocou os pés fora do forte, em frente aquela imensidão de barracas e tendas enfileiradas. O clima de Arlant era absurdamente quente durante metade do ano e levemente menos quente que isso durante todo o resto. Boa parte do território era semiárido, com dunas de areia tão altas e imponentes que tempestades de areia estavam se tornando cada vez mais frequentes. Apesar das temperaturas, o território de Arlant era cortado por vários rios, e ao redor deles a terra úmida era tão fértil que o reino conseguia produzir comida o suficiente para abastecer tanto à si mesmo quanto importar para outros. Arandônia tinha um clima mais frio por se localizar mais ao norte, perto das cordilheiras gigantescas e congelantes que haviam no limite do continente.
Argon notou que todos os seus homens estavam incrivelmente felizes com a vitória de mais cedo, rindo e tomando vinho e cerveja à vontade. Alguns deles ainda estavam sujos de sangue, terra e lama, além de que algumas dezenas deles haviam sido levados para as enfermeiras para cuidar dos seus ferimentos. Normalmente o general ordenava para comemorassem quietos e não gerassem qualquer tipo de confusão, mas daquela vez Argon decidiu ficar calado e vê no que daria.
A maioria dos soldados tinha entre vinte e trinta anos. Eram jovens que se coluntariávam à irem a guerra, seja por ideais próprios ou desejo de ter reconhecimento e riquezas num futuro próximo. Além disso, eles eram atraídos pela fama do sanguinário e assustador general, e mesmo que chegassem alí sem sequer saberem segurar uma espada, Argon dava um jeito em cada um deles em poucas semanas. Era como se ao invés de procurar a aprovação e o reconhecimento do rei e da nobreza, todos estivessem tentando ser notados por Argon, o melhor soldado de todos. A grande maioria deles tinham as cores e traços típicos de Arlant: cabelos pretos cacheados e lisos, rostos angulosos e peles negras, moreno escuras ou simplesmente morenas. Todos também eram musculosos devido aos meses em que passaram em treinamento intenso e as batalhas semanais.
Os homens abriam caminho para o general enquanto ele seguia para o centro do acampamento, que era disposto de maneira circular. Argon acenava levemente com a cabeça em reconhecimento para os seus soldados, que o cumprimentavam de forma exagerada. Ele tinha trinta e oito anos e era praticamente um dos mais velhos alí, além de um dos mais experientes. Isso deixava todos os mais jovens impressionados, querendo um pouco da sua atenção.
Ao erguer o olhar e encarar a linha do horizonte pouco acima das tendas e barracas, Argon via várias colunas acinzentadas de fumaça cortando o céu azul, que escureceria dali poucas horas. Em Arlant, eles tinham o costume de queimar os seus mortos em piras e entoar orações aos deuses para que a passagem para o submundo fosse mais tranquila. Os que permaneciam vivos não tinham tempo para lamentar a morte daqueles que já tinham partido. Suas mortes eram necessárias e cada um deles seria lembrado pela bravura. Seus familiares passariam de geração em geração a memória daqueles que lutavam pela soberania de Arlant.
Quando finalmente chegou ao centro do acampamento, Argon foi cercado por centenas de homens. Todos sabiam que o general não era do tipo que costumava discursar ou falar coisas motivacionais, mas os soldados sempre ficavam curiosos sobre o que ele tinha à dizer.
— Hoje foi mais um dia em que trouxemos a vitória para casa. — Argon começou, alto o suficiente para que sua voz rouca ecoasse atravéz das fileiras e todos ali a ouvissem. - hoje, soldados, dermos mais um passo para mais perto da conquista do que é nosso por direito. Viva a Arlant!!
— VIVA A ARLANT!! — Os soldados exclamaram alto e em uníssono, fazendo uma pontada de orgulho e satisfação cruzar o corpo do general, que havia treinado cada um daqueles homens nos últimos meses.
Sem dizer mais nada, Argon começou a andar em direção às tendas para onde haviam levado os feridos. Ele mesmo queria examinar a gravidade de cada um dos soldados e manda-los de volta para casa caso estivessem completamente incapacitados.
