O garoto da tempestade
Capítulo 1 – O Garoto da Tempestade
O vento cortava a praia de São Brisas como navalhas afiadas, levantando ondas furiosas que arrebentavam contra os rochedos. O céu, antes azul e aberto, agora se fechava em nuvens pesadas, prometendo uma tempestade que já se anunciava pelo cheiro de sal e eletricidade no ar.
Marina apertou a jaqueta contra o corpo e continuou andando pela areia molhada, os pés afundando a cada passo. Ela adorava o mar em qualquer estado—calmo ou revoltado, ele sempre parecia conversar com ela de uma forma que ninguém mais conseguia.
A tempestade não a assustava, mas a urgência em seu peito, sim. Havia algo naquela noite, algo diferente, como se o oceano estivesse chamando por ela.
Foi então que viu.
Entre as ondas quebradas, um corpo.
O choque fez seu coração disparar. Por um segundo, Marina ficou paralisada, temendo o pior. Depois, sem hesitar, correu em direção à água.
O mar estava gelado, seus braços se arrepiaram, mas ela continuou, puxando o corpo inerte para a areia. Era um garoto.
Ele estava de bruços, o cabelo n***o colado à pele pálida. Marina o virou com cuidado e sentiu o ar sumir de seus pulmões.
Ele era lindo, de um jeito impossível. A pele parecia reluzir sob a luz pálida da lua, e os lábios tinham um tom azulado, como se pertencessem ao próprio oceano. Mas o que mais a assustou foram os olhos.
Porque, quando ele se engasgou e puxou o ar de volta para os pulmões, os olhos que se abriram para ela eram de um tom prateado e líquido—como as ondas de uma maré crescente.
Marina deu um passo para trás.
E então ele falou, com uma voz rouca e fraca, mas cheia de algo que fez sua espinha arrepiar.
— Você me encontrou.
O coração de Marina martelava forte dentro do peito. A voz do garoto parecia um eco do próprio mar, um sussurro que carregava a força da tempestade.
— Você… você está bem? — perguntou, a garganta seca.
Ele piscou lentamente, como se estivesse tentando se situar. Então, tossiu, virando o rosto de lado para expelir um pouco de água salgada.
— Eu… não sei. — Sua voz saiu como um sussurro rouco.
Marina se abaixou ao lado dele, ainda sem acreditar no que estava acontecendo. Seu olhar deslizou pelo corpo do garoto—ele usava uma camisa fina, completamente encharcada, e uma calça escura. Não havia sapatos. Seus pés estavam descalços, a pele tão clara que parecia translúcida.
— Como você veio parar aqui? — Ela olhou ao redor, tentando encontrar algum sinal de um barco, de outro sobrevivente, mas tudo que viu foi a praia vazia e o mar furioso atrás dele.
O garoto hesitou.
— O mar me trouxe.
Marina franziu o cenho.
— Sim, eu percebi isso. Mas como? Você caiu de um barco? Alguém mais estava com você?
Ele apenas balançou a cabeça, como se não soubesse o que responder.
A tempestade ainda ameaçava no horizonte, e a brisa forte fazia os cabelos de Marina chicotearem seu rosto. Ela precisava tirá-lo dali antes que ficassem completamente ensopados.
— Você consegue se levantar? — perguntou, estendendo a mão para ele.
O garoto hesitou por um instante antes de aceitar a ajuda. Seus dedos eram frios contra a pele quente de Marina, e um calafrio subiu por sua espinha. Quando ele tentou ficar de pé, cambaleou e quase caiu.
Sem pensar, Marina o segurou pelos ombros.
— Ei, calma! Você está fraco.
Ele respirou fundo e firmou os pés na areia. Seus olhos prateados se fixaram nos dela, intensos e enigmáticos.
— Obrigado.
Marina sentiu o rosto esquentar e desviou o olhar.
— Vamos sair daqui. Minha casa é perto, você pode se aquecer lá.
Ele a observou por um instante, como se analisasse sua oferta, antes de assentir.
Marina passou um braço ao redor da cintura dele, o ajudando a andar. Seu corpo era mais firme do que parecia, mas ainda assim, ele mancava levemente.
Caminharam pela areia úmida em silêncio, com apenas o som das ondas e do vento ao redor. Marina olhava para ele de tempos em tempos, tentando decifrar o mistério que ele representava.
Quem era ele? Como tinha acabado no mar durante uma tempestade?
E, acima de tudo… por que ela sentia que ele não deveria estar ali?
A casa de Marina ficava no alto de uma colina, com uma vista perfeita para o oceano. Seu pai havia construído o lugar antes de desaparecer no mar anos atrás, deixando apenas lembranças e perguntas sem resposta.
Ela ajudou o garoto a subir os degraus da varanda e abriu a porta, sentindo o calor do ambiente abraçá-los.
— Pode se sentar — disse, apontando para o sofá.
Ele se acomodou lentamente, como se ainda não estivesse acostumado a estar ali.
— Eu vou pegar umas roupas secas para você. Espere aqui.
Ela subiu as escadas correndo, pegando algumas roupas do irmão mais velho no armário. Quando desceu, ele ainda estava no mesmo lugar, observando as chamas da lareira como se nunca tivesse visto fogo antes.
— Aqui. Pode se trocar no banheiro ali.
Ele pegou as roupas com cuidado, como se fossem algo precioso.
— Obrigado, Marina.
Ela congelou.
— Como… você sabe meu nome?
O garoto encontrou seu olhar, e Marina sentiu um arrepio profundo.
Ele não respondeu. Apenas sorriu, um sorriso suave, quase triste, antes de desaparecer pelo corredor.
Marina ficou ali, com o coração disparado e uma certeza perturbadora crescendo dentro de si.
Aquele garoto não era como qualquer outro.
E, de alguma forma, ele já a conhecia.