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2116 Words
I Sexta-feira 16 de julho de 2010 Hoje com este calor abrasador não é o dia certo para voar, mas nenhum o é; tenho sempre medo quando não sou eu a guiar, mesmo se tratasse de um pequeno trenó sobre um declive de neve fofa. Na famosa lista de Dustin Hoffmann/Rain man la Turkish Airlines estava pois não entre as companhias que caiam? Enquanto no interior do avião expetante em pé que dois anciãos arrumam as suas bagagens, chega inesperadamente um steward. Dirige-se à mulher que acabava de acomodar-se. «Desculpe-me senhora, não pode ficar aí». «É o lugar do meu marido, mas...» «Reservei o lugar ao lado da janelinha para a minha esposa» interveio o cônjuge com cerca de setenta anos. «Sabe, agrada-lhe observar fora.» «Percebo senhor, mas é ela que deve acomodar-se aí» insiste o rapaz. «E por que?» Procura saber a senhora, que teima em não querer levantar-se. «Porque», explica gentilmente o steward, «aquela janelinha é igualmente uma saída de emergência e a senhora não conseguiria abri-la em caso de...» «Existe... Esta eventualidade?» Intervim. O steward responde dirigindo-se ao idoso turista: «No caso... Você conseguiria forçar a a******a, e julgo que a sua esposa não». «Ah, no caso» repito distanciando-me dos três visivelmente preocupado. Ponho-me a sentar. Os auscultadores do mp3 escondidos pelo caracol dos cabelos diante das orelhas (fico resignado não serve para nada desligar os instrumentos eletrónicos). UM Velho antiquado cobre os rumores da fase mais critica: a descolagem. A aterragem em Ankara desliza leviana; de todas as formas quando for a descer, queria curvar-me e beijar o chão, como fazia o papa. O ar é irrespirável, o asfalto da pista incandescente. Os aeroportos são todos iguais: mesmos letreiros, idêntica disposição dos balcões. Encontrarei a mala no rolo ou a terão enviada para São Petersburgo? Incrivelmente a mala existe e, à segunda tentativa, pego aquela justa (também as malas assemelham-se todas: devo antes ou depois aprestar-me colocando uma etiqueta com o nome). A fila nas alfândegas anda lentamente; quando chega a minha vez, cumprido o mestrado em pesquisa na Alemanha torna-me por uma vez útil: no estrangeiro a língua italiana ninguém a conhece. «Sprechen Sie Deutsch?» Pergunto. «Já» Responde grosseiramente o oficial das alfândegas. Tiro da bolsa de documentos a tiracolo o passaporte e lho entrego. Ele perscruta atentamente a foto, ergue o olhar até para encontrar o meu e em seguida mira novamente a imagem, por fim pergunta-me se sou Francesco Speri. Anuo. Efetivamente, eu não aparento tanto assim à foto tirada há 5 anos e com 12 quilos. O olhar do alfandegário torna-se surpreendentemente sério. «Können Sie mir folgen?» Exclama com um tom marcial. Espantado pelo pedido para segui-lo, pergunto, provavelmente de forma um pouco grosseira, o porquê. O alfandegário implacável insiste e eu sou obrigado a segui-lo. Atravessamos um extenso corredor escuro, nos lados várias portas, todas fechadas: afigura-se um tétrico hospital daqueles de uma vez, que se encontram ainda só nas aldeolas. Com um aceno da mão convida-me para entrar na última sala à direita: aqui um pequeno homem em pé com botas militares dita alguma coisa a um outro, absorvido a escrever à máquina. Não obstante a estatura, o homem deve ser um major, um coronel, em todo o caso um pedaço graúdo. Com um meio sorriso por baixo dos bigodes pretos, aponta para me acomodar, segurando com as mãos atarracadas o encosto de uma cadeira de madeira. Depois o “chefezinho” discute animadamente com o oficial que me conduziu até aqui; o outro delegado cessa de escrever e intervém no discurso, feito calar imediatamente pelos dois. Pela primeira vez desde quando parti viera-me em mente o professor Barbarino, que depois é o motivo da minha viagem: insistia que deveria aprender o turco, para escavar com ele aqui neste mundo. Respondia sempre que não sou um arqueólogo mas um histórico, e de todas as formas para efetuar escavações arqueológicas não serve falar; por todo o resto bastava que fosse ele capaz de tratar com as autoridades. A ansiedade acossa-me, enquanto devagarinho passam os minutos. Os alfandegários vozeiam em turco e pressuponho que falam de mim: com alguma frequência indicam-me com um leviano movimento da cabeça para frente. Ergo o olhar: um papel pintado