Assim que entrou na primeira tenda, o general foi recebido por Heracles, um dos curandeiros do exército. O homem já passava dos cinquenta anos e tinha uma estatura franzina, mas era o mais eficiente no que fazia, e caso não desse jeito em um ferimento ou doença, ninguém mais daria.
O curandeiro começou a mostrar a maioria dos soldados deitados e sentados nas macas. A maioria tinha apenas cortes superficiais pelo corpo que precisariam apenas ser limpos e enfaixados para evitar qualquer tipo de infecção. A atenção de Argon caiu sobre um jovem soldado de pele n***a que não parecia ter mais de vinte e cinco anos, ele tinha uma espada atravessada de forma brutal na parte de cima da sua coxa. O rapaz grunhia de dor e estava meio zonzo, claramente dopado de tanto ópio para que a dor não fosse insuportável. Heracles já estava se preparando para cuidar dele, lavando as mãos e separando os utensílios necessários para a remoção da lâmina sem causar o máximo de estrago possível, para então limpar a ferida, cauteriza-la e imobilizar a perna. O corte foi limpo o suficiente para que não tivesse pegado em nenhum osso, além de que era bastante próximo da cintura do rapaz, tornando impossível um amputamento caso as coisas se tornassem complicadas.
— E-eu... Ainda posso lutar, senhor. — O rapaz grunhiu ao reconhecer o general, e mesmo trincando os dentes de dor, lançava-lhe um olhar admirado. Argon de aproximou dele e agarrou a mão do rapaz, apertando os seus dedos com força e encarando os olhos escuros do mais novo, que ainda estavam nebulosos por causa dos entorpecentes para dor.
— Eu sei que pode, soldado. Mas já fez o suficiente por enquanto. — Disse o general, colocando-se próximo a maca e ficando num ângulo em que fosse impossível para o soldado vê Heracles trabalhando na sua perna, embora ele tivesse trincado os dentes assim que o médico tocou no cabo da espada. Argon já tinha visto tantos cortes brutais e Heracles fazer cirurgias complexas que já estava acostumado com isso.
— E-eu... AH! — O rapaz grunhiu de dor quando a espada começou a ser removida.
— Qual o seu nome, soldado? — Perguntou Argon, apertando os seus dedos com força para distrai-lo.
— E-Evander... — Os lábios do rapaz estavam tremendo levemente e um pouco acinzentados pela perda de sangue.
— Você vai voltar para casa por uns meses, Evander. Deve ter pessoas que ficarão alegres em te ver.
— M-meus pais... E-e... Orfeu. — Respondeu Evander, tremendo um pouco, mas pelo menos a espada já havia sido removida e Heracles estava colocando álcool no ferimento.
— Ele é seu irmão?
— M-meu amor... — Grunhiu Evander em resposta.
— Então você precisa ir vê-lo, soldado. A partir de hoje você está dispensado por tempo indeterminado, até conseguir voltar e lutar conosco, se ainda quiser isso. — Argon respondeu, vendo o outro assentir levemente com a cabeça.
— V-vou perder a minha perna? — Evander perguntou, e antes que Argon falasse alguma coisa, Heracles respondeu:
— Considere hoje seu dia de sorte, rapaz. A lâmina não pegou nenhum nervo ou o osso, então se você cuidar direito e não se esforçar em absolutamente nada nas próximas semanas, o máximo que vai ganhar é uma bela cicatriz. — respondeu o médico, fazendo tanto Evander quando Argon grunhirem, aliviados com aquilo.
O general continuou conversando com o rapaz até ele apagar, murmurando palavras apaixonadas sobre o seu Orfeu. Era melhor que todos os feridos descansassem alí na tenda por alguns dias, onde seriam monitorados e teriam cuidados caso houvesse alguma complicação, mas dali dois dias Argon iria dar um jeito para que todos fossem levados de volta para as suas antigas casas.
O general lembrou-se de que ainda teria que ter uma conversa com o rei dali algum tempo, assim que o nobre chegasse no forte para saber sobre a última batalha e sobre o que seu exército precisava, mas como a hora ainda não havia chegado, Argon continuou ali conversando com mais alguns dos seus soldados.