acastanhado foi colado perfeitamente em cima dos pilares brancos. Atras do general (entretanto o promovi: aparenta que seja ele a tomar as decisões) sobressai um quadro enorme de um uniformizado como alto oficial. «Haben Sie verstanden?» [Como posso ter percebido, se falam em dialeto das montanhas da Anatólia oriental!] Esclarece-me que mandarão vir alguém da embaixada italiana; procuro saber o porquê: ninguém se digna responder-me. Este “general” fala pouco e sorri demasiadamente: instintivamente não me inspira confiança! O alfandegário que me conduziu até aqui pede, ou melhor ordena-me para segui-lo outra vez. No ato de despedir-me do quadro à parede, suponho que se trata do mesmo general ali presente quando jovem; por outro lado os homens com os bigodes me parecem todos iguais. Voltamos a percorrer o corredor até a um local ainda mais sombrio: sem grades mas parece uma cela, se calhar porque não há janelas ou mais que bastante porque o alfandegário coloca-se diante da saída, pouco mais ou menos com a imponente sala. Passo uma hora interminável encarcerado naquela sala: não sei o que poderá acontecer comigo. De repente um rumor de tacões ao longe, depois o rumor cessa, seguem vozes indistintas, por conseguinte os tacões aproximam-se… «Bom dia, sou Francisco Speri» Ponho-me de pé. Entra uma jovem pouco mais ou menos dos seus 35 anos, pequena de estatura, cabelos compridos: «Bom dia, chamo-me Chiara Rigoni, sou a intérprete da embaixada». Aperto-lhe a mão demoradamente, como se quisesse agarrar-me a ela, âncora de salvação: «Não consigo perceber o que tenha acontecido! Falaram demoradamente entre eles, desconheço o problema, em seguida encarceraram-me aqui e…» Interrompeu-me o alfandegário, agora encostado na ombreira da porta com simulada desenvoltura, dirigindo-se em turco à recém-chegada. «Especificam que não foi detido; estava aqui à minha espera. Seja como for vou falar com o tenente Karim» afirma a tal Chiara saindo. Será italiana ou turca? A carnação clara e o loiro dos cabelos, embora se calhar não natural, não deixam ter propensão por uma turca, mas a atitude, bastante formal, não é característico dos italianos. Em todo o caso o bigode preto é unicamente o tenente! No entanto o alfandegário pôs-se novamente diante da entrada: será verdade que não me prenderam, mas continuo a sentir-me sufocado. Depois uma dúvida: «Então, desculpe, o senhor percebe o italiano?» Nega num tom monocórdico, confirmando desta forma a suspeita. Pusera-me de pé para colocar-lhe esta pergunta; ele com um gesto perentório “aconselha” para voltar ao lugar; não é o caso para criar polemica, agacho-me de novo. Aquela longa espera sentado, com o medo daquilo que poderia acontecer levantando-me, faz-me passar pela cabeça diante da imagem de um dos tantos domingos passados a seguir a partir do banco as partidas da equipa onde jogava quando menino, com a vontade, mas igualmente com o terror, de ser chamado de um momento para o outro para o campo. Nunca fui impulsionado pela bola, precisamente num país como a Itália, onde admiti-lo é praticamente uma heresia: um homem, na qualidade de homem, deve saber jogar futebol. Tentei na equipa do bairro como atacante, porque qualquer um que joga futebol tem um único propósito: marcar golo. Dei-me conta pouco tempo depois que raramente alcançava tal propósito, antes ainda descobriu o treinador, que me fez recuar para o meio campo. Com a mudança do mister (os banqueiros não saltam só na serie A) fui logo afastado para a defesa, onde aprendi um único movimento: lançar-me no chão rastejando quando chegava inesperadamente um atacante; normalmente falhava a bola e felizmente até as pernas do adversário. Era a única coisa que sabia fazer, tanto mais que fui recuado mais outra vez: guarda-redes. Mais atrás não podia mais, a não ser que me tornasse apanha-bolas: evitei a tal humilhação retirando-me antecipadamente da equipa. Mas durante um aninho fui guarda-redes, ou melhor o segundo guarda-redes. Agora entre os postes da serie A fortes rapazes circundados por top-model, porém na baliza ninguém queria ficar (dali não se marcava golo) e sempre ia ali o mais “desastrado” do grupo. Pois então, máxima satisfação, eu era o seu suplente! Levanto-me do “banco” das alfandegas turcas só quando sinto novamente o ruido dos tacões… «Está tudo em ordem; agora o acompanho para pedir um documento provisório para os dias de permanência aqui. Segunda-feira dar-lhe-ão o passaporte» comunica a intérprete. «Mas o que é que não está bem?» «Apenas um controlo» tenta tranquilizar-me, tornando-me mais agitado. «O tenente Karim deve aguardar o ok da secretaria do ministério, que volta a abrir só na segunda-feira. No entanto aviemo-nos para a embaixada: dentro de uma hora encerra a secretaria.» Sigo o fato de saia e casaco cinzento às riscas fora daquele lugar h******l. Os táxis na Turquia normalmente são amarelos como na maior parte do mundo, este é de uma incompreensível cor-de-rosa pastel. A moça é gentil mas distante; enquanto observa distraída para fora através da janelinha, consigo arrancar-lhe para tratarmo-nos por tu durante a continuação da viagem. Por meias palavras conta-me que é filha de italianos, nascida e vivida na Turquia: aprendeu a língua italiana com os progenitores, que não se adaptaram de forma alguma à língua turca e abriram uma sorvetaria numa aldeola perto de Ankara. «Agradar-me-ia ver a Itália: Venezia, Padova, Iesolo, Oderzo...» Temos outras cidades discretas, em Toscana e no resto da península, mas intuo que os seus pais são vénetos e não rebato. Mesmo na Alemanha as geladarias italianas estão todas nas mãos de vénetos: aquela região pelo sorvete aparenta ser como a Campânia pela pizza. Na embaixada passam um folheto. Deveria assegurar-me para circular livremente, mas visto como começou a viagem… «Temo que com este salvo-conduto não irei muito longe. Não estou aqui de férias, mas para trasladar para a Itália o cadáver do meu professor universitário mas também Ex chefe…» «Está sepultado em Ankara?» Procura saber ela, não tendo bem entendido o problema. «Luigi Barbarino chamava-se assim, morreu há uma semana, enquanto escavava num sítio arqueológico em Tarso. Tenho de ir até ali para recuperar os despojos mortais...» «Em Tarso vive um meu amigo... Realmente um “Ex” amigo: pode ajudar-te. É engenheiro numa indústria petroquímica. Dou-te o endereço» afirma ela rasgando uma pagina de uma agenda e anotando algo. Não gostaria de aproveitar, aliás: «Obrigado, mas como faço com a língua?» «Ele fala bem a língua italiana» riposta quase num tom irritado. «Não se pode ter o seu número de celular, assim ligo diretamente daqui?» «Na verdade bloqueei-o, mas se fores para este endereço, vais encontrá-lo certamente. Diga-lhe que vens a mando da Chiara.» Ela trata-me como uma criança: acompanha-me à estação dos autocarros, pede em meu nome um bilhete e faz-me apanhar a camioneta de carreira. Emana um perfume que cheira a mistério e a Oriente. Distancio-me dela, não antes de ter-lhe escrito numa folha o meu número de celular. De fora a camioneta de carreira para Tarso afigura-se gira, no seu estilo dos anos ’60, m*l eu entrei percebi que é realmente daquela época. Todos fumam em excesso: o ar é irrespirável. Felizmente as janelinhas nos anos sessenta ainda podiam-se abrir: durante seis horas de viagem com a cabeça fora da janelinha, como fazem os cães pois sabe-se lá o porquê). Assim debruçado, vejo Ankara, até agora tinha conhecido apenas os funestos escritórios. Os edifícios recordam-me a interminável fileira de casas cinzentas e indistintas de Londres, com uma diferença: aqui são mais decadentes! Durante um tempinho cancelo da vista as casas e as cúpulas das mesquitas e tento em vão vislumbrar a coluna que a cidade de Ancyra (a Ankara da época romana) tinha erguido para honrar o imperador Flavio Claudio Giuliano. O prezado Giuliano! Há anos tenho uma verdadeira fixação pelo último imperador pagão da época romana: quando trabalhava na Universidade escrevi vários artigos e alguns livros sobre ele. Com a alcunha de Apostata porque de cristão tinha-se convertido ao paganismo, tentou depois, durante toda a sua curta vida, atrair novos fieis reformando a religião tradicional: a utopia era transformar todo o império, enfim inevitavelmente cristianizado, pagão. O motivo do seu fascínio para mim está todo aqui: o imperador Giuliano queria mudar o mundo, sem tomar atenção de que o mundo já tinha mudado, mas para um outro rumo, e não se podia recuar. Ainda no avião, tinha-me prometido antecipadamente que a coluna do imperador filósofo teria sido a primeira coisa que teria visto em Ankara, mas depois com aquela confusão burocrática…
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